segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mas como é ridículo o amor... alheio!

“Como é ridículo o amor... alheio!” versificou Quintana numa espirituosa poesia ao amor. Assim como o amor é cego, não raro, também, falta-lhe o devido juízo que nos poupe de fazer papel de tolos. Realmente, quando estamos apaixonados, somos capazes de proezas que desafiam a nossa autocritica e senso de ridículo. Mas, ainda assim, pouco importa se fazemos papel de tolo ou não, o que importa é que temos para quem faze-lo.

Nem bem a internet veio ao mundo e ela logo se tornou numa daquelas novidades que todos querem experimentar, eu mesmo embarquei logo nela. E como muita pouca gente sabia para que servia e as ofertas de entretenimento, também, ainda eram escassas, o povo, então, descobriu nas salas-de-bate-papo o modo de se divertir fazendo novos e virtuais amigos mundo afora. Pois, foi nesta época que JR, um pequeno empresário de Maceió, adquiriu o seu primeiro computador, para conectar-se logo à rede e descobrir aquela incomum forma de fazer amizades com o nariz colado na telinha, pelas madrugadas a fora. Foi numa dessas sessões noturnas que ele conheceu a “Gatinha_da_serra”, codinome para LRJ, uma agente de viagens numa pequena agencia de passagens em Petrópolis. Ele próprio tinha o seu apelido que era Gato_escaldado_baiano, apesar de ele viver um pouco mais ao norte, que codinomes agente inventa do jeito que quiser, não é lavrado em cartório e nem precisa ser batizado.

Não era que quase toda noite, lá estava ele, o Gato_escaldado_baiano, teclando animadamente nas salas-de-bate-papo e, quando a Gatinha_da_serra aparecia e vinha conversar com ele, era como se o mundo ganhasse novas cores bonitas. Era um sentimento de alegria juvenil que ele não sabia expressar, ficar assim tão feliz feito um colegial por uma mulher que ele sabia só existir em forma de letrinhas na tela de seu computador. E, como era de se esperar, tais encontros virtuais tornaram-se obrigatórios e não havia um dia que eles não conversassem noite adentro pela boca da madrugada. Feito menino, JR ficava ansioso ao longo do dia esperando a hora do relógio bater meia-noite para ligar o seu computador para encontrar a Gatinha_da_serra na sala-de-bate-papo, sentimento igualmente compartilhado por ela em igual grandeza. Assunto, era o que parecia que não lhes faltava e quando não havia um, se inventava. É bom lembrar que naquele tempo só existia a conexão discada, que ocupava a linha telefônica enquanto se estava conectado na internet e só depois da meia noite é que era quase de graça, uma inconveniência danada. E foi assim que começou uma estória de amor entre um homem e uma mulher, dois desconhecidos, que navegavam pela internet perdidos na noite. O amor tem dessas coisas que eu considero sobrenatural, como podem pessoas que nem nunca se viram cair de paixão uma pela outra?

A vontade de se conhecerem pessoalmente foi um sonho que se tornou realidade. A força do o amor é capaz de tudo, inclusive colocar um homem para viajar 36 horas de ônibus até o Rio, que JR se pelava de medo de entrar em avião. Pois foi isso que o nosso herói fez, mas como eles se reconheceriam sem nunca terem se visto antes? Para tanto, LRJ teve uma luminosa ideia, embora não muito ortodoxa, que ela era uma mulher muito romântica e brincalhona, por isso, queria que este primeiro encontro fosse o mais romântico que alguém pudesse ter e fora do comum. Embora relutante, JR aquiesceu ao pequeno capricho da amada, como testemunharão adiante.

Nosso rapaz se enfiou num ônibus e rumou na jornada ao encontro da amada pela estrada afora, contando cada minuto que se passava até chegar ao seu destino que parecia estar do outro lado do mundo, enquanto assistia, pouco interessado, a paisagem se revelar através da janela ao seu lado. Ela, por sua vez, nos dias que antecederam à sua chegada, não falava em outra coisa com as amigas e na loja de passagens onde trabalhava, até os clientes já estavam casados de ouvir a estória de como se conheceram pela internet e que ele estava a caminho para encontra-la finalmente. E só demorou um dia e meio para que ele chegasse na rodoviária do Rio e embarcasse em outro ônibus para Petrópolis na sequencia. Chovia muito naquela tarde, uma neblina espessa cobria as serras no caminho para a Cidade Imperial como um imenso manto de vapor frio transformando o dia numa noite fora de hora. O ônibus serpenteava a estrada abrindo caminho com os seus potentes faróis. JR não via mais a hora de chegar.

