quinta-feira, 25 de novembro de 2010

De olho no retrovisor.

Sábado fez um bonito dia de sol primaveril e, no final da tarde, não resistindo àquele clima de chegada de verão, fui na Paciência, aqui perto, dar um mergulho. Era a primeira vez que eu voltava à praia desde que o verão se foi na ultima temporada. O mar estava sereno, formando suaves ondas que iam e vinham combinadas com uma agradável brisa que soprava em minha direção, convidando-me a cair na água. Tirei a camisa que deixei na areia e mergulhei na água de uma só vez, sendo surpreendido pela água deliciosamente fria. Um peixe grande quase se esbarrou em mim e fugiu fazendo zig-zag. Pensei que fosse um tubarão, mas como eu ainda continuava inteiro, presumi que fosse apenas um desses peixes vegetarianos. Fiquei ali na água revigorando minhas energias naquela enseada que me fazia eu me sentir num paraíso, até que a visão do sol se pondo do outro lado da praia me fez sentir em comunhão com a natureza. Havia tempos que não me sentia assim tão largado. Olhei em volta e percebi que não deveria haver mais que meia dúzia de pessoas na praia naquela hora, o que aumentou a minha satisfação.

    Quando o sol se pôs finalmente, peguei minhas coisas e fui-me embora. Havia ainda uma nesga de luz do dia, apesar do sol já ter se escondido. No caminho a pé de volta para casa, passei pela quadra de esportes e vi uma cena que me causou nostalgia dos tempos de criança. Um pai ensinava aos seus dois meninos pequenos a jogar gude. Quando foi a ultima vez que vi alguém jogando gude eu já nem mais me lembrava, mas fiquei surpreso com aquela cena que eu pensava não existir nos tempos de internet e do vídeo game. Fiquei comovido e ao mesmo tempo lisongeado de estar presenciando aquela cena de fortalecimento da relação entre pai e filhos. Era uma cena intima domestica, apesar de estar sendo praticada em espaço publico.

    Aquela cena, tão rara hoje em dia, me fez eu me perguntar aonde foram parar os peões, os ioiôs, as arraias, os carrinhos de rolimã, os carrinhos de carretel, a picula e o esconde-esconde? São brinquedos que meus sobrinhos pequenos nunca ouviram falar, deixados de lado por nossa falta de tradição e pela impossibilidade de, nos dias de hoje, os pais não mais deixarem os filhos brincarem na rua. Eu não sou um cara que vivo de olho no retrovisor, mas houve um tempo em que as crianças de classe média brincavam à vontade na rua, os muros das casas eram baixos e não existiam grades nas janelas. Estas são coisas que eu mais sinto falta do passado e que eu desejaria que um dia voltasse ao presente, e, quando isto acontecer, muito provavelmente virão juntos as bolas de gudes, os peões e tudo mais, pois, estas deixaram o cenário porque hoje em dia as únicas crianças que vemos nas ruas são aquelas que foram abandonadas pelos adultos na rua à própria sorte.

Rio Vermelho, 23 de novembro de 2010.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Atraindo o gosto da freguesia

Feliz o Sr. JR, um próspero comerciante aqui do bairro, um bem sucedido proprietário de uma loja, uma venda de frutas e verduras frescas, e pai de duas belas filhas que lhe ajudam, e como ajudam, no negócio familiar. O Sr. JR, além de ser um homem muito trabalhador é também um fiel seguidor da palavra do Senhor e, por isso, tem no Livro Sagrado os ensinamentos que conduzem a sua vida pelos caminhos da moral e dos bons costumes.

