Depois do doloroso rompimento após dois anos de namoro, ela não soube que destino dar ao buldogue que ganhara de presente — um cão tão feio e deselegante — quando completaram o primeiro ano. Ela até pensou em recusá-lo, mas a paixão que sentia pelo namorado e sua vontade de sempre agradá-lo a impediu de ser sincera. Agora ela se arrependia amargamente de não ter devolvido o animal quando o namorado lhe comunicara solenemente que tudo estava acabado entre eles. O sentimento de prudência a fez desistir da ideia, por receio de parecer mesquinha ou vingativa. Entretanto, toda vez que olhava para o cão feioso, se lembrava do ex-namorado, cuja pessoa, ela, magoada, tentava esquecer para sempre.
Apesar de sua feiura canina, de
seu corpo atarracado e andar desajeitado, o cão era um animal doce e afetuoso,
e ela decidiu mantê-lo, a despeito de suas reservas. Mas o que ela mais queria
era arranjar um novo namorado para esquecer o outro que a deixara. Ela não
sabia viver sem um homem, um homem era tão bom. Ela se sentia completada,
quando estava amando.
Um dia ela resolveu levar o cão
para passear, estava cheia de ficar em casa remoendo as lembranças de um amor
que passou. Já era hora de virar a página, trocar o disco, partir para outro.
Embonecou-se toda, pôs a coleira no cão e foi caminhar no calçadão entre a
praia de Santana e a da Paciência. Era o primeiro dia de primavera, o fim de
tarde estava esplendoroso e logo o sol ia sumir por traz dos coqueiros do morro
da Sereia em uma hora.
Naquela tarde ela percebera que não
fora a única a ter semelhante ideia. O calçadão fervilhava de ciclistas,
skatistas, corredores e de gente saudável demais para praticar qualquer esporte,
e, sim, claro, os habituais donos de cachorro e suas crias, alguns muito
civilizados, atentos em recolher os dejetos de seus preciosos animais, e outros,
nem tanto, afinal entendem que a rua é um lugar público que cada um faz o que
quiser, e danem-se quem não gostar! Importante dizer que todos usavam máscaras
para se protegerem do vírus maldito, até alguns cães.
Sentado à balaustrada, havia um
belo rapaz, que ao ver a moça caminhando com o seu buldogue, fez sinais insistentes,
com uma expressão alegre, para que ela se aproximasse. A moça se sentiu
lisonjeada, não esperava arranjar um paquera logo na primeira saída, e muito
menos assim que parecia ser tão bonito — que a máscara, além de proteger do
vírus, também tem a vantagem de esconder a feiura. — Embora os ensinamentos para
que não desse ousadia a desconhecidos fosse uma orientação materna que sempre
observara, seu coração despedaçado dizia-lhe para chegar próximo ao rapaz e
deixar de lado aquele conselho antiquado.
O rapaz olhou para o cão com excitamento e perguntou à moça que se aproximava.
— Posso conversar com o seu cão?
O incomum pedido pegou de
surpresa a moça. Se aquilo era uma cantada, era muito original, ela pensou. O
rapaz nem esperou pela resposta. Abaixou-se e fez uma festa para o animal. O
cão não fez a menor cerimônia, retribuiu as demonstrações de afeto do
desconhecido com lambidas em seu rosto e balançou o rabo.
— E ai, meu velho, como está
você? Passeando com a sua mãe? — o rapaz disse, num tom afetuoso.
A moça ficou pasma, o rapaz queria
mesmo conversar com o cão! Mais chocada ainda ficou quando o ouviu referir-se a
ela como mãe do animal. Aquele tipo de tratamento, embora muito comum entre
proprietários de animais, não lhe agradou nem um pouco, sentiu-se uma aberração.
Em um segundo, ela tomou antipatia pelo rapaz, confundi-la com uma cadela era
demais. O rapaz justificou todo aquele seu entusiasmo, levantando a cabeça e
olhando para a moça.
— Eu tive um igualzinho a ele. O
pobrezinho morreu faz um ano — disse emocionado, com os olhos húmidos.
— Eu lamento a sua perda. — Ela
esforçou-se para demonstrar empatia.
— Estou procurando outro igual,
mas é tão difícil encontrar dessa raça — ele explicou.
— É mesmo? — ela disse pensativa.
— Esse tem apenas um ano.
— Sim, eu percebi que ele ainda é
um meninão. — Voltou-se para o cão. — Você não é um meninão? Você não é um
meninão lindo? — disse o rapaz enquanto fazia cócegas no bicho, que se deitou
de patas para cima, para, em seguida, receber afagos na barriga.
Quem dera ele fizesse o mesmo
comigo, pensou a moça, enquanto lhe vinha à mente uma ideia.
— Você pode ficar com ele, se
você quiser. Eu estava mesmo procurando alguém para adotá-lo, pois no lugar para
onde vou me mudar não é permitido animais — ela disse, satisfeita com sua
engenhosidade.
— Está falando sério?
— Estou sim. Acho que foi o
destino que fez com que nos encontrássemos hoje. E vendo como você se afeiçoou
a ele e parece que foi recíproco, fico mais tranquila por o estar dando à
pessoa certa.
— Tem certeza que quer fazer
isso? — perguntou o rapaz, incrédulo.
— Absoluta. E pode levá-lo para
casa agora mesmo — disse a moça aliviada, por ter se livrado do cão e da última
lembrança do seu antigo namorado.
Rio Vermelho, 22 de
setembro de 2020.
6 comentários:
final feliz!! muito boa história
Como mãe de um, sei não, a gente se apega tanto. Não me separaria do meu Jake!
Sou um cachorreiro incondicional , mas este negócio pai, mãe, vovô e vovó, além de inviável pela natureza , é um treco antipático . Pita
Parabéns.
Você coloca o leitor no lugar onde a história acontece.
Grande abraço!
Irema Santos Silva
Hahahahhahahahaha dondoca azarada!!!
Prefiro gatos, não precisa levar pra passear, fazem as necessidades em casa mesmo e eles não tem odor, porque eles mesmos se dão banho todo dia, o pior dos gatos é que algumas vezes regurgitam.bolas se pêlo, que comem ao se lamberem pra fazer a sua higiene kkkkkk
Ivana Braga
Cristiano, essa sua capacidade de observar o comportamento humano é fantástica! Parabéns pela narrativa
Carmela Talento
Postar um comentário