quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Emprego dos Sonhos

Eu ligo para a Secretaria do Meio Ambiente com o intuito de fazer uma reclamação. Tento seguidas vezes os mesmos números que me passaram, mas ninguém jamais atende. Inconformado, no dia seguinte, tento novamente até que uma voz feminina e sonolenta finalmente me atende e pede que eu aguarde, pois vai chamar a pessoa responsável. Quando eu quase desistia de esperar, a mesma voz preguiçosa retoma a ligação, informa que a responsável não foi trabalhar naquele dia. Pergunto quando ela costuma ir trabalhar e sou instruído a tentar novamente por minha conta e risco na manhã do dia seguinte.
         Uma cozinha industrial instalou-se em nossa rua na casa onde marava uma querida vizinha. Primeiro foi o pai que se foi há muitos anos quando eu ainda era um meninote. Depois, a mãe. Finalmente, certo dia, não muito tempo atrás, ela comeu uma ostra estragada e não deu outra. Como não tinha herdeiros diretos, a casa foi vendida pelos irmãos. Nossa rua é residencial, mas isto não importa para a prefeitura que vê no IPTU comercial uma fonte de renda mais lucrativa que o residencial. Salvador carece de um plano diretor e de um ordenamento urbano, aqui tudo pode.
         O estabelecimento prepara alimentos que vão ser consumidos por seletos clientes de uma certa cadeia chique de cafés cujo funcionamento é em shopping centers, mas foi construído sem observar as normas para este tipo de empreendimento. A chaminé da cozinha não possui os apropriados filtros que impedem a poluição do ar e sua altura está abaixo do comprimento estabelecido. Resultado, os moradores do pequeno prédio vizinho sofrem com o cheiro de frituras e outros cozimentos e quando o vento sopra para o lado de minha casa, do outro lado da rua, nas correntes de verão, meu momento de leitura na rede do jardim é incomodado com o odor enjoativo.
Uma vizinha que mora no pequeno prédio ao lado da chaminé da tal cozinha já bateu duas vezes à minha porta choramingando e se queixando que o mal cheiro tem agravado a renite alérgica de seu filho. Sugeri-lhe que talvez fosse mais eficaz se ela reclamasse diretamente com o incomodador, mas sua natureza a impede de tomar tal iniciativa, que baiano intimida-se ante a necessidade de encarar enfrentamentos. Isto deve ser ainda herança dos tempos de senzala, penso eu, quando dezenas de homens, mulheres e crianças eram obrigados a coabitar o mesmo espaço sem direito a privacidade alguma e, por isso, tinham de engolir calados os aborrecimentos que surgiam naquele tipo de situação. A passividade e submissão, o medo da retaliação perduraram até os nossos dias. O prestativo de seu marido passa o dia fora no trabalho e quando volta para casa não quer saber de problemas. Restou a mim, o prefeito honorário da rua, fazer algo a respeito. Eu tinha resistido a isto, na esperança de que os incomodados tomassem a iniciativa, até o dia em que eu mesmo me senti incomodado.
         Liguei no dia seguinte para a Secretaria do Meio Ambiente e a mesma voz entusiasmada me atendeu. Os fiscais estavam todos fora fiscalizando as denuncias, informou. Mas alguém tem de anotar estas denuncias para que os fiscais possam ir para campo, não é? Tem sim, mas esta pessoa não chegou ainda, ela disse. Mas não foi esta mesma que não foi trabalhar ontem e estaria hoje aí pela manhã? Ela não chegou ainda, a atendente informou mais uma vez. E quando ela vai aparecer por aí, tem alguma ideia? Tente depois das dez, a outra respondeu. Eu gostaria muito de ter um emprego assim, lhe disse. Eu também, ela foi irônica, mas não sou concursada e por isso tenho de estar aqui no trabalho no horário todo santo dia.