Ao desembarcar em Petrópolis, chovia aos cântaros, mas isto não intimidou JR que foi parar direto na agência de passagens onde LRJ ainda trabalhava àquela hora do final do dia e como era de se imaginar ele chegou lá feito um gato molhado carregando sua bagagem. Ao entrar na loja, ninguém prestou muita atenção nele que ficou lá parado de costas para a porta esperando ser recebido. E como ninguém lhe deu atenção, ele então soltou um tímido miado. Isto mesmo, um miau pouco convincente... mas nada aconteceu como esperado! Ainda assim, ninguém lhe prestou atenção, por isso miou novamente e um pouco mais alto soando como uma pergunta, miau? Foi então que algumas pessoas se voltaram para a porta de entrada e notaram aquela figura de um homem de meia idade, forte e alto, com roupas encharcadas da chuva, parado lá de pé carregando uma sacola pesada e miando! Ah, o namorado virtual chegou, pensaram, mas porque ele estaria miando? Neste instante, LJR viu seu homem pela primeira vez e finalmente percebeu como era ridícula aquela cena daquele homenzarrão ali de pé diante de todos miando feito um palerma. Ela mesmo quis se esconder de vergonha pois jamais imaginara que ele fosse pagar aquele mico ainda que fosse sua ideia. E como ela ficara muda, JR, então, largou a sacola no chão, encheu os pulmões e, em seguida, soltou um vigoroso e alto miauuuu! Estou aqui oras, cadê você, minha gata. E, detrás de uma tela de computador, de onde se escondia LJR, ouviu-se um tímido e agudo miau, ao que foi correspondido com outro miau de JR, miau! LJR soltou outro miau, desta vez mais animada ao que JR miou de novo feliz. Miiiau! Ambos caminharam até o meio da sala, um estudando a fisionomia do outro e gostando do que viam e ao parem um diante do outro, se abraçaram amorosamente sob os aplausos da plateia encantada!

Rua Paissandu, 24 de março de 2011.

domingo, 17 de abril de 2011

O bom senso pode estar à sua frente.

O presente texto passou pelo tempo de gaveta. Explico: depois de escrito, é de boa prática literária deixar o texto passar por um breve período de maturação numa gaveta, assim como se faz com o vinho, envelhecido no barril de carvalho. Depois, é retirá-lo e revisá-lo, dando a sua forma final, tendo as ideias do autor curtidas e amadurecidas. Este é um bom método para quem escreve e, se você aí me lendo, costuma escrever e tiver uma gaveta velha em casa, sugiro fazer a experiência!

Eu contava que tinha voltado à Cidade Maravilhosa. No mesmo dia em que aportei no Rio, fui almoçar na rotisseria árabe do Largo do Machado, que minha doce amiga Daniela, uma paulista de berço e carioca por vocação, também é uma habitué. Eu já falei antes das qualidades gastronômicas do lugar em outra crônica, por isso mesmo, me eximirei de repeti-las, apesar de que o lugar merece mesmo. Eu não sentia tanta fome assim, pois eu tivera um farto e rico café da manhã de batas fritas, amendoins, biscoitos e suco de laranja em caixa durante o vôo para o Rio, mas, por hábito, fui fazer minha refeição do meio dia, para não precisar fazê-la mais tarde.

Este é um daqueles lugares de se comer de pé encostado no balcão de vidro, aquecendo a barriga no calor que emana dos quitutes mornos expostos do lado de dentro ou em estreitas mesas de pernas altas desprovidas de cadeiras, inventadas tão somente para o propósito de o cidadão não esquentar assento. É pedir, comer e ir embora. Eu gosto de comer no balcão porque é uma feliz oportunidade para incitar conversa com a pessoa ao lado, porque me dá prazer em conversar com estranhos que, não são mais tão estranhos assim depois de alguns minutos de conversa fiada. Eu faço assim no Rio porque o carioca é um tipo de pessoa aberta a tais intromissões. Alguns de vocês aí me lendo me conheceram nestas circunstancias e sabem do que estou falando. E se eu não fizer assim, de onde mais vou tirar material para minha lavra? Certa vez, para a minha surpresa, uma bela moça me confidenciou, entre uma mordida e outra num quibe, que estava de jejum de sexo há mais de um ano, o que me fez supor que ela pretendia terminar ali aquela sofrida dieta. No entanto, naquele dia ensolarado, resolvi fazer diferente, e fui comer sentado.