Mas, no início, o seu negócio passou por uma provação. Apesar de todas aquelas suas qualidades morais, carecia ao Sr. JR o refinamento no trato com o público. Não que ele fosse um homem grosseiro, isto ele não era, ao contrário, ele tratava sua clientela com educação, mas é que lhe faltava uma certa simpatia que a seduzisse a voltar ao seu estabelecimento mais vezes. Expressões tão mundanas e civilizadas como "bom dia!" e "obrigado e volte sempre" parecia não fazer parte de seu restrito repertório, que se resumia a informar ao cliente o valor total da compra ou emitir grunhidos em lugar de palavras, só abria a boca para falar quando inquirido. Tanto refinamento assim foi afastando aos poucos sua clientela, que preferia comprar em outra venda não muito longe dali e que, apesar de não oferecer à sua freguesia tanta variedade e qualidade, tinha em seu proprietário toda a dose de simpatia de que necessitavam para tornar o seu dia um lindo dia. E assim, o Sr. JR viu a sua clientela minguar aos poucos sem, no entanto, saber qual o motivo daquela debandada.

Certo dia, o Sr. JR achou por bem chamar as suas duas belas filhas para trabalhar com ele na loja, convencido que estava de que seu revés relacionava-se à falta de ajudantes e não à sua completa falta de polidez a qual ele era incapaz de perceber, obviamente. As moças, que eram estudantes universitárias e levavam o estudo muito a sério, se revezavam na loja, de modo que uma ajudava o pai no período da manhã e a outra pela tarde. Havia, porém, um aspecto sobre um dom nato daquelas moças que chamava atenção. Elas eram duas mulatas deliciosas como manga roubada no quintal do vizinho, dos beiços carnudos e de modos lascivos, sem, no entanto, o pretenderem. Elas atraiam inconscientemente os olhares cobiçosos dos homens com seus formosos corpos que o Criador, generosamente, arranjou para abrigar as suas almas. Aquele seu jeito parecia uma coisa natural de berço, que a sua religião rígida não lhes permitia tais libertinagens. Seus bem talhados corpos eram verdadeira tentação, pois possuíam seios que não eram nem minguados ou fartos, na proporção exata, e que de tão duros como coco seco, espetavam a fina blusa de malha justa dando a impressão que a qualquer instante pulariam para fora. A bunda, esta sim, era um capítulo à parte. Cada banda era do formato de uma melancia, amparadas por um par de coxas roliças como berinjelas e agasalhadas por minúsculos shortinhos de pano fino que pareciam não dar conta de conte-las. Era assim que se vestiam diariamente e despretensiosamente para irem ajudar o querido pai na loja. O pai não aprovava aquele tipo de roupa, que considerava ser indecente, mas não dizia nada, pois, a final, as filhas eram mulheres adultas universitárias e não cabia mais a ele dizer-lhes o que vestir, e nem elas viam nenhum mal naquilo. Aquelas duas presenças divinas na quitanda paterna faziam o jiló ficar açucarado e o alface ser mais que uma folha insípida.

Cedo, a ajuda das filhas provou-se eficaz, não só porque o Sr. JR pôde economizar algum dinheiro ao não contratar ajuda externa, como também as duas filhas se mostraram excelentes em atrair nova freguesia apesar de que, semelhante ao pai, e talvez de forma mais branda, elas estivessem longe de ganhar qualquer concurso de Miss Simpatia. Elas simplesmente não eram de dispensar sorrisos fáceis ou de conversa fiada. Em compensação, seus corpos tentadores e suas indumentárias justíssimas nas carnes e econômicas nos panos, atraiam para dentro do estabelecimento uma clientela assídua de marmanjos que se comprazia em escolher demoradamente molhos de temperos ou meia dúzia de frutas. Mas tal frequência não incomodava as moças, que eram rápidas e se movimentavam de um lado para o outro da loja remexendo aqueles quadris ou se abaixando ou se esticando para pegar mercadorias em prateleiras rentes ao chão ou acima de suas cabeças, oferecendo um espetáculo de encher os olhos de gula, arrancar suspiros e até de levantar defunto! O pai, por sua vez, só tinha os olhos para o movimento do caixa, que se resumia num pequeno saco plástico cheio com notas de dinheiro dobradas e moedas que tirava e metia de volta no bolso conforme a necessidade.

