Depois que os três bancos de madeira foram instalados no
mirante em frente ao mar, num passado muito remoto, estes já acolheram uma
infinidade de episódios relevantes e que, sem dúvida, ficaram registrados nas
recordações dos que ali se sentaram: casais apaixonados admirando o pôr do sol,
início de namoro, amantes fazendo amor discretamente, papos sérios e
intermináveis, fim de namoro, lágrimas. Pessoas de fé escolheram orar sentadas naqueles
bancos, como se fosse o lugar um templo ao ar livre, banhado pela maresia. Outras
sentam-se apenas para espairecer ao som relaxante das ondas quebrando sobre as
pedras, depois de um dia extenuante. Há, também, quem sente ali apenas para
fumar um baseado enquanto admira a paisagem. Um leitor faz dali o seu cantinho
de leitura todas as tardes. O mobiliário urbano que tantos serviços tem
prestado aos visitantes do mirante da Praia da Paciência, serve, também, para
que pichadores registrem sobre eles os seus protestos, numa linguagem estranha,
cujo alfabeto só eles são capazes de decifrar.
Naquele fim de tarde, depois que o sol sumiu no
horizonte, dois improváveis funcionários da prefeitura vieram ao mirante dispostos,
e com energia, para apagar as pichações. Os dois homens pareciam ser muito
simplórios e acreditavam estar fazendo um bem. Munidos de luvas de borracha,
solvente, estopa, lixa e escova de aço, tinham a intenção de devolver aos
bancos o seu estado original, sob os olhares indiferentes de skatistas que
praticavam, próximo dali, manobras acrobáticas em seus skates.
Limpar os bancos não foi tarefa fácil, mas a dupla
obstinada não desistiu enquanto estes não ficaram novinhos em folha. Os dois homens
se revezaram naquela luta, pois a tinta era teimosa. Um esfregava com a estopa
embebida em solvente e o segundo, em seguida, com a escova de aço. Depois o
primeiro completava o serviço com a lixa; tudo era uma questão de fôlego e
braços fortes. Por fim, a tinta desvaneceu-se e um sorriso de satisfação
desenhou-se na face dos dois batalhadores. Aquela maçante tarefa repediu-se em
cada banco.
Quando os dois homens da prefeitura recolheram os seus
apetrechos e foram embora, com um sentimento de dever cumprido, não imaginavam
que tinha atiçado a ira dos que ficaram. Um skatista resolveu agir, moveu-se
para longe dos bancos, montado em seu skate, e num gesto rápido e hábil, mudou
a direção de sua trajetória, agora em direção aos bancos. Partiu para cima
destes feito uma bala humana e quando estava chegando muito próximo, fez o
skate saltar para cima de um dos bancos onde estacionou. Da mochila que carregava
nas costas, sacou de dentro um cilindro de metal, que depois de sacudi-lo
vigorosamente, aproximou-o do assento do banco, fazendo sair de dentro um jato
de tinta vermelho, com o qual desenhou a figura de uma besta assustadora com
ameaçadoras mandíbulas a desafiar com seus dentes afiados, provavelmente o seu
autorretrato. Dando-se por satisfeito com a proeza, ao desfazer em questão de
segundos o trabalho que os dois homens demoraram horas dedicados, o skatista socou
com o punho cerrado o vazio em sinal de vitória. O espetáculo repetiu-se nos
dois bancos seguintes, sob as manifestações de júbilo dos outros companheiros.
Não se sabe ao certo que vitória comemoravam.
Rio Vermelho, 22 de janeiro de 2017.
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