Existe, nos fundos do lugar, um conjunto de 12 pequenas mesas com cadeiras dispostas em três fileiras onde poucas pessoas se dão ao trabalho de sentar e fazer o pedido, e foi para lá que eu fui. Acomodei-me na ultima mesa, numa cadeira que me dava uma ampla visão do salão que, àquela hora do dia, já fervilhava de comensais que se entupiam de quibes, esfirras, caftas e outras delicias. É comum pessoas estranhas compartilharem a mesma mesa neste tipo de restaurante, o que atesta a forma cosmopolita de ser do carioca. À minha frente havia uma mesa ocupada por duas moças sentadas uma de frente para outra e, pela completa ausência de comunicação entre ambas, deduzi que elas não se conheciam e nem estavam afim de papo. Vestiam roupas elegantes e sóbrias de escritório e tinham o olhar distante e perdido. Mas não deixei de perceber que a moça que estava sentada de costas para mim, pagou a conta e foi-se embora rapidamente, deixando em seu lugar uma cafta em perfeitas condições e mais de meia porção de arroz com lentinhas com rodelas de cebolas douradas por cima e que ainda exalavam fumaça e um adocicado perfume. Achei aquilo um desperdício, uma falta de consciência. Onde já se viu jogar comida fora quando existe tanta gente no mundo passando fome? Me incomodou ver aquele monte de boa comida largada ali para acabar no lixo, ou, na melhor das hipóteses, ser reciclada para ir parar no prato de outro freguês desavisado. Eu não conseguia aceitar aquilo e me veio logo a ideia ir até aquela mesa e confiscar as sobras! No entanto, o pudor me reprimia de agir. Fui dominado pela vergonha de tomar uma atitude aparentemente insólita, mas que eu a considerava ser a mais sensata. O caro leitor deve estar me reprovando por esta insensatez, pois, onde já se viu uma pessoa de recursos e em perfeito estado de juízo se apoderar da sobra alheia num restaurante? Para mim, no entanto, aquilo era uma questão de justiça, ou uma atitude ecologicamente correta, para aqueles que veem ecologia em tudo. Fiquei ruminando aquela vontade e me controlando para eu não ter um comportamento que por certo seria condenável aos olhos dos outros fregueses do árabe. Será que a minha atitude seria tão ruim assim? Eu poderia justificar a todos que eu tinha um peixe dourado em meu aquário que este era louco por comida árabe, especialmente de caftas com arroz com lentilhas e que tudo iria para ele. Isto, sim, me parecia ser uma explicação razoável. Mas para meu desapontamento, enquanto eu me perdia naquelas hesitações, o garçom veio e pelo que eu presumi ter sido um pedido da moça que ficara, pois não tenho ouvidos de tuberculoso para ouvir o que lhe dizia, o garçom recolheu toda a sobra que a outra moça desnaturada largara para trás. Tudo iria parar no lixo, lamentei. Voltei-me, desconsolado, para o meu prato e comecei a comer o meu pedido que o meu garçom acabara de por à minha frente, duas esfirras, uma de ricota com espinafre e outra de carne, acompanhadas de um espesso suco de manga. Nem se passaram cinco minutos e eis que o garçom que atendia a mesa da frente voltou diligentemente trazendo consigo uma quentinha que entregou à moça que ficara e que provavelmente continha as sobras de comida da outra que fora se embora e que eu tanto hesitara em me apoderar! Estava claro que minha ideia não era um absurdo tanto assim, foi apenas a minha educação pequena burguesa que falara mais forte pois, alguém tomara a minha dianteira e agira sem nenhum constrangimento.

Rua Paissandu, 21 de março de 2011.

sábado, 9 de abril de 2011

Sobre a verdade e a mentira ou de como consegui espantar a preguiça.