Rio Vermelho, 13 de fevereiro de 2014.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O Dia Em Que Derrubei Um Mike Tyson

Eu gosto de gastronomia a ponto de me aventurar a experimentar algumas receitas simples de vez em quando. Sim, porque a minha ambição pela arte culinária não vai muito além de recriar algumas receitas fáceis de fazer que não frustrem o entusiasmo do chef amador que existe em mim. Outro dia mesmo eu participei de um workshop sobre risoto oferecido pelo SENAC e tive a grata surpresa de descobrir que aquilo que eu fazia com tanto empenho nunca foi um risoto.
         E foi conversando sobre pratos exóticos com um amigo natural do sertão de Minas Gerais que me veio a lembrança de um episódio em minha vida cuja relação com a culinária é nenhuma. Meu amigo mineiro falava de como sua mãe sabia fazer um ensopado de tatu como ninguém e de como ela até aproveitava o rabo do bicho. Não sou fã de tatu, jamais comi um e creio que este não está na minha lista de 100 coisas para comer antes de morrer. Considero-o até um animal simpático e até já tivemos um desses em nossa casa da Rua do Céu quando eu era criança. Mas desde que tomei conhecimento que o animal fazedor de buracos na terra apreciava cadáveres a sete palmos como iguaria e é um transmissor da doença de Lázaro, desenvolvi uma repulsa em tê-lo à minha frente em um prato sob qualquer receita que seja.
         Outra especialidade que a mãe do meu amigo tem é fazer um prato de nome tão incomum para nós baianos como ele próprio. Chama-se galopé e é feito a partir da mistura de dois cozidos, um de pés de porco frescos e outro de um cozido de galo duro. Minhas papilas gustativas salivaram encantadas com a ideia de prová-lo. Deve ser aquele tipo de comida que agente come e sua ao mesmo tempo e depois vai se deitar numa rede na sombra o resto da tarde para fazer a digestão. Entretanto, esta é uma receita que jamais terei a oportunidade de experimentar, a menos que eu vá parar num rincão de Minas. Eu me perguntei em nome de Deus onde eu conseguiria pés de porco frescos e ainda mais um galo velho e duro para abater aqui em Salvador. Naquele momento, lembrei-me de um certo galo.
         Eu vinha de uma fazenda onde fui passar o fim de semana com amigos e já era noite quando passávamos em frente à CEASA do Rio Vermelho. O carro vinha a certa velocidade, cheio de gente e malas e eu estava ao volante. Estávamos exaustos da longa viagem, já era noite, mas eu mantinha os olhos firmes e atentos na estrada. Ao passar em frente a um ponto de ônibus, fui surpreendido com a presença de um animal no caminho logo à nossa frente. O farol do carro devia tê-lo hipnotizado, pois ele estava imóvel como uma estátua e pude ver a potente luz do carro refletida em seu pequeno olho. Ele tinha um de cada lado da cabeça e estava de pé de perfil para nós. Era um majestoso e robusto galo. Naquele instante, meu pensamento foi ágil e rápido, calculei que seria impossível frear o automóvel sem causar um acidente e desviar para qualquer um dos lados também resultaria numa tragédia. Com o coração apertado, segui adiante e até hoje me lembro de sentir uma batida surda no chassis do carro. Aquele foi o meu primeiro e único atropelamento até os dias de hoje.
         Um amigo sentado no banco ao meu lado testemunhou o terrível episódio e ainda viu o dono do animal esbravejando feito um louco no ponto do ônibus.
         — Corre, Cris! – ele gritou exaltado. – Você matou um galo de briga, o dono está puto segurando a faixa de campeão!

         Rio Vermelho, 10 de fevereiro de 2014.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Violência Gratuita