Como o trabalho árduo traz seus bons frutos, não demorou muito até que a clientela voltasse a encher a loja como nos bons tempos de fartura. No entanto, desta vez, esta se compunha desmedidamente de homens; homens de todos os tipos, velhos, jovens, trabalhadores, aposentados bonitos e feios, gordos e magros. Mesmo assim, o Sr. JR estava tão feliz com a melhora dos negócios que não deu importância àquele detalhe. Contudo, satisfeito com o retorno da saúde de sua loja, não demorou muito até que mandasse as filhas de volta para casa, para que se dedicassem aos estudos e, também, porque não as queria se expondo mais àquela corja de homens. Substituiu a ajuda das agradáveis filhas por um funcionário de tempo integral uma vez que já podia pagar por ele. Contratou, portanto, uma moça da mesma idade das filhas e que frequentava a mesma igreja que a sua.

Embora a moça contratada não tivesse os mesmos dotes físicos que as suas filhas, no quesito simpatia, se mostrava mais qualificada que elas e, também, ao contrario das filhas, era mais comedida em sua indumentária de trabalho, indo para o serviço vestindo uma blusa antiquada que lhe cobria quase à altura do pescoço, mas que lhe deixava à mostra os gordos braços. Usava, também, uma saia azul de tecido grosso que chegava até quase ao tornozelo. Seus longos cabelos negros eram presos no alto da cabeça por um coque, lembrando a avó de alguém. De imediato, a clientela sentiu aquela brusca mudança no staff da loja como uma traição. Subitamente, para a marmanjada, comprar frutas, verduras e hortaliças já não era assim mais tão agradável. E, mais uma vez, a clientela foi batendo em retirada. Quando inquirido sobre suas filhas, o comerciante respondia vagamente que elas estavam em casa estudando. Desapontados, os homens não mais voltavam.

Não demorou muito até que a situação da loja voltasse aos tempos de penúria, e para que o Sr. JR percebesse, desapontado, que ao final do dia, o seu saco de dinheiro estava minguado. Isto o fez matutar para encontrar o erro. Coçou a cabeça andando de um lado ao outro da loja e terminou se rendendo aos fatos que preferira nega-los. Chamou suas duas meninas e seus shortinhos mais uma vez para o trabalho e dispensou a recatada ajudante. Agora sim, a loja vai bem, obrigado. Este é um daqueles casos que negam o bom senso e comprovam o pragmatismo nos negócios, ao usar a carne como isca para atrair a freguesia para dentro de uma loja de vegetais, ainda que os prazeres da carne contrariem as Palavras Sagradas. Nunca o Sr. JR nunca imaginara que para vender mais frutas e verduras teria, também, de mostrar um pouco de carne!

Rio Vermelho, 11 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Nunca te vi antes, cara pálida.

Uma dentre as muitas coisas que me intrigam no peculiar comportamento das mulheres, é a súbita perda de memória a que, algumas, são acometidas quando elas se encontram casualmente com um amigo, estando elas acompanhadas de outro homem, obviamente. Aquele amigo, repentinamente tem o seu status rebaixado para a condição de um mero conhecido, que pode até se tornar um completo desconhecido, no caso de o pimpolho ao seu lado for um cara cismado. Isto quando elas não o ignoram completamente. Por que será que isto acontece?, fico matutando. Lembro de já ter visto coisa parecida na minha adolescência, mas será que algumas mulheres adultas continuam sendo ainda tão imaturas como nos tempos de escola?

Na ultima sexta-feira, resolvi dar uma volta pela noite do Rio Vermelho; eu que quase nunca saio de casa à noite, confirmei aquilo que já sabia de antemão: não estou perdendo nada ficando em casa. Imaginem que os passeios, aquelas vias destinadas exclusivamente aos pedestres, estavam ferozmente transformados por automóveis em estacionamento, não nos deixando outra alternativa se não a de fazer malabarismos no meio rua em meio ao interminável congestionamento do bairro, causado por sua fama boemia. Em alguns pontos dos mesmos antiquados passeios, proprietários de bares e restaurantes jogam ali o lixo produzido em seus estabelecimentos. Imagine como devem ser suas cozinhas! Como se não bastasse tal demonstração da civilidade baiana, ruas e largos onde os boêmios se concentram, cheiravam terrivelmente a excremento humano, levando-me à incomoda conclusão de que eles se aliviam ali mesmo onde estão, enquanto conversam animadamente entre amigos. Some-se a isto latas de bebidas, copos descartáveis e restos de comida que encontram o seu lugar cativo no chão em meio ao publico. Isto é aquela qualidade que o baiano tanto se orgulha de possuir e a que chamam de "espontaneidade". Se deu vontade, então porque perder tempo procurando esta coisa tão démodé como um banheiro, se podem fazer ali mesmo enquanto confraternizam? Nada mais pitoresco.

