quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As coisas simples da vida ou uma manhã de sábado inusitada.

Aproveitei a bonita manhã de sábado e saí com destino à Perine da Vasco da Gama. A semana tinha sido uma daquelas de muitas chuvas e frio que faz baiano usar casaco de pele na Estação da Lapa e ir de bote para o trabalho. Ventou muito também, e o mar cinzento e revolto era um espetáculo à parte bonito de ser ver. Para quem nunca ouviu falar, a Perine é uma espécie de mercado chique onde a burguesia satisfaz a gula por produtos alimentícios importados ou iguarias de primeira qualidade. Encontra-se lá desde o melhor vinho francês ao simples pão feito de trigo de verdade, como não existe em nenhuma outra padaria de Salvador. O motivo de minha ida até esta Meca da gula foi o de comprar tâmaras secas que minha mãe tanto gosta, e como ela é uma octogenária muito querida, faço-lhe com prazer este pequeno mimo.

    Sempre que vou fazer compras na Perine tenho o cuidado de passar antes em sua lanchonete para comer um salgado, observando a orientação de experts em compras que nos aconselham a nunca ir ao mercado de estomago vazio, pois, do contrario, corre-se o sério risco de comprar coisas demais! E quando se trata da Perine, é sempre bom tomar cuidado redobrado! Mal sabe a direção da casa, no entanto, que aquela lanchonete está prejudicando o faturamento da loja! Depois da merenda, fui até a seção de bebidas procurar um bom licor para presentear uma querida amiga de infância que vai me receber em sua casa no Rio por alguns dias. Eu gosto muito de dar presentes, e muitas vezes sem motivo algum. Tem gente que acha estranho recebê-los fora de data comemorativa e veem nisso uma intenção oculta, algum tipo de conspiração! Depois de não encontrar o licor que eu queria, fui às tâmaras secas.

As tâmaras são um alimento completo, rico em vitaminas e proteínas vegetais que é cultivada em países da Ásia e África. Contam que Haile Selassie I, um antigo imperador etíope que viveu até os 83 anos, creditava à dieta de tâmaras com leite de leoa a razão de sua longevidade. E os colonizadores ingleses na Índia, ignoravam as qualidades alimentícias das tâmaras e, por isso, não sabiam que Gandhi enfrentava os seus famosos e longos jejuns contra o domínio do Império Britânico alimentando-se discretamente com duas tâmaras e um pouco de leite de cabra! Ao pedir por tâmaras à funcionaria, ela abriu um grande pote de acrílico onde elas eram acondicionadas e, com uma cara de nojo, disse: 'É só o que temos'. Olhei para dentro do pote e tudo que vi foi uma maçaroca de aspecto duvidoso que lembrava alguma coisa parecida com tâmaras. Fiquei desapontado que o meu motivo de minha ida à Perine parecia ter sido pisoteada por um trator. Fiz uma cara feia também e desisti delas. Para não perder a viagem, dei uma volta pela loja e passei diante de uma outra funcionária de pé ao lado de uma mesa com frios e outros quitutes oferecendo degustações. 'O senhor deseja provar a nova salsicha petisco da S.?' Perguntou educadamente. Aceitei com um largo sorriso, como algum tipo de compensação pelas tâmaras amassadas. Eu sempre me perguntei porque que nessas degustações de salgados eles nunca oferecem uma cerveja para acompanhar, sabe, para o consumidor ter uma ideia de como o produto cai bem com uma bebidinha.... 'Uma cervejinha importada?' Ofereceu a moça. 'E tem?' Perguntei levantando as sobrancelhas. Logo em seguida ela encheu um copo de vidro que me deu. Estava geladinha, era uma cerveja holandesa muito leve e saborosa. Comecei a ficar alegrinho. 'Quer provar um patêsinho?' 'Ô meu Deus...' Eu bem que queria comprar uns croissants, uns petit fours e umas frutas, mas depois daquela comilança não pude pensar em comprar mais nada! Fui embora de mãos vazias. Mas como eu estava decidido mesmo a não chegar em casa sem as tais tâmaras, rumei para a CEASA do Rio Vermelho, onde eu sabia que opções era o que não me faltariam.

