E já se ia um ano e meio de
namoro. Era daqueles das antigas, tipo namoro de porta. Arnaldo vinha toda
noite ver Judith. Sentavam-se na mureta do portão de entrada em frente à casa.
E ficavam lá namorando ao luar. O pai ficava de longe, lia o jornal na sala ao
lado da janela. Para não ser indiscreto, vez por outra dava uma olhada para ver
se os dois estavam se comportando. Só quando ele bebia uma cerveja no jantar,
que Arnaldo, muito espertamente, fazia questão de ir comprar, é que ele baixava
a guarda. Mal sentava para ler e caía num sono deslavado. Aí os dois pombinhos
aproveitavam a oportunidade indo para um canto escuro ao lado da garagem. E
entre beijos e abraços lascivos, se entregavam no maior esfrega.
Judith teria preferido que eles
fossem se encontrar em outro lugar. Não gostava de envolver a família em seus
namoros. Daria aos pais uma desculpa para sair todas as noites, como fizera de
outras vezes. Mas Arnaldo foi taxativo, fazia questão de conhecer os pais e de
informá-los de suas intenções. Ela achou aquilo um exagero. Pra quê isso, parece
até pedido de casamento, ela argumentou desconfiada. Não, meu amor, eu não me
sinto à vontade de comer uma moça de família como você, sem a benção dos pais, entendeu?
Não que ele fosse lhes pedir autorização explicita para arquivar a moça. Mas
apenas o fato de ele ser apresentado formalmente a eles, já sacramentava o seu
consentimento.
Judith achou aquilo muito
antiquado, mas atendeu ao pedido do rapaz. Levou-o para conhecer os pais. Mal
sabia ela em que estava se metendo.
Arnaldo não apenas era um tipo sedutor,
mas, também, um grandessíssimo de um bajulador. Logo de cara, ele tomou a
liberdade de chamar a mãe de “sogrinha” e o pai de “sogrão”. Isto foi o
suficiente para roubar o coração dos velhos que sonhavam ver a filha casada para
lhe dar netos. E ele era de uma atenção com aqueles dois como Judith nunca vira
igual entre os ex-namorados. Os pais de Judith logo se apaixonaram por Arnaldo.
Ele se tornara o filho homem que nunca tiveram.
Sempre que chegava para a
sessão de namoro, ele ia cumprimentá-los. Mas que rapaz educado, comentavam
satisfeitos. Às quartas-feiras, ele vinha para o jantar e no domingo para o
almoço. Ao final da refeição, e durante toda ela, ele não deixava de elogiar a
delícia que era a comida da “sogrinha” que se enchia de felicidade, pois era
raro ouvir elogios. Em retribuição, ela tomou nota dos pratos prediletos do
genro querido para lhe agradar quando ele viesse. Só de ouvir aquela
lenga-lenga, Judith ficava enjoada. Ela nem um ovo cozinhava. Para agradar a
velha, Arnaldo lhe trazia Pastéis de Belém que ela gostava muito. Aqueles mimos
deixavam Judith enciumada. Arnaldo nunca lembrava de trazer nada para ela, apesar
de sua generosidade com ele, ao deixa-lo fazer coisas com ela que nenhum outro
namorado teve a chance.
Em dia de futebol, Arnaldo só
cumpria meio expediente com Judith. Depois, ia sentar ao lado do “sogrão” em
frente à tv. Até torciam pelo mesmo time, quanta coincidência! Houve domingos que
os dois foram juntos ao estádio assistir o jogo, deixando Judith a ver navios.
Aquelas coisinhas estavam fazendo ela perder o interesse por Arnaldo.
Como tudo na vida tem um
começo, um meio e um fim. Um dia Judith chamou Arnaldo para uma conversa longe
de sua casa. E terminou o namoro. Não queria mais. Tinha se enjoado dele. E Arnaldo
não insistiu. Foi-se embora magoado, nunca mais deu as caras na casa de Judith.
Como era de se esperar, logo os
pais de Judith sentiram falta do rapaz. E ao serem informados do fim do namoro,
não deu outra: ficaram inconformados, mais até que o próprio interessado. Como
podia ser, um rapaz tão bom, um excelente partido! Aonde é que essa menina está
com a cabeça? A semana toda foi aquele clima de velório em casa. A mãe
choramingava pelos cantos. Viu o que você foi fazer à sua mãe?, o pai chantageava
também inconsolado. Não falou mais com a própria filha, desde então. A pressão
do velho bateu nas alturas e ele foi parar na emergência. A mãe era um chororô
só. A filha ia matar o pai de decepção! Judith se encheu de culpa e remorso. Foi
procurar Arnaldo. Viu, é nisso que dá namorado frequentar a minha casa, ela se
recriminou.
Dois dias depois, o pai teve
alta e voltou para casa. E advinha quem apareceu para jantar como nos velhos
tempos? Judith ia ter de pensar em outra forma de se livrar de Arnaldo.
Rio Vermelho, 20 de
agosto de 2014.
Um comentário:
Ele mudou de lado!
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