No fim da tarde do primeiro dia do ano, quando o sol
excruciante do verão começa a abrandar à medida que desliza-se suavemente para ir
sumir no horizonte, um senhor circulava entre os turistas e frequentadores do
Largo de Santana, tentava vender peões. Carregava a sua mercadoria presa a um bonito
mostruário de tábua cortado no formato de um grande peão, oferecendo-o sem
fazer alarde a um e a outro. Quem jurasse que os peões tinham desaparecido da
face da terra juntamente com os dinossauros, brinquedo de criança de priscas
eras, que só existissem agora como curiosidade em museus de arte popular, iria
se surpreender com aquele vendedor improvável. Mas ali estava o cidadão obstinado
que acreditava que, a pesar da popularização dos brinquedos que não se pode tocar
e nem pegar, da era digital, ainda houvesse esperança de alguém se interessar
por algo tão lúdico e antigo como brincar com o peão.
Seus peões eram confeccionados por ele próprio; de
madeira, pau d’arco, massaranduba, jaguaratiba, frejó, quanto mais dura, mais
pesada ela é, excelente para a confecção do brinquedo. Eram entalhados um a um,
com formões, macetes e goivas, e depois lixados para dar o acabamento, eram
perfeitos como se tivessem sido moldados no torno elétrico. E para quem duvidasse
de sua destreza, o velho sacava do bolso o smartphone e rodava o pequeno
documentário no qual ele estrelava como o fazedor de peões artesanais que era.
Ele sentia orgulho de sua habilidade e maestria, porque “fazer peão na “unha”,
não é pra qualquer um, não”. Seus peões eram coloridos com as cores de times de
futebol, mas também tinham aqueles que não seguiam religião alguma, pintados do
jeito que lhe viesse à imaginação, ou apenas ao natural, mostrando a beleza da
madeira em que fora entalhado.
Ele oferecia os seus peões, mas ninguém lhe dava trela.
As atenções estavam voltadas para a longa fila do acarajé, o primeiro acarajé
do ano, ou por fotografar o eminente pôr do sol, o primeiro pôr do sol do ano. Um
gringo, não obstante, lhe deu atenção, nunca tinha visto aquele objeto curioso
de formato aeroespacial. Um só sabia agradecer em nosso idioma e o outro falava
como tinha aprendido na rua e em casa, mas a mágica da linguística resolveu
aquele momentâneo entrave. O vendedor falava pausadamente e alto, como se gritar
ajudasse à compreensão. Mas, percebendo o vendedor que a estratégia não estava
funcionando, ele resolveu fazer uma demonstração.
— Olhe, preste a atenção, você pega o fio e amarra na
cabeça do peão assim, e estica ele com firmeza até o bico, dando três voltas
assim, entendeu? Depois vai enrolando o fio em volta do peão, subindo pelo
corpo do peão até chegar no ombro, está entendendo? – gritou.
O gringo observava perdido as instruções do mestre do
peão e esbouçava aquele sorriso abestado típico dos gringos. Um falava alto
para se fazer entender, e o outro sorria para dizer que não entendia coisa
alguma, e, no final, os dois se entenderam na hora de fechar o negócio, que as
cifras são uma linguagem universal.
Ao final das instruções, o vendedor preparou-se para
mostrar como um peão realmente funciona. E com um gesto exibicionista e
dramático, dobrou uma perna e esticou a outra como fazem habilmente os skatista
sobre a prancha, o braço livre foi jogado para frente para dar equilíbrio ao corpo,
enquanto o que segurava o peão, passava pela costa num gesto elegante e com
técnica, a mão treinada soltou o peão ao mesmo tempo que segurava firme a ponta
do fio, projetando o brinquedo sobre o chão, onde pousou rodopiando com formosura,
desenhando um círculo completo. Admirando o seu feito mais uma vez, o vendedor
sorria como a criança encantada com o brinquedo que via funcionando pela
primeira vez, e os olhos brilhavam de admiração e felicidade.
Rio Vermelho, 1º. de janeiro de 2017.
3 comentários:
Sensacional. Bela narrativa.
Beleza!
Cristiano, somente hoje é que abri os e-mails e li a sua primeira postagem do ano 17.
Como sempre simples e bacana pois relembra os tempos bons passados das brincadeiras
dos costumes e das tradições.
Um grande abraço, Paulo Tude.
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