    Ao pousar na CEASA, encarei uma multidão de clientes de fim de semana que só tem no sábado a oportunidade para fazer as compras da semana inteira. Era um burburinho de feira em volta das barracas abastecidas de frutas e verduras frescas acabadas de sair das hortas. Fui direto na Natureza, que é uma barraca que tem de tudo e de qualidade. Uma funcionária me ofereceu uma degustação de tomates secos ao que recusei. 'Não obrigado, mas aceito o numero de telefone daquela moça ali, se você tiver.' Disse-lhe admirando uma cliente muito linda que comprazia-se enfiando delicadamente na boquinha de vedete um bago de jaca dura. 'Isso eu não tenho, não senhor.' Respondeu a funcionaria com um sorriso maroto. Um rapaz de avental sorridente aproximou-se para me atender. Ao meu pedido, encheu pela metade um saco com tâmaras que deixavam a famosa Perine no chinelo. Estavam novinhas e soltas, provei uma para confirmar se estavam saborosas como eu imaginava, e realmente estavam uma delicia. Peguei uns sequilhos e figos cristalizado que aprecio muito. Em seguida, me dirigi à fila do caixa que, para o meu espanto, estava longa demais. Não gosto de filas de nenhum tipo, nem para receber ou dar dinheiro, e muito menos para conseguir uma mesa em restaurante. Acho que deveria ser o contrário, eles é que deveriam fazer fila para me servir! Como o mundo não é perfeito, fui resignado para o final da fila, aguardar feito um cordeiro pela minha vez. Mal cheguei carregando os meus embrulhos, um funcionário, um rapaz alto com uma touca no alto da cabeça, aproximou-se de mim gentilmente e pediu para calcular o total de minhas compras. Imaginei que isto era para facilitar o serviço do caixa que estava abafado com uma fila tão grande. Mas ao terminar de somar as coisas ele disse-me o valor e ficou parado ali ao meu lado como que esperando. 'Mais alguma coisa?' Perguntei. 'O dinheiro.' Respondeu. E eu que estava ali, o ultimo da fila e ia poder pagar minhas compras sem precisar esperar até chegar ao caixa! Pensei que havia algum engano, mas era isto mesmo confirmou o rapaz. Dei uma nota de vinte e fui embora sorrindo. Não precisei de muito para começar bem o dia!

    Antes do almoço, fui na casa do vizinho tomar a costumeira cerveja de sábado na companhia de amigos e falar mal do governo. Contei-lhes a minha ida à Perine e à CEASA e eles, invejosos, ralharam: 'Mas como tu mente, Cristiano!'

Rio Vermelho, 1º. de setembro de 2010.

domingo, 25 de julho de 2010

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Valeu!

O caso do carro roubado

Um de meus queridos amigos é um jovem octogenário, um sujeito parrudo de gosto refinado e que possui uma respeitável pança da circunferência de um barril de carvalho, cevada na cerveja em abundancia e quitutes finos e caros. Aos sábados pela manhã, ele abre o seu sobrado para receber, religiosamente, não só a minha visita para a costumeira cervejinha geladíssima como a de um tio, um senhor de mais de 95 anos, o Sr. FF. São momentos agradáveis estes e que eu aguardo com muito prazer. E é admirável de ver como nesta família, chega-se com facilidade aos cem anos com boa saúde e cabeça. Por conta de ter vivido tanto tempo e de amealhar tantas experiências, vez por outra o velho Sr. FF. nos brinda com uma estória interessante. Recentemente ouvi uma delas tomando uma cervejinha gelada e comendo amendoins cozidos, e por acha-la tão curiosa, não resisti a reconta-la aqui.