Fui parar na Praia do Forte este fim de semana passado. Uma praia distante de Salvador, frequentada por grã-finos endinheirados ou pelos pretendentes a tal posto. Não sou nenhuma coisa nem outra, só um ponto fora da curva. Faço este passeio anualmente exatamente no dia 2 de fevereiro, com o intuito de fugir da muvuca em que se transformou a tradicional festa de Iemanjá, a Rainha do Mar, a protetora dos pescadores, pois em troca de oferendas garante-lhes pesca o ano inteiro. Esta festa, cujo momento culminante é a entrega de presentes à Iemanjá, deixados em alto-mar pelos pescadores, acontece a poucos metros de minha residência e, em minha opinião, apesar do incomodo que ela causa aos moradores em seu entorno, a considero a mais bela de todas as manifestações populares da Bahia de que tenho conhecimento.
Na hospedaria onde pousei em Praia do Forte, conheci um rapaz estrangeiro que estava de passeio de férias pelo Brasil. Falei-lhe da beleza que é a festa de Iemanjá, incentivando-o a vir até Salvador assistir à entrega das oferendas à Rainha do Mar. Entretanto, ele me respondeu que resolvera se abster de participar de eventos deste tipo enquanto estivesse visitando a nossa terrinha. Não era à toa. Seu rosto estava arrebentado e remendado por pontos cirúrgicos cuja carne costurada ainda pulsava vermelha de dor e deixará cicatrizes na pele e na alma. Dois dias antes, ele estava no Festival de Verão, – um evento musical e cultural produzido pela iniciativa privada aqui da cidade, portanto, em local fechado e com ingressos a peso de ouro – andava tranquilamente entre os participantes quando lhe desferiram um soco brutal de nocautear até o Anderson Silva. A alegria da noite terminou por ali. O estrangeiro desconhece o motivo pelo qual foi vítima de tamanha violência. Não havia tumulto algum, briga na qual tivesse sido acertado por um soco perdido. Não houve assalto. Deixaram a porta da jaula aberta e o animal que estava lá dentro fugiu para a noite agredindo covardemente pessoas que atravessavam em seu caminho. Nosso visitante, lamentavelmente, foi uma destas vítimas. Alguém divertia-se agredindo outros gratuitamente, mas que forma perversa e doentia de diversão.
De onde vem tanto ódio e insensatez? O caso deste rapaz estrangeiro não é um fato isolado. Longe disto, são centenas as vítimas que são agredidas injustificadamente neste tipo de evento de massa aqui em Salvador, quer seja este público ou privado, sem falar daquelas que assaltadas ou se metem em brigas as quais preferiam estar longe. Sair para se divertir em eventos que reúnem uma grande quantidade de pessoas tem se tornado uma atividade de alto risco na Terra da Felicidade. Não é raro as vítimas de tais violências carregam para o resto da vida sequelas causadas pela brutalidade.
Eu me pergunto por que isto acontece num país onde o seu governo se regozija de seu sucesso na economia, na saúde pública, segurança e educação. Se está tudo tão bom assim, então qual o motivo da fúria?
Se a Civilização é a violência dominada, como dizem, a vitória sobre a agressividade do primata, sim porque somos e sempre seremos primatas num estágio evoluído, como definiríamos então o nosso país? Em que estágio da evolução humana nos encontramos? Somos a nação que constrói aviões de alta tecnologia, produz vacinas e faz pesquisas em biotecnologia, mas também é o mesmo lugar que reduz o homem livre ou o presidiário a seu estágio mais primitivo da condição humana. Somos uma sociedade que funciona como um motor a produzir violência gratuita em nosso cotidiano. Temos medo de sair na rua de dia ou à noite, vivemos com medo por nós e pelos outros.

Rio Vermelho, 4 de fevereiro de 2014.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O Homem Mau Foi ao Cinema