Pois bem, e lá ia eu por uma ruazinha curtindo a agradável brisa de uma noite de outono com o firmamento estrelado e o odor da espontaneidade baiana por todos os lados, quando encontrei com JR. Eu e JR não somos exatamente grandes amigos ou mesmo amigos, destes de sairmos juntos ou de nos telefonarmos para jogar conversa fora. Eu, particularmente, não gastaria nenhum dos meus créditos telefonando para ela — por completa falta de assunto — assim como ela certamente não o faria comigo. Quando muito ela está entre os meus "amigos" do Facebook — e não adianta procurar por lá por uma JR pois não vai encontra-la! Não importa como viemos a trocar palavras pela primeira vez, mas é fato que sempre que nos encontramos nestas raras ocasiões em que faço um périplo pelo bairro, sempre nos cumprimentamos efusivamente com beijos e abraços e toda sorte de conversa fiada tão comum para quem não tem exatamente nada mais para dizer um para o outro. Mas desta vez, no entanto, ela não pareceu lá muito entusiasmada em me ver, nem me chamou de "Cris" como das outras vezes. Foi uma recepção glacial com um seco aperto de mão, daqueles que faz agente pensar que a mão do outro talvez esteja contaminada pelo vírus da hipocrisia e que ela estivesse receosa em passar aquilo para mim. Fiquei intrigado com aquele tratamento, mas logo percebi a presença de um sujeitinho ao seu lado. Já estava explicado, ela estava "acompanhada". E alguma coisa em sua mente equivocada lhe dizia que não deveria falar com "estranhos". Aquela atitude me pareceu cômica, quando é que eu me tornei ameaça para algum outro homem? Logo eu, que a cada ano fico mais careca e barrigudo e quase um invisível para as mulheres? Aquela breve sensação de ser um concorrente para alguém foi uma massagem em minha autoestima mas, no entanto, deixou-me intrigado. O que será que se passa na cabeça de uma mulher numa hora destas?

Eu gostaria que alguém me explicasse mais este comportamento incompreensível entre os sexos. Será que passa pela cabeça da mulher que nós homens vamos justamente aproveitar a oportunidade que ela está acompanhada para saltar em seu pescoço feito um vampiro? Ou que pretendemos revelar ao seu acompanhante algum segredinho de sua vida pregressa, se por acaso soubéssemos de algum? Ou, na pior das hipóteses, — longe de ser o meu caso — que vamos roubar o seu namoradinho? Seja lá o que for, provavelmente uma mulher adulta e segura de si cumprimentaria o seu amigo ou conhecido e até o apresentaria ao seu acompanhante. Sem dúvida, uma demonstração de que ela sabe se relacionar com pessoas e tem muitos conhecidos e amigos. Parece-me que esta é a atitude mais civilizada e evoluída.

Uma querida amiga carioca, no entanto, uma mulher resolvida e sensata, e que guia o seu destino e o de outros pelos astros, disse-me que já viveu situação semelhante, mas que não deixou por menos. Conta ela que quando se batia casualmente com uma certa amiga, e esta estava acompanhada de seu esposo, um sujeito de aparência cansada e olhar enfadonho, ela simplesmente a ignorava! Fingia que não a conhecia, nunca a vira antes em toda a sua vida. Certa vez, conta ela, estava num boteco em Ipanema alegremente com amigos e eis que esta sua amiga veio lhe falar, porque, obviamente o marido tinha sido deixado em casa e por isso ela se sentia segura para falar com "estranhos", ao que ela indagou-lhe mostrando sua indignação: "porque quando você está com o seu marido você não fala comigo? Vê se cresce, garota, pois eu tenho mais o que fazer! Vê se me esquece e não fala mais comigo, tá?" Choquei-me com aquele seu comportamento grosseiro, por saber dela ser uma mulher refinada e educada, apesar de não lhe negar a razão. Ela me explicou: "Quando eu sou boa, eu sou muito boa. Mas quando sou má, sou melhor ainda!"