Nos idos dos anos 80, o Sr. FF. resolveu por bem aposentar seu velho Chevrolet e comprar um carro novinho em folha para o seu uso próprio e de sua amada esposa. O Sr. FF. foi, então, até um parente que era um capitão de uma fabrica de carros e este lhe vendeu um modelo de luxo quase que ao preço de custo. São raros os casos em que pessoas têm a grata satisfação de possuir como parente próximo um chefão da indústria automobilística, ainda mais quando este é tão generoso a ponto de lhes vender um de seus melhores modelos a preço de banana. O Sr. FF. levou, então, o veículo novinho para casa e o guardou em sua garagem no fundo do quintal. Foi um caso de amor à primeira vista, nunca tivera um automóvel tão sofisticado, elegante e macio de dirigir. Ele era visto com frequência pelas redondezas, todo final de tarde, dirigindo-o sorridente como se estivesse passeando com uma moça bonita. Estando muito satisfeito com o seu novo automóvel, certo dia ele o usou para conduzi-lo ate um casamento. Ao chegar ao local, teve o cuidado de estaciona-lo logo abaixo de um poste, imaginado que a luz seria o suficiente para afugentar o seu bem precioso da cobiça de puxadores. Ao sair do automóvel, quase como por um passe de mágica, um desses guardadores de carro surgiu à sua frente soprando o seu apito e informando-lhe que não se preocupasse pois estaria de olho no veículo. Mas que guardador que nada, o Sr. FF. ao voltar da igreja onde se dera o casório, verificou que seu automóvel novinho em folha sumira. Evaporara-se! Não obstante, o guardador de pronto surgiu do nada para receber a remuneração pelo seu serviço. 'Você guardou meu carro onde, seu filho de uma égua? Ele sumiu!' Bradou o Sr. FF. com os dentes cerrados de raiva.

Como geralmente se faz neste tipo de situação, o Sr. FF. se dirigiu a uma delegacia onde prestou queixa do roubo de seu veículo, e não tendo mais nenhum negócio a fazer ali, voltou para a sua casa desalentado, para aguardar pelos acontecimentos. Passou-se um dia, dois, uma semana e nenhuma notícia de seu carro roubado. As semanas de angustiosa espera se tornaram em meses e no primeiro ano de aniversário do desaparecimento do veículo, o Sr. FF. já tinha há muito dado o caso como perdido, ate adquirira outro automóvel com o dinheiro do seguro, desta vez, escolheu um modelo mais modesto e menos chamativo. Vivemos numa sociedade onde quem tem coisas boas corre o risco de perdê-las para os larápios sem que estes jamais saibam o que é o sol nascer quadrado. O Sr. FF. trabalhou duro para comprar o sonhado automóvel de luxo e, embora tenha pago barato por ele, graças à generosidade de um parente, ainda assim aquele propriedade era fruto de seu esforço.

Mas como nesta vida nada é certo e definitivo e muitas vezes somos surpreendidos pelo improvável, cinco anos se passaram até que certo dia o Sr. FF. recebe um sinistro telefonema. 'É o Sr. FF. que está falando?' Perguntou a voz do outro lado da linha. 'O senhor teve um veiculo roubado assim, assim?' A princípio, o velho nem lembrava mais da tal estória, que acontecimentos aborrecidos como aquele é bom apagá-los da memória. 'Tive sim, mas isto foi há muitos anos.' Respondeu o velho assustado com o telefonema. 'Encontramos o seu carro, ele esta aqui na porta da delegacia, pode vir buscá-lo.'

Não é que cinco anos depois do carro ter sido roubado, ele foi encontrado numa cidadezinha próxima? Curioso, o velho lançou-se na empreitada de ir lá buscá-lo, ou melhor, dar fim no que havia restado dele depois de todos aqueles anos. Ao chegar até o local informado onde encontraria o seu carro, numa garagem de propriedade da polícia, qual não foi o seu espanto ao por os olhos no veículo que, apesar de estar todo empoeirado, encontrava-se igualzinho do jeito como o vira da ultima vez! Mas sua surpresa não parava por ai, ao verificar o velocímetro, pouco mais que oitenta quilômetros haviam sido rodados durante todo aquele tempo. Mas tem gente que tem muita sorte, mesmo!