Hoje eu faço um mea-culpa. Esta minha postura é tão rara quanto a ouvir o belo canto do uirapuru no coração da floresta amazônica. Devo admitir que sou orgulhoso o bastante para não praticar tais atos de humildade e engrandecimento da alma. No entanto, achei que tinha passado dos limites e só uma autocrítica pública me livraria do sentimento de culpa que tem me consumido.
         A minha insensatez tem se expressado sob forma de queixas àqueles que fazem do aparelho celular não apenas um instrumento destinado à comunicação, mas como um objeto de atrito social. Seu uso descontrolado em qualquer ocasião, mesmo nos lugares onde são expressamente proibidos tem gerado conflitos entre aqueles que possuem bom senso e os que não sabem para que isto serve.
         Ontem fui ao cinema. Sim, este mesmo que é a fonte do meu lazer, também é a causa de meus dissabores. A linda moça veio e acomodou-se ao meu lado e antes que o filme iniciasse, ela sacou de sua bolsa o aparelho celular e checou as mensagens ou seja lá o que fosse de tão importante. Como todos sabem, ao ser acionada, a tela do aparelho celular emite uma brilhante e continua luz. Isto não representaria inconveniente algum se não ocorresse numa sala escura como a do cinema, cuja principal característica é ficar um breu durante a exibição do filme. No escuro, a luz do celular provoca desconforto à visão dos que estão sentados ao lado usuário do aparelho, assim como daqueles localizados logo atrás dele. Não tem como não se sentir incomodado numa situação como esta.
         Eu tento não ser intolerante – ó, Deus, como eu tento! – me contenho em não protestar até que o filme comesse e ainda assim sempre dou uma margem de tolerância de mais cinco minutos para que o proprietário do celular possa se acostumar com a ideia de ficar longe dele pelos próximos longos minutos que durar o filme. No entanto, passados os meus tais cinco minutos de tolerância, a minha vizinha continuou ligando de forma intermitente o seu aparelho e sua luz ao lado a me incomodar. Como aquilo me parecia que não teria fim se eu não interferisse, pedi-lhe educadamente que desligasse aquela merda. Ela disse que sim e pôs o aparelho dentro de sua grande bolsa. Constrange-me pedir a um adulto para se comportar.
         Não demorou cinco minutos, no entanto, e lá estava ela novamente de olho no celular. Desta vez, entretanto, ela teve o cuidado de acendê-lo dentro da bolsa. Provavelmente o excesso de tintura loura em seus longos fios de cabelos tenha lhe subtraído a pouca quantidade que ainda lhe restava de inteligência, pois só a ignorância justificava o fato de ela não perceber que mesmo estando parcialmente dentro de uma enorme bolsa, o seu celular continuava a emitir luz e a incomodar as pessoas ao seu redor.
         Eu fiquei refletindo sobre o que faria uma pessoa adulta e aparentemente sadia como ela insistir no erro. E foi neste instante que um sentimento de culpa se apoderou de mim e me fez ter vergonha de mim mesmo. A personagem do filme que assistíamos admitia naquele mesmo instante que ela era viciada em sexo – não vá assistir a Ninfomaníaca esperando ver cenas picantes, pois este filme é apropriado a passar na Sessão da Tarde sem cortes. Se quer ver sacanagem explícita com história, assista Azul é a Cor Mais Quente, é até educativo. – e que não podia controlar aquele vício que era maior que ela mesma. Então eu acordei para o fato que o mesmo acontecia com a criatura ao meu lado. A coitada era uma viciada em celular – não no aparelho propriamente, mas na necessidade de estar conectada à internet. Sua vida não valia coisa alguma se ela não pudesse a cada cinco minutinhos dar uma olhada na tela do aparelho. A sua vida devia ser tão vazia quanto a da protagonista do filme, que contava angustiada o seu drama, num tom confessional, a um desconhecido. A vida da personagem ao meu lado e assim como à da tela era preenchida pelo vazio e pelo equívoco. Checar o celular a cada instante na expectativa de que daquela vez houvesse realmente algo de importante que desse sentido à sua existência deveria ser o seu martírio.
         Eu me senti um injusto e insensível por estar exigindo de um viciado algo que ele não tem poder para controlar. Era como pedir a um alcoólatra para não tomar o primeiro gole do dia ou ao dependente químico para se abster de dar aquela cheirada que lhe proporcionará conforto. Assim como há em curso uma epidemia de crack aniquilando a nossa juventude sem que se faça nada a respeito, uma multidão de viciados em estar atualizado através da internet se multiplica silenciosamente sem que as autoridades de saúde pública atentem para o fato.
Eu não sou um viciado em coisa alguma, mas gostaria. Todos os anos eu me prometo que adquirirei algum vício, mas sempre fracasso até neste intento. Mas sou capaz de entender e de imaginar a aflição e tormento de um viciado e o inferno que deve ser para aquela moça ficar desprovida de seu aparelho celular por alguns minutos durante a exibição de um filme. Não checar as suas mensagens a cada instante, não ver a última postagem do amigo na rede social deve ser para ela uma tortura tal como deve ser para o político praticar um único ato honesto uma vez na vida. É algo incompreensível para a sua compreensão enferma e por isso não me surpreendo se ela tiver me considerado um homem mau. Ela merece a minha compaixão e não a recriminação. Depois do filme, ofereci-lhe o telefone de um amigo, um excelente psiquiatra. Fiz bem?

