Minha amiga Sarah H. me veio
com um convite inesperado. Queria que eu
a acompanhasse em seu dia de visitas a clientes. Ela é representante comercial
de um produto singular que promete livrar das mãos todo e qualquer tipo de
germe contraído com o aperto de mão. Então, o cidadão aperta a mão de outro e,
em seguida, esfrega o tal produto milagroso nas mãos que ficam esterilizadas para
o aperto de mão seguinte. Coisa de louco! Vivemos em tempos que se pratica o
germecídio a cada segundo. E o que é que eu entendo desta maravilha microbicida?
Coisa nenhuma!
Ela apenas queria uma companhia
para cumprir aquela obrigação profissional. Então eu pedi ao meu patrão para que
me dispensasse do serviço naquela manhã, com a desculpa de que eu precisava
fazer um passeio urgente. O uso da palavra urgente foi estratégico, pois esta causa
impacto e convence sobre a gravidade do assunto. Não fosse o meu patrão e o seu
funcionário a mesma pessoa, tal justificativa de ausência ao local de trabalho
seria motivo de justa causa.
E lá fui eu acompanhar minha
amiga Sarah H. em sua romaria. Eu meio que precisava mesmo de um passeio de
carro para arejar as ideias. No horário combinado, ela estava na porta de casa em
seu reluzente coreano. Caía uma chuva intermitente, mas não daquelas cuja água
inunda as vias provocando o caos na vida das pessoas.
Havia caos sim. Mas este não
fora causado pelas águas da chuva que caia. As ruas estavam inundadas por uma
enxurrada de automóveis. O congestionamento começava na esquina da rua onde
moro e se prolongava ao longo dos quase cento e cinquenta quilômetros percorridos
naquela manhã.
Vamos combinar, Salvador virou
um congestionamento só. Uma longa fila de carros estancados um atrás do outro, conduzidos
por mal-humorados motoristas. E buzinam, como gostam de buzinar essa gente. É
provável que este ato desesperado lhes dê vasão ao seu estresse, mas com
certeza não tem o dom mágico de fazer o congestionamento sumir de sua frente. Isto
me faz lembrar que certa vez eu tive uma ideia brilhante para uma invenção que
me tornaria um milionário da noite para o dia. Era muito simples. Um headphone conectado diretamente à buzina
do automóvel com o qual o motorista poderia buzinar à vontade diretamente em
seus próprios ouvidos no volume do seu gosto, sem incomodar ninguém. Também não
causaria poluição sonora. Mas os japoneses já devem ter passado a perna em mim
novamente num de meus inventos, assim como o fizeram com a minha ideia da
câmera digital e de comer de palitinhos.
Em nossa provinciana Salvador,
usar o transporte público é coisa de gente feia e pobre. Quem tem carro faz
questão de colocá-lo na rua para mostrar ao mundo como subiu de vida. Para o
brasileiro, o carro não é apenas um meio de locomoção e sim uma demonstração de
que as coisas estão dando certo para ele. É até irônico ver como o carro deixou
de ser uma solução para virar o problema. Há, também, uma escassez de bom senso
entre as pessoas. Quantas poderiam tranquilamente deixar o carro em casa e ir
de transporte público, mas se rendem à vaidade e ao comodismo? Por isso, há
mais carros que ruas em Salvador e o que sobra, certamente, são os congestionamentos.
Para fazer o seu trabalho,
minha amiga Sarah H. precisa realmente de um automóvel. Mas o que dizer de
minha vizinha que só vai à padaria, que fica localizada na rua de trás, dirigindo
o seu carrinho? Ela dá tantas voltas para encontrar uma vaga para estacionar
que termina encontrando uma justamente em frente à sua casa!
Eu confesso que gostei daquele
passeio pelos congestionamentos de Salvador durante um dia de semana. Conheci
caminhos e atalhos tortuosos cuja existência eu desconhecia. Vi como a cidade
cresceu – e continua crescendo – e se modificou para melhor e para pior.
Observei como o fato de o motorista ter uma carteira de habilitação não lhe dá
habilidade para dirigir racionalmente e com bom-senso. Agradeci a Deus por
jamais precisar dirigir em Salvador com os seus intermináveis
congestionamentos. E ao final da manhã, sucumbi à exaustão por ter assistido
passivamente sentado no banco do carona ao inferno que é sair de carro em nossa
cidade.
Se algumas pessoas deixassem o
carro na garagem para que aquelas que realmente precisam dele saíssem sem ter
de enfrentar congestionamentos, o dia de todos seria bem melhor. Mas, pensando
bem, talvez as pessoas estejam viciadas em um bom congestionamento!
Rio Vermelho, 21 de
julho de 2014.
4 comentários:
Bom dia Cristiano!
Muito boas suas crônicas.
Elias Antar
Não há o que comentar. Você tem razão. Deixei o meu carro parado na porta da minha casa. Ando a pé e de buzu só que, numa dessas noites alegres do Parque Cruz Aguiar, um bêbado não identificado resolveu bater na traseira do meu carro, fato que, praticamente , o transformou numa sucata !
Haha muito bem humorada e com a devida crítica posicionada com inteligência. Dei boas risadas....:)
Abraços, Henrique Fenocchio
Muito boaaaa!
Lua Vasconcelos
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