Rio Vermelho, 24 de julho de 2010.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

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O caso do colchão

Que tempos de tanta sofisticação. Há uma variedade de ofertas para um mesmo bem de consumo e que desafia o nosso poder de decisão a cada escolha. E cada escolha se torna quase que um martírio. Não me refiro à grande quantidade de fabricantes e sim às diferentes opções para um mesmo gênero. Assim é com um alimento tão simples como a manteiga, para exemplificar. Quem nunca foi ao mercado e ficou em duvida em escolher entre a manteiga com ou sem sal, light ou diet, orgânica ou não, de leite de vaca, cabra, búfala ou de onça, e por assim vai. Já não basta termos de escolher um entre uma infinidade de fabricantes que nos promete que o seu produto é o melhor e que estamos fazendo a escolha certa ao levá-lo para casa, ainda temos de optar por uma entre as diversas variações deste mesmo produto. É mole?

Esta semana resolvi que já era hora de aposentar de vez o meu velho colchão e trocá-lo por um novinho em folha. Uma tarefa bem simples, imaginei. Eu só teria de ir até a loja aqui do bairro e comprar um colchão do tamanho de meu orçamento. Eu nunca havia antes comprado um colchão para o meu uso próprio e, para minha surpresa, descobri que comprar um colchão pode ser um negócio mais complicado do que eu supunha. Eu não fazia ideia de que havia tantos tipos diferentes e tantos fabricantes, o que eu só descobri à medida que fui me dedicando mais ao assunto e pesquisando em lojas especializadas e na internet. Alguns de vocês podem considerar até que é um exagero de minha parte dar tanta importância para comprar um artigo que só usamos uma vez por dia, mas se consideramos que um colchão ruim pode arruinar o dia seguinte, então vale apena investir em tempo e paciência para encontramos aquele que nos proporcionará o sono dos justos. E foi isto mesmo o que eu fiz.

Minha primeira tentativa foi numa loja aqui do bairro, exclusiva de um notório fabricante de colchões que nos informa que 1/3 de nossa vida é passado sobre eles. O inconveniente dessas lojas de franquia é que os vendedores são treinados para fazer uma venda a qualquer custo e sua primeira tentativa é nos mostrar o que tem de mais caro. Talvez eu tenha me acostumado tanto ao meu colchão de espuma velhinho e macio que terminei rejeitando todos os que experimentei. Duros demais. Lembro-me que, na infância, eu dormia num colchão de palha com forro listrado porque não existiam colchões de espuma ainda, e agente tinha de se contentar com o que havia. A vida parecia ser tão mais simples, então.

Depois de algumas tentativas deitando-me sobre colchões de espuma de diferentes fabricantes e variados graus de maciez, cheguei à conclusão de que ou eu estava muito exigente ou todos os colchões de espuma eram tudo a mesma coisa, não importando quem o fabricasse. Desisti dos colchões de espuma. Como não se fabricam mais os velhos colchões de palha, que hoje em dia seriam, com certeza, considerados ecologicamente corretos, resolvi tentar os colchões de mola, que levam a vantagem de durar mais. E lá fui eu novamente repetir a maratona. Você pode se questionar por que diabos eu não fiz isso antes. É, não fiz. Não me passou pela cabeça comprar um colchão de molas. Os colchões de mola foram a parte divertida desta empreitada.

