terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O Vendedor de Peões

No fim da tarde do primeiro dia do ano, quando o sol excruciante do verão começa a abrandar à medida que desliza-se suavemente para ir sumir no horizonte, um senhor circulava entre os turistas e frequentadores do Largo de Santana, tentava vender peões. Carregava a sua mercadoria presa a um bonito mostruário de tábua cortado no formato de um grande peão, oferecendo-o sem fazer alarde a um e a outro. Quem jurasse que os peões tinham desaparecido da face da terra juntamente com os dinossauros, brinquedo de criança de priscas eras, que só existissem agora como curiosidade em museus de arte popular, iria se surpreender com aquele vendedor improvável. Mas ali estava o cidadão obstinado que acreditava que, a pesar da popularização dos brinquedos que não se pode tocar e nem pegar, da era digital, ainda houvesse esperança de alguém se interessar por algo tão lúdico e antigo como brincar com o peão.

Seus peões eram confeccionados por ele próprio; de madeira, pau d’arco, massaranduba, jaguaratiba, frejó, quanto mais dura, mais pesada ela é, excelente para a confecção do brinquedo. Eram entalhados um a um, com formões, macetes e goivas, e depois lixados para dar o acabamento, eram perfeitos como se tivessem sido moldados no torno elétrico. E para quem duvidasse de sua destreza, o velho sacava do bolso o smartphone e rodava o pequeno documentário no qual ele estrelava como o fazedor de peões artesanais que era. Ele sentia orgulho de sua habilidade e maestria, porque “fazer peão na “unha”, não é pra qualquer um, não”. Seus peões eram coloridos com as cores de times de futebol, mas também tinham aqueles que não seguiam religião alguma, pintados do jeito que lhe viesse à imaginação, ou apenas ao natural, mostrando a beleza da madeira em que fora entalhado.

Ele oferecia os seus peões, mas ninguém lhe dava trela. As atenções estavam voltadas para a longa fila do acarajé, o primeiro acarajé do ano, ou por fotografar o eminente pôr do sol, o primeiro pôr do sol do ano. Um gringo, não obstante, lhe deu atenção, nunca tinha visto aquele objeto curioso de formato aeroespacial. Um só sabia agradecer em nosso idioma e o outro falava como tinha aprendido na rua e em casa, mas a mágica da linguística resolveu aquele momentâneo entrave. O vendedor falava pausadamente e alto, como se gritar ajudasse à compreensão. Mas, percebendo o vendedor que a estratégia não estava funcionando, ele resolveu fazer uma demonstração.

— Olhe, preste a atenção, você pega o fio e amarra na cabeça do peão assim, e estica ele com firmeza até o bico, dando três voltas assim, entendeu? Depois vai enrolando o fio em volta do peão, subindo pelo corpo do peão até chegar no ombro, está entendendo? – gritou.

O gringo observava perdido as instruções do mestre do peão e esbouçava aquele sorriso abestado típico dos gringos. Um falava alto para se fazer entender, e o outro sorria para dizer que não entendia coisa alguma, e, no final, os dois se entenderam na hora de fechar o negócio, que as cifras são uma linguagem universal.

Ao final das instruções, o vendedor preparou-se para mostrar como um peão realmente funciona. E com um gesto exibicionista e dramático, dobrou uma perna e esticou a outra como fazem habilmente os skatista sobre a prancha, o braço livre foi jogado para frente para dar equilíbrio ao corpo, enquanto o que segurava o peão, passava pela costa num gesto elegante e com técnica, a mão treinada soltou o peão ao mesmo tempo que segurava firme a ponta do fio, projetando o brinquedo sobre o chão, onde pousou rodopiando com formosura, desenhando um círculo completo. Admirando o seu feito mais uma vez, o vendedor sorria como a criança encantada com o brinquedo que via funcionando pela primeira vez, e os olhos brilhavam de admiração e felicidade.

Rio Vermelho, 1º. de janeiro de 2017.




3 comentários:

JAIR disse...

Sensacional. Bela narrativa.

Paulo Setúbal disse...

Beleza!

Anônimo disse...

Cristiano, somente hoje é que abri os e-mails e li a sua primeira postagem do ano 17.
Como sempre simples e bacana pois relembra os tempos bons passados das brincadeiras
dos costumes e das tradições.
Um grande abraço, Paulo Tude.