Eu costumava ter uma tosse miserável
que me atacava uma vez por ano e cuja frequência era tão previsível quanto a vinda
do carteiro com as contas de final de mês. Ela chegava de mansinho e sem nenhum
alarde num final de tarde. Uma tosse seca, discreta e ocasional que depois se
tornava intermitente e espalhafatosa. Sua intensidade era de tal forma que às
vezes eu jurava que podia cuspir os pulmões pela boca. Meus rins doíam de tanto
esforço que eu fazia para tossir, a voz sumia. Tudo escurecia à minha frente quando
eu era acometido de uma crise de tosse e eu só conseguia ver ao longe a imagem
do Criador me chamando para junto dele. E ela durava semanas, meses até o dia em
que eu ia me arrastando até um médico para que ele me entupisse de antibióticos
e corticoides. Mas o que me curava mesmo era um bom banho de folhas arruda. Aquilo
só podia ser mau-olhado.
Esta tosse surgiu pela primeira
vez em minha vida quando eu era ainda adolescente. Eu tinha ido passar um fim
de semana com amigos num sítio. Imaginem o risco que era deixar um bando de
adolescentes por conta própria numa casa do meio do mato. Veio no grupo a linda
irmã da namorada de um amigo por quem fiquei de queixo caído. Aquela doçura
quase não abria a boca para falar de tão tímida que era. Mas ao contrário do
que se podia esperar de uma garota tão acanhada, ela tinha uma tremenda de uma má
fama! Fiquei fascinado. Aquilo era uma verdadeira tentação para um garoto de 17
anos cheio da energia causada pelos hormônios que ferviam nas veias. Por certo
eu fui averiguar a veracidade das fofocas e fiquei encantado de me certificar que
realmente aquela pestinha muda fazia jus à sua má fama! Fizemos “ósadia” até
altas horas na noite numa rede que ficava num canto escuro da varanda. – A
minha geração não transava com a facilidade que se faz hoje, só comíamos pelas
beiradas. – Aquela atividade toda me deixou com calor, mesmo estando uma noite
fria. Pus na cabeça que tinha de tomar um banho às 3 da madrugada. Era inverno
e não havia água quente na casa, mas me meti debaixo do chuveiro mesmo assim.
Depois daquele banho gelado a minha famosa tosse apareceu pela primeira vez.
Eu estava passeando nos Estados
Unidos quando tive uma dessas temporadas de tosses e, assustada com as minhas
crises, uma amiga me levou a um médico da cidade. Enquanto aguardávamos a minha
vez, eu me distraía folheando as revistas velhas da sala de espera. As cadeiras
eram antigas, feitas de madeira sólida e desconfortáveis. Mas não demorou muito
para eu ser chamado.
O doutor Collins deveria ter uns
setenta e poucos anos e era um pouco baixo e gordo. Possuía uma barriga dura e saliente
que parecia maior por baixo do jaleco branco. Os cabelos eram todos brancos e
brilhavam, eram curtos e ralos. Seu olhar era doce e seus modos afáveis. E ele
gostava muito charutos. Eu podia dizer isto com absoluta certeza porque ele me
recebeu para a consulta tendo um soltando fumaça entre os dedos da mão. Eu já
tinha visto muita coisa nesta vida, e aquela era uma das que ainda me faltava
ver.
Ele me perguntou qual o motivo
da visita. Eu tive ímpetos de contar-lhe toda aquela história da origem da minha
tosse, do meu encantamento por uma menina tímida e mal falada, do nosso rala-e-rola
na rede e do banho gelado que tomei imprudentemente numa noite de inverno
depois de ter suado muito. Mas eu simplesmente lhe respondi que estava tossindo.
Ele me olhou com um olhar analítico
e mandou eu abrir bem a boca e colocar a língua para fora para examinar a minha
garganta. Depois auscultou os meus pulmões e me mandou tossir. Essa parte foi
bem fácil de fazer porque agora o charuto estava na boca e ele o tragava com
prazer soltando baforadas por entre os dentes como um dragão. A fumaça se espalhou
pela a pequena sala e me sufocou.
Ninguém precisava estar doente para tossir numa situação como aquela. Eu
tossi à vontade e o médico deu finalmente um diagnóstico: o senhor tem uma
tosse. Eu fiquei aliviado de ter ido procurar um profissional, pois, do
contrário, eu jamais teria chegado a tal brilhante conclusão. E me prescreveu apenas um xarope. Aos sair do consultório, eu
fiquei me perguntando onde eu conseguiria um bom banho de folhas de arruda na
pequena Springfield, Colorado.
Rio Vermelho, 15 de
abril de 2015.
3 comentários:
Massa,Cristiano!
Aqui é fácil conseguir as folhas. A feira de São Joaquim está logo ali... Se não quiser ir tão longe, pode tentar a Ceasinha aqui no Rio Vermelho mesmo. Mas, por favor, páre de aprontar.... Xarope por xarope, pode tentar um de flores de mamoeiro macho...
Oi Cristiano, eu já conhecia algumas crônicas, pois quando nos conhecemos fiquei curiosa sobre o seu trabalho. Crônicas deliciosas, que fazem a felicidade de leitores como eu, que adoram o gênero. E quanto à tosse de ontem, esqueça o própolis, não vai funcionar, depois que li uma das crônicas. Adorei. bjs
Célia Carneiro Ribeiro
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