Há colchões de molas para todos os confortos e bolsos. Desde aqueles que rangem as molas cada vez que nos movimentamos na cama até os que são o Rolls Royse dos colchões, que só faltam falar e andar e que chegam fácil ao preço de um carro zero quilometro. Testei todos. Alguns eram tão duros quanto os colchões de espuma - como podem alguém dormir naquilo – e outros que sacolejam tanto que parecem um caminhão velho correndo em estrada esburacada. Num deles deitei e pedi para o vendedor "cair" ao meu lado e isto me fez quase ser cuspido fora da cama, provocado pela brusca reação das molas! Deitei, virei de lado, fechei os olhos, pulei em cima. Terminei escolhendo um que era satisfatório embora balançasse as molas um pouco demais da conta. Uma dica. Se você estiver planejando comprar um colchão, não o compre pela internet - que é sempre mais barato - sem antes encontra-lo em alguma loja onde você possa experimentá-lo antes. Algumas fotos de internet são tão duvidosas como um político honesto e dão a impressão de que você está fazendo um ótimo negócio, quando, na verdade, você está entrando numa tremenda fria. Bem, escolhi finalmente o colchão e prometi à vendedora voltar em dois dias. Isto mesmo, eu precisava de mais um tempinho para digerir a ideia. No caminho de volta para casa, passei casualmente numa loja de eletrodomésticos para procurar um destes fornos elétricos que são tão práticos e gastam tanta energia. Vi num canto da loja alguns colchões e fui lá conferir, já que estava ali mesmo. O primeiro colchão que sentei era um cujas molas eram firmes e não rangiam e mal se percebia que haviam molas lá dentro. Sua espuma era macia e confortável. Deitei e gostei. Fechei negocio na hora. Estes dias tem sido difícil sair da cama!

Rio Vermelho, 6 de julho de 2010

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dias com cara de inverno europeu.

Os dias andam com aquela cara de inverno europeu aqui no Rio Vermelho. A temperatura é gostosa como em ar de Shopping Center e o dia é cinzento, mas quase não chove. E quando chove é aquele caos de sempre, água por todos os lados e congestionamentos que nunca terminam. A chuva é uma aporrinhação em cidade grande, mas uma benção no campo.

Tinha uns dez anos quando fui passar as férias numa fazenda no cafundó do Judas, lá no interior do Ceará. Meus pais não tinham dinheiro para irmos passear na Disney, e o melhor que podiam oferecer era uma estadia em plena seca do sertão nordestino! O lugar, apesar de bonito, pitoresco e cheio de bichos de fazenda, não chovia há meses, para aflição do fazendeiro amigo e compadre do papai. Só no que se falava todos os dias era na bendita falta de chuva, e até eu comecei a ficar preocupado com aquilo. O único açude da fazenda tinha uma água verde lodosa quase já mostrando o fundo do poço. Era uma situação de romance a la Graciliano, só faltava a cachorra Baleia. Tinha dias que assistíamos, com a mão no coração, a chuva se aproximando no horizonte, vindo forte com toda força e parando na fazenda vizinha! Parecia coisa de maldição. Finalmente um dia ela atravessou a cerca do vizinho e fez agente fazer a festa. Nunca vi tanta alegria por causa de uma chuva. Nunca vi tanta fartura de água e pingos tão grossos. Todo mundo foi para lado de fora tomar banho de chuva. Os empregados, os filhos dos empregados, os anfitriões, meus pais, e, é claro, até eu mesmo. O chão batido em frente à sede da fazenda logo virou lama e ninguém se importava em se sujar. Pulávamos e gritávamos de alegria com os braços estendidos para o céu e com o rosto virado para cima levando água na cara. Foi um dia para se lembrar por toda a vida.

    Nós tínhamos uma empregada que morava aqui em casa e que tinha o mesmo nome de minha mãe, Alice. De modo todos aqui em casa a chamávamos de dona Alice. Ela namorava um camarada que quase todo dia ligava aqui em casa procurando por ela. E quando acontecia de meu pai atender ao telefone e o homem do outro lado da linha perguntava por dona Alice, meu pai lhe perguntava, 'você quer falar com a minha ou com a sua?' Pois bem, a dona Alice era uma daquelas pessoas intuitivas que olhava para o céu e dizia se ia chover ou não. Eu não saía para a rua sem um guarda chuva sem antes consulta-la sobre o tempo. Ela dava uma chegada até o quintal olhava para o céu e dava seu prognóstico. Nunca errou. Tinha dias de sol que ela ia até o quintal e recolhia toda a roupa do varal dizendo que ia chover. Minutos depois, caía um pé d'água!