É verdade que andei meio sumido. Foi por conta de uma preguiça renitente, feito uma gripe mal curada, e de um notebook novinho em folha que teimava em não trabalhar. Está claro que eu e a geringonça compartilhamos de algo em comum, mas as semelhanças terminam por aí. O notebook foi e voltou para a UTI e continuará por lá até que eu volte de viagem, e a preguiça, esta não desencarna nem com creolina, mas devo fazer-lhe justiça, pois sem o ócio não haveria a criatividade. Neste meio tempo, voltei ao Rio que tanto amo e, ainda no aeroporto de Salvador, fui lembrado de que estava na “Terra da Felicidade” ao ir ao banheiro do aeroporto internacional e constatar que o do terminal rodoviário é bem mais limpo. Seja lá quem esteja fazendo uso da formidável grana de manutenção e administração do aeroporto, espero que esteja aproveitando bastante porque, certamente, na sua limpeza é que não está.
O meu vôo estava programado para partir às 4:15 da matina, por precaução, cheguei duas horas antes. Eu prefiro viajar a esta hora porque o espaço aéreo ainda não está congestionado, pois, se há uma coisa que me causa aflição, é um engarrafamento lá em cima. Fui diretamente ao balcão da companhia aérea deixar minha bagagem, sendo atendido por uma sorridente e bem humorada funcionária que, ao marcar o meu assento, sugeri-lhe que me acomodasse ao lado de uma moça bonita e bem comportada. Terminada a formalidade, dirigi-me à loja de livros e revistas para pegar uma leitura que me ajudasse a passar o tempo e, qual não foi a minha surpresa ao dar de cara com a loja fechada. É uma satisfação saber que os negócios vão indo tão bem que o dono da loja se dá ao luxo de não abrir o seu comércio de madrugada, deixando a sua clientela a ver navios – ou aviões, se preferir. Provavelmente este cidadão nunca esteve no aeroporto de madrugada e, por isso, desconhece que o lugar funciona também neste horário, com voos que chegam e se vão a toda hora.
Aborrecido, eu aguardava sentado pela hora do meu vôo próximo ao portão de embarque, quando fui surpreendido pela chegada de uma moça que chamava a atenção pelos seus predicados físicos, e que não eram poucos. Ela era uma dessas morenas altas e voluptuosas que provocam em nós homens fantasias inconfessáveis. O corpo era aquela perfeição escultural bonita de se olhar e que enchem os olhos e dá água na boca, moldado por algum cirurgião plástico, exímio na arte do silicone e do botox. Seus peitos eram duas delícias duras que apontavam para o céu louvando o Criador e pareciam querer se libertar do sutiã minúsculo pulando para fora. Fixei meu olhar no seu belo rosto de pele limpa e fresca e fiquei consternado quando este assumiu, subitamente, uma expressão de preocupação e dúvida ao olhar em volta procurando por um assento, o que, felizmente, havia em demasia. Terminou sentando-se logo à minha frente, para minha satisfação. Em seguida, enfiou a mão numa dessas bolsas que as mulheres carregam hoje em dia e que de tão enormes parecem caber um corpo inteiro dentro e, de lá, tirou um livro de capa verde e entregou-se à leitura esquecendo-se de nós mortais à sua volta. Notei que outros homens tinham o mesmo olhar de peixe morto sobre ela. Invejei-a pela precaução de trazer de casa a própria leitura. Fiquei imaginando qual seria o seu gosto literário, talvez aquele fosse um livro de auto-ajuda ou algum romance psicografado. Ou quem sabe a biografia de alguma celebridade do show business ou um livro de romance vampiresco, tão populares hoje em dia. Poderia ser, também, um manual de como se comportar em vôos econômicos que partem de madrugada. Definitivamente aquele não seria um livro de culinária pois, para mim, estava claro que o seu interesse não parecia estar nas panelas. E, naquele jogo de adivinhações, ocupei meu tempo naquela noite modorrenta cujo silencio do saguão do aeroporto era quebrado com os ocasionais avisos de chegadas e partidas de vôos para terras longínquas, por uma voz feminina grave e imperturbável.
Quando, finalmente, veio a hora do meu voo, corri para o início da fila mesmo tendo meu lugar guardado, que eu não sou afeito a filas de qualquer tipo, embora eu reconheça que elas sejam ótimas situações para conhecer pessoas, jogar conversa fora e falar mal do governo. Quando, finalmente, entrei na aeronave me sentei confortavelmente em meu acento e logo apertei os cintos, para o caso de o comandante decidisse zarpar imediatamente. Para minha grata surpresa, no entanto, aquela criatura esplêndida e feminina da sala de espera apareceu no corredor da nave e veio em minha direção assumindo o assento logo ao meu lado. Fiquei grato à companhia aérea por esta cortesia. Sorri para ela e ela sorriu de volta, sem termos muito o que dizer um ao outro, mas um sorriso sempre já é um bom começo. Mas é claro que não demorou muito para começarmos uma conversinha despretensiosa sobre coisa alguma e em pouco tempo eu ainda não sabia a sua graça, mas já tinha notícia de que ela fora passar o carnaval em Salvador e se acabara de pular e beijar bocas e já planejava voltar no ano que vem, residia em São Paulo e que era uma dançarina numa casa noturna cuja principal clientela era masculina, o que não me deixou dúvida sobre que tipo exatamente de dança ela fazia. Logo me veio à mente a imagem de sua deliciosa figura em cima do palco, metida em um minúsculo biquíni de tecido brilhante e ordinário fazendo contorcionismos e voltas mirabolantes de corar as cadeiras da boate, com aquele corpo de tirar o fôlego da plateia e levantar defunto, sob os aplausos e assovios de um monte de marmanjos no cio. Como não poderia deixar de ser, perguntei-lhe se lhe agradava a leitura, ao que ela respondeu que amava, que não podia passar sem um livro, lia sempre que podia até mesmo de pé no trem do metrô. Mais uma vez a minha imaginação foi povoada por imagens de seu esplendido corpo se rebolando no palco e, ao mesmo tempo, entretida na leitura de um livrinho. E o que a senhorita anda lendo ultimamente, queria saber se eu adivinhara o seu tipo de leitura lá no meu joguinho na espera. Estou lendo Nietzsche, um ensaio “Sobre a Verdade e a Mentira”. O disse com tanta espontaneidade e propriedade que me causou a impressão de que ela imaginasse estar conversando com algum estudioso do filósofo. Eram os óculos Armani, eles me fazem parecer um doutor em alguma coisa, certa vez justificou-se uma moça ao me rejeitar, sério e intelectual demais. Por um instante duvidei das palavras da dançarina, me veio aquele julgamento preconceituoso “mas uma striper lendo Nietzsche? Não creio.”, mas logo em seguida recobrei o meu bom senso.
A dançarina de boate masculina sentadinha ao meu lado me faz ter por ela o mesmo julgamento equivocado a que já fui submetido certa vez. Desde quando a uma striper é vetada leituras sofisticadas? E quem foi que disse que os intelectuais são pessoas sisudas e geralmente com problemas oculares? Infelizmente vivemos num mundo de estereótipos e clichês como numa imensa novela do horário nobre e, por mais que eu tente, nunca consigo mudar de canal. O importante neste episódio é que tomei coragem, espantei a preguiça e dias depois voltei a escrever, mas sem a pretensão de ter a sabedoria de Nietzsche, certamente.

