sexta-feira, 25 de julho de 2014

Uma Manhã de Cão

Minha amiga Sarah H. me veio com um convite inesperado.  Queria que eu a acompanhasse em seu dia de visitas a clientes. Ela é representante comercial de um produto singular que promete livrar das mãos todo e qualquer tipo de germe contraído com o aperto de mão. Então, o cidadão aperta a mão de outro e, em seguida, esfrega o tal produto milagroso nas mãos que ficam esterilizadas para o aperto de mão seguinte. Coisa de louco! Vivemos em tempos que se pratica o germecídio a cada segundo. E o que é que eu entendo desta maravilha microbicida? Coisa nenhuma!
Ela apenas queria uma companhia para cumprir aquela obrigação profissional. Então eu pedi ao meu patrão para que me dispensasse do serviço naquela manhã, com a desculpa de que eu precisava fazer um passeio urgente. O uso da palavra urgente foi estratégico, pois esta causa impacto e convence sobre a gravidade do assunto. Não fosse o meu patrão e o seu funcionário a mesma pessoa, tal justificativa de ausência ao local de trabalho seria motivo de justa causa.
E lá fui eu acompanhar minha amiga Sarah H. em sua romaria. Eu meio que precisava mesmo de um passeio de carro para arejar as ideias. No horário combinado, ela estava na porta de casa em seu reluzente coreano. Caía uma chuva intermitente, mas não daquelas cuja água inunda as vias provocando o caos na vida das pessoas.
Havia caos sim. Mas este não fora causado pelas águas da chuva que caia. As ruas estavam inundadas por uma enxurrada de automóveis. O congestionamento começava na esquina da rua onde moro e se prolongava ao longo dos quase cento e cinquenta quilômetros percorridos naquela manhã.
Vamos combinar, Salvador virou um congestionamento só. Uma longa fila de carros estancados um atrás do outro, conduzidos por mal-humorados motoristas. E buzinam, como gostam de buzinar essa gente. É provável que este ato desesperado lhes dê vasão ao seu estresse, mas com certeza não tem o dom mágico de fazer o congestionamento sumir de sua frente. Isto me faz lembrar que certa vez eu tive uma ideia brilhante para uma invenção que me tornaria um milionário da noite para o dia. Era muito simples. Um headphone conectado diretamente à buzina do automóvel com o qual o motorista poderia buzinar à vontade diretamente em seus próprios ouvidos no volume do seu gosto, sem incomodar ninguém. Também não causaria poluição sonora. Mas os japoneses já devem ter passado a perna em mim novamente num de meus inventos, assim como o fizeram com a minha ideia da câmera digital e de comer de palitinhos.
Em nossa provinciana Salvador, usar o transporte público é coisa de gente feia e pobre. Quem tem carro faz questão de colocá-lo na rua para mostrar ao mundo como subiu de vida. Para o brasileiro, o carro não é apenas um meio de locomoção e sim uma demonstração de que as coisas estão dando certo para ele. É até irônico ver como o carro deixou de ser uma solução para virar o problema. Há, também, uma escassez de bom senso entre as pessoas. Quantas poderiam tranquilamente deixar o carro em casa e ir de transporte público, mas se rendem à vaidade e ao comodismo? Por isso, há mais carros que ruas em Salvador e o que sobra, certamente, são os congestionamentos.
Para fazer o seu trabalho, minha amiga Sarah H. precisa realmente de um automóvel. Mas o que dizer de minha vizinha que só vai à padaria, que fica localizada na rua de trás, dirigindo o seu carrinho? Ela dá tantas voltas para encontrar uma vaga para estacionar que termina encontrando uma justamente em frente à sua casa!
Eu confesso que gostei daquele passeio pelos congestionamentos de Salvador durante um dia de semana. Conheci caminhos e atalhos tortuosos cuja existência eu desconhecia. Vi como a cidade cresceu – e continua crescendo – e se modificou para melhor e para pior. Observei como o fato de o motorista ter uma carteira de habilitação não lhe dá habilidade para dirigir racionalmente e com bom-senso. Agradeci a Deus por jamais precisar dirigir em Salvador com os seus intermináveis congestionamentos. E ao final da manhã, sucumbi à exaustão por ter assistido passivamente sentado no banco do carona ao inferno que é sair de carro em nossa cidade.
Se algumas pessoas deixassem o carro na garagem para que aquelas que realmente precisam dele saíssem sem ter de enfrentar congestionamentos, o dia de todos seria bem melhor. Mas, pensando bem, talvez as pessoas estejam viciadas em um bom congestionamento!


Rio Vermelho, 21 de julho de 2014. 

4 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia Cristiano!
Muito boas suas crônicas.
Elias Antar

Sarnelli disse...

Não há o que comentar. Você tem razão. Deixei o meu carro parado na porta da minha casa. Ando a pé e de buzu só que, numa dessas noites alegres do Parque Cruz Aguiar, um bêbado não identificado resolveu bater na traseira do meu carro, fato que, praticamente , o transformou numa sucata !

Anônimo disse...

Haha muito bem humorada e com a devida crítica posicionada com inteligência. Dei boas risadas....:)
Abraços, Henrique Fenocchio

Anônimo disse...

Muito boaaaa!
Lua Vasconcelos