    Personagens que possuem a habilidade de fazer, sem nenhum conhecimento cientifico, a previsão do tempo não são raros. Alguns sabem se vai chover ou não apenas apalpando as costelas. Outros sentem um frio na ponta do nariz em dia de chuva. Seu Brasilianino, um caboco da roça, tinha lá os seus dotes também. Ao questioná-lo se iria chover, ele olhava pensativo para o céu e depois com olhar grave respondia, 'seu Cristiano, ou chove ou não chove'!

Rio Vermelho, 15 de junho de 2010.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

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O caso do sofá italiano.

João dos Prazeres foi maquinista da Leste Brasileiro até se aposentar. Se dependesse dele, passaria o resto da vida dentro de uma locomotiva, puxando vagões de carga e passageiros mundo afora. Como ele amava ser maquinista, sentia-se um homem livre sobre os trilhos quebrando fronteiras. Desde meninote quis ser maquinista, então você pode imaginar como ele se sentia um homem realizado.

Quando a aposentadoria veio finalmente, ele não achou que isso fosse o fim do mundo, ao contrário, resolveu que também já era hora de aprender a gostar de fazer outras coisas, teria novas experiências, ainda que longe dos trilhos. Em seu primeiro dia gozando da sua nova vida, foi até a Conceição da Praia, no Comercio, e comprou uma vara de bambu novinha, alguns anzóis, linha e um molinete. Sempre quis pescar. Ali do lado da igreja de Santana, aqui no Rio Vermelho, sempre via uma turma de homens nas pedras jogando os anzóis. Não sabia manejar uma vara, mas imaginou que deveria ser mais simples que conduzir um trem. Juntou-se ao grupo. Foi bem recebido.

João morava com a esposa Maria Rita numa bela casinha em São Gonçalo. Para quem não sabe, São Gonçalo é aquela parte do Rio Vermelho que fica acima, subindo a ladeira ao lado do Colégio Medalha Milagrosa. Um lugar cheio de casinhas que lembra uma cidade do interior. Ele se orgulhava de ter de tudo em sua casa. 'Comprei tudo lá em casa pagando fiado. Adoro comprar fiado! Olhe, eu gosto é de comprar fiado.' Dizia com um largo sorriso de satisfação. João era um cara bem-apessoado e grande prosador. Seduzia as pessoas com o seu sorriso fácil e talvez fosse esse seu jeito amigável que fazia com que os comerciantes confiassem nele para fazer negócios.

'Minha ultima aquisição foi antes de eu me aposentar; comprei um sofá italiano na mão do judeu.' Disse satisfeito. 'Como é macio aquele sofá, dá vontade de sentar e não se levantar mais. Minha mulher é que fica implicando. Toda vez que me vê sentado no sofá grita da cozinha: 'Sai daí, João. Este é o sofá das visitas.' Temos outro sofá mais velho, mas é duro e desconfortável.' Deu uma risada gostosa e balançou a cabeça. 'Mas não tem jeito, todo dia eu sento lá um pouquinho. Eu chego da rua cansado, sabe, tomo aquele banho. Passo um talquinho, uma colônia, visto uma roupa limpinha e vou direto sentar no sofá novo. Não tem coisa mais gostosa do quer sentar naquele sofá pra descansar as pernas. Eu não sei do que aquele diacho é feito, mas que é macio e confortável, isso lá ele é. Minha velha quer que aquele sofá seja só pras visitas, veja se isso tem cabimento. Visita tem de sentar é em cadeira dura, pra não demorar muito na visita! Um sofá bom daqueles deixar só pras visitas, é um desproposito. Olha, eu vou ter uma conversa com minha velha, isso não está certo. Agente é que tem de gozar do sofá. Ela tem de compreender que agente merece esse prazer.'