Rua Paissandu, 18 de março de 2011.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Crônica de um pé de laranja lima

No terreno do fundo da casa dos Pereiras, como aliás em quase todas as pequenas propriedades daquela região, existe plantado um desajeitado pé de laranja lima cuja existência é tão antiga quanto alguém pode se lembrar. Quando os atuais ocupantes lá se estabeleceram há muitos anos, o pé de fruta já habitava o terreno como morador mais antigo e por uso capião. Quando a casa foi erguida, os novos moradores acharam simpático a ideia de tomar suco de laranja todas as manhãs no café, bastando para tanto apenas colher a fruta no próprio quintal, razão pela qual o pé foi mantido onde estava e a casa construída um pouco mais para frente do terreno. No entanto, como mais tarde todos descobriram, a árvore jamais deu coisa alguma além de sombra, para o desapontamento dos Pereiras e, por isso, ela caiu no completo esquecimento de todos. A única pessoa da família a perceber algo de especial naquela árvore estéril e desengonçada foi uma pequena menina de oito anos, a filha caçula do casal.
A casa dos Pereiras ficava num bonito vale descampado à beira de um riozinho onde famílias de camponeses cultivavam o suficiente para a sua sobrevivência e mais algum extra que era vendido na feira livre, como forma de reforçar o orçamento doméstico. Assim, visto de longe, o vale lembrava uma colcha de retalhos de variados tons de verde onde as plantações cresciam alimentadas pelo rio que corria discretamente mais adiante abrindo os campos sem pedir licença para chegar até ninguém sabe onde. Alguns poucos bois e vacas pastavam no capim à beira do rio que servia também de via para quem fosse de barco rio acima ou rio abaixo, sem pressa alguma, igual ao curso da vida naquele tranquilo e remoto vale. A vida seguia harmoniosa o seu curso naquele pequeno paraíso.
Sofia, a caçula, se afeiçoara àquela árvore desde pequena, de forma incompreensível aos olhos dos adultos. Mesmo antes de ela já poder andar com firmeza com suas perninhas tortas de principiante no ato de caminhar, ela já ensaiava subir em seus galhos quando era levada a brincar no quintal. Para satisfazê-la, a mãe a erguia até o galho mais ao seu alcance e a colocava lá sentadinha sem, no entanto, se desgrudar dela para que não caísse. E foi assim que a menina pegou intimidade com o pé de laranja lima e fez dele o seu amigo mais fraterno. Sofia subia na árvore com tanta destreza e no galho mais alto fazia um ninho amigo onde lá de cima observava o vale que se estendia placidamente lá em baixo, conversava com a planta, fazia brincadeiras infantis e lia livros de estórias infantis em voz alta para que o amigo compartilhasse daquela maravilha. Era brincando na árvore que ela passava os seus melhores momentos de criança quando estava em casa e estas seriam as suas melhores lembranças de sua infância.
No dia que os pais anunciaram sua intenção de por a infrutífera árvore abaixo, para em seu lugar plantar uma horta, a menina reagiu feito uma loba protegendo a cria, gritou e chorou para que não o fizessem, que o pé de laranja lima era seu melhor amigo. E não houve argumentação que a demovesse de sua insistência em manter a árvore. Os pais, surpresos com a reação tão protetora da menina, tiveram compaixão e resolveram adiar a ideia da horta por mais algum tempo. Crianças são assim, quando encasquetam com uma coisa é impossível tirar-lhes da cabeça. E, afinal, que mal tinha em ela gostar de uma árvore e de tê-la como uma amiga, até porque as árvores são realmente nossas amigas, até mesmo aquelas que não dão frutos quando se esperaria justamente o contrario.
O dia começara cinzento quando certo dia Sofia empoleirou-se em seu ninho no pé de laranja lima e não notou que pesadas nuvens se formaram vindo em direção ao vale e começaram a se precipitar em diminutas gotas de água. A menina estava tão entretida lendo um livro que não percebeu quando começou a chover de verdade. Tudo aconteceu muito rápido, a água simplesmente começou a jorrar do espaço em abundancia e Sofia resolveu então ficar onde estava até a tempestade passar, uma vez que as folhas da árvore impediam que ela se molhasse e, mesmo que quisesse ir correndo para dentro de casa, não poderia, pois, o caminho tinha se transformado num lamaceiro espesso e escorregadio. A água não parava de cair fazendo um estardalhaço e tornando o ar pesado e úmido e transformando o dia em breu. Lá embaixo no vale, o rio de águas serenas mostrou sua fúria até então desconhecida inundando tudo e arrastando o que encontrava pela frente. O vale foi se transformando num enorme lago à media que as águas subiam e não demorou muito até que ela chegasse até a porta da casa dos Pereiras e a invadisse, atormentando e expulsando os seus moradores. Os pais de Sofia correram para o quintal em meio ao aguaceiro e com a água batendo-lhes na altura dos joelhos gritando desesperados pela menina. Mas ela poupou-lhes de mais aflição gritando do alto do pé de laranja lima “subam aqui”. E como não havia mesmo outra alternativa, uma vez que a água engolia tudo diante de seus olhos impotentes, treparam os pais no pé de árvore e lá se refugiaram nos galhos mais altos e fortes. Lá em baixo, tudo fora tomado por uma água pesada e barrenta. A árvore que não resistiria a golpes de machado, enfrentou a inundação com firmeza graças à suas raízes que eram profundamente agarradas na alma da terra e o seu tronco era forte e viçoso, embora uma única fruta jamais brotara de suas flores. Não demorou muito até a água cobrir tudo levando rio abaixo o sonho daquele vale. Uma vaca passou arrastada pela correnteza das águas seguida de um automóvel e depois de um sofá. A paisagem se transformara num verdadeiro espetáculo trágico e belo, a natureza impondo-se à petulância do homem, o mundo parecia que iria se acabar. Mas os Pereiras estavam livres de serem levados pela enxurrada, protegidos pelo pé de laranja lima que lhes deu abrigo e conforto como se fossem eles de sua própria família. O medo uniu pai, mãe e filha que se abraçaram se protegendo mutuamente e ficaram assim até finalmente a chuva terminar de fazer o seu estrago e a água baixar.
Depois da chuva o que restou foi um cenário triste e desolador. A colcha de multitons de verde se dissolvera na água ou fora levada pela enxurrada. Mas nem tudo estava perdido, havia alguma esperança, um estéril e desajeitado pé de laranja lima resistira à força da natureza e salvara algumas almas.