Rio Vermelho, 22 de janeiro de 2014.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Reflexões Avulsas de Um Aniversariante

Hoje é meu aniversário e aproveito para refletir um instante. Não que eu seja um daqueles tipos emotivos que, movidos por sentimentos altruístas e tocado pela circunstância do momento, considerem que é de importância para o mundo que reflita em dia de seu aniversário, Natal ou ano novo, longe disto. Este é um exercício que costumo fazer com frequência, embora eu quase sempre nunca chegue à conclusão alguma. Reflito pelo prazer de refletir e um cara quando chega à minha idade deveria fazê-lo sempre, mas não em proveito próprio e sim para esmiuçar o mundo ao seu redor, mesmo que não vá tomar nenhuma providência prática sobre isto.
E neste exercício filosófico, percebo que quanto mais observo o mundo à minha volta, me convenço de que não é a falta de educação o mal que mais nos aflige e sim algo que mesmo um cidadão que não teve a oportunidade de sentar-se num banco de escola é possuidor, pois é algo inerente ao domínio das letras e tem origem no modo como a pessoa se relaciona com o mundo que a rodeia, o modo como ela percebe o outro e age em relação a este. Não sei que nome dar a isto. Isto parece ser algo tão simples como saber quando dar um bom dia ou dizer um obrigado, mas trata-se de algo mais profundo e complexo.
         Veja por exemplo, quando vamos, aqui em Salvador, ao balé, coisa de gente refinada e considerada culta e educada. Antes de o espetáculo começar, uma voz ao alto falante solicita que todos desliguem os seus aparelhos celulares e não fotografem. A impressão que se tem é que a dita voz falou em uma língua morta desconhecida do nobre público, pois só o que se vê são estes aparelhos celulares com câmeras fotográficas embutidas em posição de ataque, fotografando ou filmando cada instante do espetáculo. Em sua maioria, tal comportamento é motivado pelo intuito de divulgar aquele momento especial em uma rede social na internet. Quanto a falar ao telefone, recentemente, um dançarino estrangeiro em apresentação em nossa cidade, interrompeu a sua coreografia para pedir a uma dama da sociedade, sentada na plateia numa fila próxima ao palco, que não mais falasse ao telefone. Dá para entender do que eu estou falando?
         Mas tal comportamento não é um privilégio apenas dos cidadãos comuns. Até aqueles que deveriam dar o exemplo padecem deste mal. O presidente do senado, por exemplo, recentemente se utilizou de um avião da Força Área Brasileira para fazer uma viagem de caráter meramente pessoal – uma das muitas que costuma fez e pelas quais é duramente criticado pela mídia e mesmo assim ele insiste no erro – às custas do dinheiro do contribuinte. A sua Excelência voou para outra cidade para ir se submeter a um implante capilar, mandou transplantar seus pelos púbicos para o alto do cocuruto. Acreditava este nobre cidadão que o famoso implante o tornaria uma pessoa melhor e um bom político e que os cabelos crespos esconderiam a profunda falta de honestidade que lhe sobra.
         Bem, se o tal político lá em cima, um criador de leis, não está nem aí para os outros, porque justamente um pobre mortal deveria fazer diferente?
         É triste notarmos nas redes sociais que aquela pessoa que posta coisas bonitas sobre amor, solidariedade e tornarmos este um mundo melhor para os nossos filhos – os filhos deles, eu imagino – são as mesmas que cometem pequenos delitos em seu dia a dia, algo como usar o tal aparelho celular em situações onde este é proibido, estacionar o automóvel em cima de passeios ou ocupar a vaga de estacionamento de um deficiente físico, isto quando elas são pessoas perfeitamente saudáveis, pelo menos fisicamente. A lista de infrações e inconveniências cometidas por tal pessoa é longa e enfadonha.
         Eu fico me perguntando o que falta para que algumas pessoas perceberem que elas não estão sozinhas no universo e, por isso, não podem fazer o que lhe vier na cabeça. Infelizmente a quantidade delas é maior em dobro daqueles que ainda cultivam esta coisa fora de moda que é o bom senso.
         Outro dia, eu assisti uma mãe que passeava na beira-mar com o filho de uns cinco anos de idade ensinando-o fazer xixi na rua e pensei comigo mesmo, o mundo sempre foi e será um bom lugar para se viver, algumas pessoas é que não merecem habitá-lo.


Rio Vermelho, 12 de janeiro de 2014. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Feliz Ano Novo Novamente!