Rio Vermelho, 4 de novembro de 2010.

domingo, 17 de outubro de 2010

Dos Meus Direitos de Encher o Saco.

Inventei que precisava de um roteador novo. Um mais potente, sabe; um que levasse um sinal mais forte da internet de meu escritório, no segundo pavimento da casa, até o meu quarto, que fica no térreo, e onde costumo escrever pelas manhãs bem cedo logo que levanto. Para quem não sabe, o roteador é como um aparelho de radio que, conectado ao modem, envia o sinal da internet para o notebook, dispensando o uso de fios ou cabos. E, para quem esqueceu para que serve um modem, se você pode me ler agora, é porque deve ter um ligando o seu computador à internet!

Depois de pesquisar por um bom roteador que não fosse muito caro e atendesse às minhas ambições, fui encontrá-lo numa loja do Shopping Paralela. A vendedora, econômica nas palavras, logo informou que em caso de troca, eu teria de ligar para o fabricante e pedir-lhe um numero de protocolo. Tudo agora envolve um numero de protocolo e não se consegue fazer nada sem um! Tava na cara que aquela moça nunca ouvira falar do Código de Defesa do Consumidor e, por isso, ignorava que eu podia voltar com a mercadoria no dia seguinte e pedir minha grana de volta. Mas mesmo assim, não dei ouvidos a ela. O que poderia dar errado, afinal? Comprei o bicho.

Um amigo, um fera nesses assuntos, veio aqui em casa para fazer a geringonça funcionar. Mexe daqui, mexe dali, troca de posição aculá e nada do aparelho se mostrar melhor do que aquele que eu já tinha e que era inferior em potencia em relação ao novo, ao contrario, este era uma carroça. Nem as orientações dadas pela assistência técnica do fabricante — sim, ligamos para a fábrica —melhoraram o desempenho da coisa. Não tinha jeito, aqui em casa ele não funcionou como esperado, apesar de não apresentar nenhum defeito de fabricação. Seu sinal era barrado pelas paredes que ia encontrando pelo caminho até chegar em meu quarto. É que, o maluco que construiu a nossa casa fez questão de fazer as paredes tão duras e grossas que nem um prego entra à marteladas, quem dirá uma coisa tão delicada como as ondas magnéticas de um roteador! Me senti frustrado, já imaginando a dor de cabeça que seria voltar à loja para devolver o aparelho.

Quem já leu algumas de minhas crônicas anteriores já tem conhecimento de que sou um brigão de carteirinha, não resisto a uma boa briga quando o que está jogo são os meus direitos de consumidor e de cidadão. Parto para cima do "agressor" com unhas e dentes, munido de minha razão e de minha lábia. Nunca desisto, a ideia de me deixar vencer é algo que me embrulha o estomago e me tira do sério. No dia seguinte, fui até a loja disposto a não sair de lá sem antes devolver a geringonça e ter o meu dinheiro de volta. Já até havia planejado investi-lo num bom almoço na churrascaria da moda. Eu precisava de algum tipo consolo para a minha frustração e um monte de carne vermelha e saladas, me parecia um consolo razoável. Um cardápio equilibrado, as saladas rebateriam o efeito da picanha com uma boa tira de gordura em minhas coronárias!