Rio Vermelho, 31 de janeiro de 2011

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Iemanjá, o desenho da discórdia.


A Festa da Mãe d‘Água, este ano, foi dividida por culpa de um desenho de Iemanjá. Os ânimos se exaltaram, artistas opinaram, os promotores ficaram irredutíveis. O resultado foi lamentável: ninguém usará a tradicional camisa de Iemanjá em 97, como se faz todos os anos. Tudo começou quando Getúlio, dono da Ex-Tudo, procurou o famoso artista Floriano Teixeira e encomendou, em nome dos promotores da festa, um desenho de Iemanjá para ser reproduzido nas camisas vendidas e que sempre dão um bom lucro. Queria um artista famoso e ninguém melhor que Floriano que, além de tudo, é morador do Rio Vermelho.
Floriano aceitou a incumbência e fez uma Iemanjá que todos consideraram linda, sorridente, lábios muito vermelhos, escamas douradas, a imagem da alegria com sua festa. As camisas ficariam deslumbrantes e poderiam ser vendidas por preços maiores, graças a assinatura do artista de renome nacional. Vários artistas, como Calasans Neto, Carlos Bastos, James Amado, Tati Moreno, o próprio Getúlio, além de muitos outros, ficaram entusiasmados e aprovaram sem a menor restrição. Entretanto os pescadores do Rio Vermelho foram ver e vetaram a figura. Mostraram-se escandalizados, revoltados, Floriano tinha tido a audácia de pintar uma Iemanjá negra, embora muito bonita.
Mas tinha cabelos "rastafari", iguais aos de Carlinhos Brown, nariz achatado lembrando o de Margareth Menezes. Aquilo era um desaforo, Iemanjá tem cabelos louros, longos, olhos azuis, pele alva de sueca. Vetaram o desenho e proibiram sua reprodução nas camisas. Getúlio, que havia dado a encomenda, ficou sem saber o que fazer, os pescadores afirmaram que não permitiram que ninguém usasse aquilo, uma afronta a Iemanjá, que é branca. Calasans Neto chegou a sugerir que ouvissem a própria Iemanjá, estava certo que ela aprovaria o belo desenho de Floriano (foto), mas os promotores nem permitiram que se falasse mais no assunto, Iemanjá só branca, loura, olhos azuis.
Um grupo de turistas quis comprar o desenho e fazer camisas para seu grupo, mas os promotores da festa não permitiram.
Floriano Teixeira ainda tentou explicar aos promotores que a imagem da metade mulher metade peixe, de cabelos louros e longos, pele branca, é a da sereia nórdica, das lendas suecas. A nossa Iemanjá é uma entidade brasileira, morena, podendo ser negra, como nosso povo.
Os pescadores não concordaram. Afirmaram que só aceitariam a Mãe d‘Água branca e loura. Não houve solução.
Se os presentes deste ano forem recusados, todos sabem o motivo: Iemanjá queria o desenho lindo e verdadeiro de Floriano.

(Publicado no jornal A Tarde em 2 de fevereiro de 1997.)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Uma certa cartomante