Fui cedo para cama a noite passada, véspera do ano novo, e quando acordei na manhã do dia seguinte já era 2014. Foi mais um ano que se foi e outro que começa logo no início do verão, quente como se tivesse recém saído do forno. Ano novo é como toda novidade, cria aquela expectativa quase mágica pelo que representa, é um divisor de águas visível apenas nos números do calendário, é uma esperança de renovação, embora tudo continue igual como na noite anterior, exceto pelos vestígios da festa deixados espalhados pela sala da casa à espera da arrumação.
         Mas para fazer a coisa valer de verdade, cabe a nós mesmos tornar deste novo ano que começa um ano diferente de seu antecessor, pois isto não se fará milagrosamente por obra e graça do Espirito Santo. Um ano novo nos dá a oportunidade de tentarmos novamente, pois o ano novo existe para isto, para que tentemos mais uma vez realizar sonhos e desejos que ainda não concretizamos ou começarmos a trabalhar em novos planos e objetivos. O importante é que continuemos sempre esta busca do nosso aprimoramento pessoal.
         É claro que algumas conquistas foram atingidas. Alguém finalmente conseguiu parar de fumar ou emagreceu aqueles quilos excedentes para poder voltar a caber em velhas calças. Alguém conheceu e conquistou o amor de sua vida ou finalmente livrou-se daquele cujo amor já tinha virado pó. Teve outro que conseguiu aquela promoção no trabalho ou que, na falta de reconhecimento, conseguiu outro emprego melhor, pois há males que vem para o bem.
         Quem foi mais altruísta e pediu paz no mundo, fim da fome, da pobreza e da peste, estes terão de aguardar mais um pouco, pois tais desejos não se concretizam em apenas um ano, sua realização se dá de forma silenciosa, numa medida de tempo que extrapola as folhas do calendário. Enquanto isto não acontece, cada um faz a sua parte, acabe com a sua fome seja ela qual for e de alguém próximo a você. Seja gentil com as pessoas que encontrar pelo caminho, pois, como diz a sabedoria popular, gentiliza gera gentileza e este já é o começo do processo de paz. O mundo só muda se as pessoas mudarem antes, esta lei é tão certa e imutável quanto o prazo final de entrega do imposto de renda.
         No fim do ano passado, parece até que foi ontem (risos), eu fiz como faço diariamente. Fui para a cama cedo, desejando que o dia seguinte fosse melhor que o anterior. Quando acordei, já era outro ano! Tomei o meu café da manhã como de costume e depois comecei a trabalhar. Prometi a mim mesmo ser um pouco mais otimista, apesar das peças que as vezes a vida me prega. Ao sair na rua, sorri para as pessoas que fui encontrando pelo caminho e desejei-lhes um bom dia e feliz ano novo. Dei minha vez na fila do taxi para um apressado chegar na hora ao compromisso, disse uma palavra gentil a alguém que parecia estar tendo um dia ruim. Para mim, é assim que o ano novo começa a ser diferente do anterior (e nem deveria ser tão diferente assim). Parabenizo o feliz leitor por mais um ano novo!

Rio Vermelho, 1º. de janeiro de 2014.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Como Se Livrar de Chatos