Entrei na loja e fui direto até a vendedora do dia anterior. O roteador não funcionou lá em casa, falei pra vendedora. Não quero outro em troca, disse firme. Não devolvemos dinheiro, ela ameaçou. Ah, é? Será? Chame aqui o seu gerente, vou apresentar a ele um negócio chamado de Código de Defesa do Consumidor. A moça foi lá dentro e voltou logo em seguida. O gerente veio logo atrás. Era uma morena bonita dos lábios grossos e sorridente. Em que posso ajudá-lo, perguntou solicita e simpática. Apresentei-lhe o problema com toda a dramaticidade exigida para a ocasião. Ela ouviu-me atentamente e, em seguida, tomou a palavra. O que se seguiu depois foi algo impensado que me deixou desconcertado. Eu fora até lá preparado para uma tradicional briga entre consumidor e vendedor e mas aquilo não estava no meu script. Com um sorriso sinistro, a mulherzinha sacou de uma gaveta do balcão um talão de formulário que o preencheu rapidamente. Vamos devolver o seu dinheiro neste instante, anunciou educadamente. Fiquei engasgado. Pera ai, não assim, tão fácil. O que será que aquela mulher diabólica estava tramando? Olha, não é assim que se faz. Primeiro agente briga e depois vocês jogam a toalha. Estas são as normas, vamos segui-las. Isto é uma falta de consideração com o consumidor. Vocês não podem tomar tal atitude assim a seco. Não vai ter nenhuma discussão? Ninguém ai vai duvidar de minha palavra? E se eu for um cara com más intenções, um terrorista? Eu não estava acreditando que eu estava sendo tratado daquela maneira, tão acostumado com todo tipo de falta de respeito do governo, da prefeitura, da empresa telefônica, do bar em frente à minha casa, da justiça divina, enfim. E logo aquela lojinha presunçosa vinha gozar com a minha cara me tratando com todo o respeito? Quem eles pensam que são? Um total desacordo às normas, um verdadeiro atentado à tudo que se faz neste país. Peguei o meu dinheiro com um sorriso amarelo e agradeci. Pensei em dar uma gorjeta à gerente ou convidá-la para comermos junto aquela picanha gordurosa, quem sabe ela não teve uma queda por mim e quis me seduzir mostrando que conhecia meus direitos de consumidor? Dei meia volta e fui embora indignado, nunca mais volto lá!

Rio Vermelho, 17 de outubro de 2010.

domingo, 3 de outubro de 2010

Bagagem desacompanhada.

Voltei ao Rio depois de longa ausência. Vim passear. Uma amiga de infância, que não via desde a infância, ai você pode imaginar quanto tempo não nos víamos, gentilmente ofereceu-me o seu confortável sofá cama para pouso. Fiquei instalado no escritório de seu apartamento numa rua tranquila, no Flamengo. Me senti em casa, rodeado de bons livros e boa música. O Rio de Janeiro continua lindo, enquanto a velha Salvador cai aos pedaços, abandonada por quem deveria se cuidar dela.

    O voo até o Rio foi muito rápido, como geralmente são todos os voos de avião, e graças a Deus não foi preciso parar no meio do caminho para abastecer, calibrar pneus ou ir ao toalete. O avião pousou no Santos Dumont antes do prometido pela empresa aérea, que é de propriedade de um pastor mórmon, o que me fez concluir que a palavra de Deus tem lá mesmo os seus poderes. Outra amiga de infância já me aguardava lá no desembarque com um caloroso abraço e me levar de carro a meu destino. É mera coincidência o fato de duas amigas de infância morarem no Rio, mas cresci e me criei em outro Rio, que é o Vermelho, embora eu tenha morado na capital carioca algum tempo atrás, sem que ela nunca tivesse abandonado meus pensamentos. É bacana reencontrar amigos de infância depois de tanto tempo sem se ver, ai agente percebe que, fora estarmos mais gordos e encarquilhados, continuamos as mesmas crianças de sempre. Pensando bem, as amizades dos tempos de criança são as mais genuínas, plantadas na inocência da infância, e puras de preconceitos ou de interesses, por isso duram tanto.