Quem fizer um passeio pelas ruas do Rio Vermelho num final de tarde de verão, quando o sol se torna uma imensa bola imaculada que projeta longas sombras, e o calor do dia se desvanece com a proximidade do crepúsculo, observará que os postes de luz servem tão somente para o propósito para o qual foram projetados como, também, para se afixar cartazes contendo informações sobre serviços de tudo quanto é tipo. Então, quem precisar de um encanador, eletricista ou de alguém para consertar o fogão, ou estiver procurando uma casa para alugar ou comprar, provavelmente encontrará informações úteis nesta mídia de classificados alternativa. Um destes serviços que mais me chamou atenção pela sua peculiaridade, no entanto, foi o de uma certa dona Odília que, além oferecer os serviços de “leitura das mão, búzius, tarô, ajuda a resolver briga de família, a conceguir emprego, trazer a peçoa amada de volta, aliviar a peçoa dos males da alma, a ter sorte, tirar unha encravada e conçerta espinhela caída”, faz um ataque terrorista à língua portuguesa.
Achei o anuncio uma preciosidade e confesso que este me deixou curioso, embora eu seja o tipo de pessoa que não acredita em coisa alguma, muito menos em mim mesmo. Mas acho interessante como as pessoas levam estas coisas a serio, mas nem por isso as censuro, pois entendo que cada um é livre para acreditar no que bem entender. Eu fico imaginando se uma pessoa decide ir a uma cartomante do mesmo modo que decide ver um médico para se curar de um mal de saúde, e se a consulta é tão dispendiosa quanto à de um profissional de saúde e se é possível incluí-la no plano de saúde ou abatê-la no imposto de renda.
O negócio de leitura de mãos, búzios e similares é um negócio que talvez não seja tão lucrativo quanto alguns imaginam, mas mesmo assim ele não para de crescer, num país místico como este aqui, no qual se acredita em tudo, inclusive em promessa de político. A concorrência é grande e como a profissão não é reconhecida pelas autoridades competentes e nem é preciso de um certificado ou licença especial para se atuar na área, bastando, para tanto, “possuir o dom”, então, a princípio, qualquer um pode montar a sua própria tenda em casa. Provavelmente a dona Odília sofreu com a concorrência ou o seu dom evaporou-se para a atmosfera, ou quem sabe a razão, que muitas vezes chega com o peso da idade, a fez perceber que já era hora agir honestamente com as pessoas. O fato é que vi surpreso dia desses, num cartaz colado num poste, que agora ela estava trabalhando como uma cabeleleira. Dona Odília agora “corta, fas iscova, aliza e tinge”. Duvido que este futuro ela não previu para ela.
No entanto, eu tenho notícia, através do meu amigo H.C., de que pelo menos uma vez o seu dom se manifestou certeiro feito um raio. O fato se deu quando Oswaldo Filho, que nunca teve respeito por nada sagrado e gostava de zombar de tudo, certo dia, entediado, resolveu ir à dona Odília tirar um sarro. Ao chegar ao endereço indicado, que era em sua própria casa onde ela atendia, percebeu que nada de incomum havia naquele pequeno apartamento de dois quartos e que este bem poderia ser a casa de uma tia sua ou avó. Sentou-se no pequeno sofá coberto com um plástico transparente e aguardou por sua anfitriã. Não demorou muito para que uma velha senhora de olhar doce viesse da cozinha com um avental amarrado na cintura, pois ela estava preparando o almoço, e nada de incomum Oswaldo, também, percebeu em sua aparência. Como vai, meu filho, ela disse com sua voz calma, em que posso lhe ser útil? Ela sentou-se na poltrona em frente a Oswaldo que foi direto ao assunto. Eu quero saber onde está meu pai, declarou preparando-se para debochar da resposta que a velha lhe daria. Depois de consultar a sua bola de cristal, ela respondeu-lhe segura. Seu pai está no bar de Nando, bebendo uma cervejinha. Ao ouvir a resposta, Oswaldo deu uma risada de escárnio. A senhora não sabe de nada mesmo, és uma completa fraude, ele disse. Meu pai morreu há mais de dez anos. Mas dona Odília retrucou na ponta da língua com toda sua candura, você está enganado, meu filho, quem morreu foi o marido de sua mãe!

Rio Vermelho, 21 de janeiro de 2011.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

As metas de meu amigo JR para 2011

Meu amigo J.R parece ter superado a terrível dor de cotovelo da qual vinha padecendo (leia o caso em Sortilégio do Amor). Arranjou uma nova namorada numa semana e, na seguinte, tornou-se amante de uma moça que se queixava de infelicidade conjugal. Eu não posso censurá-lo por fazer feliz a quem precisa, e acho isso até um gesto altruístico da parte dele. Creio que o mundo seria um lugar mais feliz se as pessoas se compartilhassem mais, dessem mais de si. Eu mesmo tenho insistido para uma certa morena dar mais de si para mim, mas sem sucesso algum. Há muita incompreensão neste mundo, esta é a grande verdade.
Mas o que mais me intriga é como é que um cara feio como o J.R. e que é magro feito o cão, consegue arranjar namoradas com tanta facilidade, logo ele que vive duro, quase nunca sai de casa e vai dormir todo dia com as galinhas depois do sol se por? Ele não vai à praia, não frequenta a academia, não passeia em shopping, nunca sai à noite, não telefona aos amigos, não vai a uma igreja, não tem Facebook e nem Orkut, vive mal humorado, não anda arrumadinho, enfim, não toma nenhuma daquelas providencias que uma pessoa desesperada em busca de companhia toma para se dar bem, ele age justamente o oposto, vivendo isolado de tudo como se fosse um verdadeiro ermitão urbano. Qual é a receita de seu sucesso com as moças?
Sua nova namorada, que é justamente o seu espelho ao contrário, é uma mulher ativa e trabalhadora de carteira assinada, e ainda faz uns trabalhos voluntários com crianças desamparadas, enquanto J.R. nunca teve um emprego formal, um eufemismo para dizer que não gosta de pegar no batente. Caso esta nova presidente que está aí resolver criar mais um ministério para apaniguar os companheiros, vou sugerir-lhe que o batize de Ministério do Ócio e que entregue a pasta ao meu amigo J.R., cuja contribuição ao seu governo será inequívoca. Enfim, não se tem notícia de que J.R. já tenha cumprido horário em canto algum do planeta e, por isso, sua nova namorada olha para ele intrigada e lhe diz: “Eu não sei como eu fui me envolver com um homem que nunca trabalhou.” Ao que ele replica já ter trabalhado sim, mas nunca de carteira assinada como todo cristão. Ela, então, faz uma cara de uma galinha que ia por um ovo e mudou de ideia e, não satisfeita com a resposta do bonito, promete sentar junto com ele para ajudá-lo a traçar suas metas para este ano. Embora ele reconheça o esforço dela, ele a adverte para que não lhe invente trabalho! Não é que J.R. seja um cara preguiçoso, muito preguiçoso ele não é. É que ele tem lá uma filosofia de vida e nesta, o trabalho é uma coisa ultrapassada. Este seu jeito pouco convencional de ser parece charmoso ao gosto das mulheres que se atraem por ele feito formigas em açucareiro em dia de confraternização de família. Embora ele não faça nem metade do esforço que faz um garotão bonitão com grana no bolso para gastar pelas baladas badaladas da cidade à caça do gênero feminino, as mulheres veem bater à sua porta feito evangélicas pregando em dia de domingo.
Outro dia, encontrei J.R. sentado no banco da pracinha aqui perto. Ele estava amuado e queixoso da nova namorada com a sua lista de objetivos para ele e, em seguida, disse pensativo: “Eu já tenho um objetivo para 2011, vou passar o ano inteiro deixando a barba crescer e em dezembro arranjo um emprego de Papai-Noel!” Vai ser um Papai-Noel bem magrinho, pode ter certeza.
Rio Vermelho, 8 de janeiro de 2011.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A minha listinha de objetivos para 2011.