Um dia João veio da pescaria. O sambaqui vazio. Os peixes pareciam que não gostavam de iniciantes. Puro preconceito. Ele foi lá nos fundos guardar suas coisas. Depois foi tomar seu banho, vestiu roupa limpa e foi para o dito sofá. A velha não gostou de vê-lo lá sentado, já estava perdendo a paciência com aquela insistência. João parecia criança, tinha de falar a mesma coisa todo santo dia. 'João, o que foi que eu disse? Deixa este sofá pras visitas, meu velho.' Falou docemente. Maria Rita nunca foi de levantar a voz.

Mas daquela vez o João achou que já era hora de ter aquela conversinha. Iria falar com jeito, explicar tudo direitinho, e no final ela lhe daria a razão. 'Vem cá minha velha, vamos conversar um pouquinho.' Maria Rita foi até a sala. 'Qui'é João, não tá vendo que ainda tô preparando o almoço? Fale logo, meu velho.' João continuava sentado no sofá e falou-lhe baixinho e dengoso puxando-lhe pela mão para que sentasse. 'Venha cá, sente aqui comigo. Sinta como este sofá é macio.' Maria Rita sentou-se ao seu lado desconfiada. 'Eu sei que é macio, João, por isso mesmo fica pras visitas. Eu quero que as pessoas saiam daqui com boa impressão de nossa casinha.' João colocou o forte braço ao seu redor apertando-a, como nos tempos que fazia quando namoravam na casa dos pais dela. O pai ficava na outra sala fingindo que lia o jornal e tossia vez por outra para lembrá-los que ele estava ali de olho. Ele foi alisando as costas dela. Deu-lhe um beijo no pescoço. 'Deixe disso João, eu tenho o que fazer.' João enfiou a mão entre as coxas dela e apertou-lhe a buceta. 'Uai, pare com isso João. Deixe de ósadia.' João nem dava ouvidos, parecia que o demônio tinha tomado conta dele. Foi apalpando Maria Rita e sufocando-lhe de beijos e ela, sob protestos, foi dando-se por vencida. João deitou-a no sofá italiano e comeu-la. Ele tava retado mesmo naquele dia, deu duas; uma seguida da outra. Maria Rita ficou tonta, quase não acertou o caminha de volta para a cozinha.

João chegou da rua de sua pescaria mais cedo que de costume, no dia seguinte. Cumpriu o seu ritual. Banho, roupa limpa e sofá. Maria Rita desta vez não implicou. Lembrou-se do dia anterior e calou. 'Maria Rita, chegue aqui.' Maria Rita foi. João mostrou-lhe como eles poderiam aproveitar melhor aquele sofá italiano mais do que as vistas. Mostrou a ela a outras utilidades do braço do sofá. 'Assim não, meu velho, isso ai é pecado, ui, ui! Misericórdia, mas que homem safado!' Deu uma gargalhada.

No dia seguinte, quando veio da rua, João notou uma colcha de pano bonita cobrindo o sofá. 'Minha velha, deixa o meu prato no forno que eu vou ali na pracinha jogar uma partida de dominó que os meninos estão me esperando.' Saiu depois do banho. Maria Rita ficou intrigada. No dia seguinte, João também não foi no sofá. Desta vez foi concertar a torneira do tanque que Maria Rita se queixava fazia duas semanas. Almoçou e foi se deitar. 'Será que meu velho desistiu do sofá?' Matutou Maria Rita.

No outro dia, João veio da rua com sua vara e anzóis e foi tomar seu banho. Talquinho, roupa limpa. Ao sair do quarto, Maria Rita estava sentada no sofá italiano esperando por ele. 'Meu velho, chegue aqui.' Disse com um olhar languido.

Rio Vermelho, 1º. de junho de 2010.