    Pois bem, do aeroporto fui deixado em minha morada temporária na Rua Paissandu, no Flamengo. É uma rua comprida de mão única em linha reta, ladeada por duas extensas fileiras de centenárias palmeiras imperiais, plantadas em cada lado do passeio. Inicia-se em frente ao palácio Guanabara e vai morrer na praia. Outrora, o palácio serviu de residência para a princesa Isabel e sua família e, em frente a este, foi aberta a Rua Paissandu, para que a monarca pudesse ir tomar seu banho de mar sem precisar dar tantas voltas. As palmeiras imperiais, portanto, remetem àquela época, foram plantadas ali para dar um ar de majestade ao caminho da princesa. No lugar das antigas mansões aristocráticas que existiam ladeando a rua, foram construídos modernos prédios de apartamento, mas ainda assim, a rua conserva o seu antigo charme e sossego. Fazia um frio agradável naquela tarde, mas não o bastante para eu por um agasalho. A rua, como, aliás, toda zona sul do Rio, recendia suavemente a gás encanado.

    Eram pouco depois das duas da tarde quando cheguei em casa e mal pus a mala no chão, sai para comer de tão faminto que estava, uma vez que havia passado a biscoito e água no voo do pastor. Quem ai já comeu filé-mignon e tomou vinho francês em voo domestico, sabe bem do que estou falando. Lembrei que a poucas quadras dali, em frente ao Largo do Machado, havia, na Galeria Condor, dois restaurantes de comidas árabes. Já havia decidido qual seria o meu primeiro almoço no Rio.

    As comidas árabes merecem a sua fama. Quando bem feitas, e quase sempre o são, são de lamber os beiços. Parei no primeiro árabe que encontrei na Galeria Condor. Era um restaurante de esquina com um balcão de vidro em forma de "u" e sobre o qual se debruçavam dezenas de comedores de quibes, esfirras, charutos de repolho e outras delícias. Come-se ali de pé, não há mesas para sentar e esperar, até porque o serviço é tão rápido que nem dá tempo de esquentar a cadeira. O garçom anota o pedido com uma mão e com a outra o põe à sua frente. Sua agilidade faz com que as pessoas comam mais e saiam satisfeitas e, é lógico, o dono do estabelecimento é que agradece. Ali não há chance para a irritante e folclórica malemolência baiana. Estes garçons sabem que não estão fazendo nenhum favor, e sim prestando um serviço. Pedi, falando lerdo feito um baiano, duas esfirras de carne e um suco de manga que era grosso feito um milk shake. Mal recobrei o fôlego pelo esforço feito, surgiu à minha frente, num pires branco, duas esfirras e o suco.

    Para quem nunca viu ou provou das esfirras cariocas, acredite, elas são deliciosas e diferentes de minhas conterrâneas baianas. Elas são semelhantes em forma, triangular, mas não possuem aquele miolo de pão, isto porque sua massa não cresce ao ir ao forno, o que as torna leves e nos dá vontade de comer sempre outra. Comi e fui dar uma volta pelas redondezas, observando o movimento daquela parte da cidade que é uma mistura de zona comercial e residencial com prédios modernos e antigos.

    Vim sozinho ao Rio. Muitas pessoas não gostam de viajar desacompanhadas, especialmente quando se trata de viagem de lazer como esta que estou fazendo. Sentem-se envergonhadas de ter de sentar sozinhas na mesa de um restaurante e fazer um pedido. Como sou eu mesmo que geralmente pago a minha conta ao final da refeição, não vejo pecado algum em comer sozinho. Uma certa amiga, que anda sofrendo de solidão aguda por não ter encontrado ainda o homem de sua vida, sonha um dia ir à romântica Veneza. Poderia fazer isto agora mesmo se quisesse, pois, grana é o que não lhe falta. Mas é que ela só quer ir à cidade das gôndolas com a pessoa amada, assim como a donzela que se resguarda para o dia em que encontrar seu príncipe encantado. Vai logo, sua boba, eu lhe disse, há centenas de cidades românticas pelo mundo afora. Mas, e se eu estiver lá em Veneza e ver uma coisa linda? Pra quem é que eu vou dizer 'que coisa linda!', se eu estiver sozinha? Ora, menina, você vê com os seus olhos e sente com o seu coração, respondi. Além do mais, pode acontecer de o seu príncipe encantado ficar mais emocionado ao ver um boi no pasto do que olhar para a insossa Ponte dos Suspiros!