Não me refiro aqui àquele tipo de chato que nós homens acidentalmente adquirimos ao conhecermos intimamente uma dama a qual recompensamos monetariamente pelos seus favores. Falo de gente insistente. Não há nada mais aborrecido que receber telefonema de serviço de telemarketing. Quase sempre tentam nos vender algo que não precisamos ou querem roubar nosso precioso tempo fazendo uma pesquisa cujo resultado dificilmente tomaremos conhecimento ou nos beneficiará de alguma forma. Este pessoal parece ter pós-graduação em escolher os momentos mais inoportunos e fazem isto de maneira insistente e de um modo polido e refratário. Pode-se dizer qualquer grosseria para eles e eles continuarão lhe tratando com a mesma frieza e educação, sem demonstrar qualquer emoção ou contrariedade, seguindo um roteiro de diálogo previamente ensaiado. Depois da classe política, esta talvez deva ser a profissão mais odiada. Há quem os defenda argumentando que eles estão apenas fazendo o seu trabalho, no que eu concordo, mas que trabalhinho chato este!
         Certa vez, eu almoçava na casa de um amigo quando fomos interrompidos por um destes telefonemas. Espirituoso, ele explicou à moça do outro lado da linha que estava na sua hora de almoço e antes que ela insistisse em realizar a sua tarefa, ele perguntou o número do telefone dela e em que horário ela almoçava, pois iria lhe retornar a ligação durante o almoço dela!
         Eu nunca tive a sua presença de espirito e sempre que eu recebia um telefonema perguntando por mim dizendo o meu nome completo num tom bastante formal, eu já sabia só poderia se tratar de uma ligação de telemarketing. O melhor que eu conseguia fazer para me livrar do aborrecimento era dizer que eu não estava. Ora, minha tática era pouco eficiente, pois se eu não estava, nada mais previsível que ligassem novamente até me encontrar em casa e era justamente isto o que acontecia. Mas eles são muito espertos, como Cristiano Teixeira nunca estava, eles passaram a me telefonar e perguntar de modo bem casual: “O Cristiano está ai?”
         Certa vez resolvi enfrentar o problema de frente e quando a moça do outro lado da linha perguntou por mim, não fiz como das outras vezes, respondi-lhe que era eu mesmo que estava falando. Deixei que ela tentasse me vender o seu peixe e depois de ouvi-la disse que não estava interessado. Entretanto, dizer a uma pessoa do telemarketing que eu não estava interessado era o mesmo que dizer-lhe que eu não estava em casa. Não estar interessado não faz nenhuma diferença para esta gente, pois eles voltarão a lhe ligar mesmo assim, infinitas vezes, mesmo que você os mande para o inferno. Eles foram treinados para ir sempre ao inferno, não reagir a abusos verbais ou qualquer outro tipo de provocação. Qualquer outra resposta que não soe como um “sim”, bate e volta.
         Se você quiser se livrar realmente de uma ligação de telemarketing e garantir que pelo menos aquela não se repita, use a última tática que inventei num dia de rara inspiração. Você precisará usar um pouco de talento teatral, no entanto. Quando a moça do telemarketing chamou pelo meu nome e sobrenome, fiz uma pausa dramática deixando-a no suspense (estas pausas funcionam muito, caso queira causar uma impressão no interlocutor). Em seguida, com a voz carregada de emoção informei-lhe que eu havia falecido, ao que ela educadamente desculpou-se. Então eu lhe disse docemente: “Não tem porque se desculpar, minha filha, você não sabia.” Depois acrescentei quase suplicando: “Por favor, não telefone novamente, pois eu fico muito emocionado quando ouço o nome desta pessoa.” E ela não ligou nunca mais, não falha nunca!

Salvador, 21 de outubro de 2013.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ele Está de Volta

Não que ele tivesse ido embora ou coisa assim. É só uma maneira de dizer que os dias chuvosos de outono se foram embora, assim como os ventos fortes e, por isso, sem as nuvens cinzas que o escondiam,  o sol voltou a brilhar forte e belo para alegria geral. Como uma decorrência da mudança de estação, o sol também passou a se pôr mais a leste e aqui do Rio Vermelho agora é possível contemplá-lo mergulhando no oceano e não mais por detrás do morro da favela e prédios da decadente Salvador.
         Eu também saí da toca e voltei a caminhar. Faço isto diariamente ao longo da Praia de Santana até a segunda escada da Praia da Paciência e repito este mesmo percurso meia dúzia de vezes no final da tarde, quando o sol já está se pondo e até a escuridão tomar conta das ruas com seus medos. E é neste momento do dia que observo como magnetismo mágico do astro rei atrai multidões até a praia para testemunhar os seus últimos raios de luz.
         Entretanto, algo tem mudado no modo como as pessoas apreciam o pôr do sol. Não encaram mais este momento sublime com o mesmo olhar contemplativo que tanto inspirou poetas, músicos e amantes.  Ao invés disso, utilizam um aparelho de celular com câmera fotográfica que antepõem entre si e o cenário magnífico que acontece à sua frente. Cada momento desta trajetória do sol precisa estar fixado no aparelho e o prazer de assistir o sol se pôr foi substituído por uma atitude de quem está anotando uma receita de bolo ao invés de degustá-lo. O prazer real se dará quando as fotos aparecerem no monitor do computador, na página de uma rede social qualquer para que a pessoa diga ao mundo como ela sabe curtir os bons momentos da vida, o que me parece ser uma espécie de contemplação de si mesma.
O prazer de se curtir os momentos bons da vida vão sendo substituídos pela prática de documentá-los ao invés de vivenciá-los. Os celulares em posição de ataque vão substituindo o olhar puro e simplesmente. Enquanto isto, o sol vai se pondo solitário oferecendo um espetáculo àqueles que gostam de ver o mundo com os próprios olhos. Mais adiante, dois amigos se encontraram e um perguntou ao outro: "E aí, é bonito o lugar que você conheceu na viagem?" O outro responde: "Não sei, ainda não postei as fotos".


Rio Vermelho, 11 de outubro de 2013.