A chegada de 2011 foi saudada há poucos dias com o tilintar de taças de champanhe e beijos e abraços efusivos acompanhados dos melhores votos de felicidades, ao som de fogos de artifício que transformaram o céu num espetáculo indescritível de luzes e de cores, neste caso, para quem se aventurou a ir até o Farol da Barra. O ano novo também nos inspira a pensar em renovação, em novas esperanças, enfim, em novos objetivos para realizar antigos desejos. O fato é que sempre desejamos intimamente uma versão melhorada de nós mesmos, como se fossemos algum modelo do ano de um automóvel pronto para passar por melhorias mecânicas e de design, embora na essência, ele vai continuar sendo a mesma coisa, isto é, um meio de condução que nos leva de um lugar ao outro. E nada melhor que a virada do ano para assumirmos alguns compromissos em forma de uma listinha de objetivos que nos lembrará de fazermos tais mudanças ao longo no novo ano que começa.
Eu não faço a menor ideia de quem foi o inventor de tais listinhas e também não compreendo porque nos sentimos tão mal por não dedicarmos pelo menos um instante para pensar sobre o assunto. As mudanças e melhorias em nós mesmos deveriam ser algo de nossa preocupação constante, então porque esperarmos até o inicio de um novo ano para pensarmos sobre o assunto? Talvez isto seja a influencia de nosso condicionamento de sempre contarmos a partir do zero, do início, uma vez que poucos são os que se arriscam a começar a contar a partir do três ou do quatro, por exemplo. Embora tais mudanças não precisem necessariamente significar em uma revolução em nosso comportamento ou estilo de vida, elas sempre representam um desejo de melhora em alguma coisa. Pelo menos alguma tentativa será feita a este respeito porque não basta querermos, é preciso termos os meios e a força de vontade para realiza-las. Algumas pessoas prometem parar de fumar ou pelo menos diminuir o vício do fumo enquanto outras vão bem mais longe, prometendo finalmente começar a ver um analista para entender porque são tão inseguras com relação a novos desafios. Imagine apenas como para estas pessoas já foi difícil tomar a decisão de começar um tratamento.
Num esforço para tentar ser igual a todo mundo, este novo ano, eu mesmo me prometi alguns objetivos para 2011, apesar de não levá-los muito a serio. Pensei bastante sobre o assunto e, finalmente, antes que o ano terminasse, apareci com a seguinte listinha que escrevi num papel bonito com letras solenes e garrafais que vou prender em algum lugar visível de meu escritório. O primeiro deles é: “Não vou fumar.” Eu não fumo e nem nunca fumei mas me comprometo aqui, publicamente, a não começar a fumar este ano e vou dar tudo de mim para cumprir tal objetivo. O mundo não precisa de mais um fumante. O segundo é: “Vou comer a mesma quantidade.” Isto é uma boa noticia, não vou engordar nem a mais e nem a menos do que eu já estou atualmente, manterei a minha média e, provavelmente, não comendo tanto assim, não tirarei a comida de quem realmente precisa. O mundo não precisa de mais alguém fazendo uma dieta. “Vou andar mais.” Ganhei de Papai Noel um par de tênis mágico Koreano, uma novidade! Basta calçá-lo e sair andando por aí que ele me leva a qualquer lugar do mundo em poucos minutos. Esta parte é mentirinha, mas não seria ótimo se fosse possível? “Não vou ler notícias.” Cheguei à conclusão que as más notícias fazem muito mal à saúde, pelo menos à minha. Este ano não quero saber das falcatruas do governo e do congresso, do efeito estufa, de guerras e terremotos e nem que Jesus Cristo já voltou e foi o nosso presidente da república, vou ficar alienado de tudo como se eu fosse um náufrago numa ilha deserta, talvez até meus cabelos voltem a nascer por conta de tal medida. E por fim, o ultimo objetivo da lista: “Vou levar as coisas mais a sério.” A vida não é esta grande piada que eu estou pensando, está na hora mesmo de eu levar as coisas mais a sério e, nada melhor do que começar com a minha listinha de objetivos para 2011. Feliz Ano Novo, caros leitores!

Rio Vermelho, 3 de janeiro de 2011.