Rua Paissandu, 21 de setembro de 2010.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As coisas simples da vida ou uma manhã de sábado inusitada.

Aproveitei a bonita manhã de sábado e saí com destino à Perine da Vasco da Gama. A semana tinha sido uma daquelas de muitas chuvas e frio que faz baiano usar casaco de pele na Estação da Lapa e ir de bote para o trabalho. Ventou muito também, e o mar cinzento e revolto era um espetáculo à parte bonito de ser ver. Para quem nunca ouviu falar, a Perine é uma espécie de mercado chique onde a burguesia satisfaz a gula por produtos alimentícios importados ou iguarias de primeira qualidade. Encontra-se lá desde o melhor vinho francês ao simples pão feito de trigo de verdade, como não existe em nenhuma outra padaria de Salvador. O motivo de minha ida até esta Meca da gula foi o de comprar tâmaras secas que minha mãe tanto gosta, e como ela é uma octogenária muito querida, faço-lhe com prazer este pequeno mimo.

    Sempre que vou fazer compras na Perine tenho o cuidado de passar antes em sua lanchonete para comer um salgado, observando a orientação de experts em compras que nos aconselham a nunca ir ao mercado de estomago vazio, pois, do contrario, corre-se o sério risco de comprar coisas demais! E quando se trata da Perine, é sempre bom tomar cuidado redobrado! Mal sabe a direção da casa, no entanto, que aquela lanchonete está prejudicando o faturamento da loja! Depois da merenda, fui até a seção de bebidas procurar um bom licor para presentear uma querida amiga de infância que vai me receber em sua casa no Rio por alguns dias. Eu gosto muito de dar presentes, e muitas vezes sem motivo algum. Tem gente que acha estranho recebê-los fora de data comemorativa e veem nisso uma intenção oculta, algum tipo de conspiração! Depois de não encontrar o licor que eu queria, fui às tâmaras secas.

As tâmaras são um alimento completo, rico em vitaminas e proteínas vegetais que é cultivada em países da Ásia e África. Contam que Haile Selassie I, um antigo imperador etíope que viveu até os 83 anos, creditava à dieta de tâmaras com leite de leoa a razão de sua longevidade. E os colonizadores ingleses na Índia, ignoravam as qualidades alimentícias das tâmaras e, por isso, não sabiam que Gandhi enfrentava os seus famosos e longos jejuns contra o domínio do Império Britânico alimentando-se discretamente com duas tâmaras e um pouco de leite de cabra! Ao pedir por tâmaras à funcionaria, ela abriu um grande pote de acrílico onde elas eram acondicionadas e, com uma cara de nojo, disse: 'É só o que temos'. Olhei para dentro do pote e tudo que vi foi uma maçaroca de aspecto duvidoso que lembrava alguma coisa parecida com tâmaras. Fiquei desapontado que o meu motivo de minha ida à Perine parecia ter sido pisoteada por um trator. Fiz uma cara feia também e desisti delas. Para não perder a viagem, dei uma volta pela loja e passei diante de uma outra funcionária de pé ao lado de uma mesa com frios e outros quitutes oferecendo degustações. 'O senhor deseja provar a nova salsicha petisco da S.?' Perguntou educadamente. Aceitei com um largo sorriso, como algum tipo de compensação pelas tâmaras amassadas. Eu sempre me perguntei porque que nessas degustações de salgados eles nunca oferecem uma cerveja para acompanhar, sabe, para o consumidor ter uma ideia de como o produto cai bem com uma bebidinha.... 'Uma cervejinha importada?' Ofereceu a moça. 'E tem?' Perguntei levantando as sobrancelhas. Logo em seguida ela encheu um copo de vidro que me deu. Estava geladinha, era uma cerveja holandesa muito leve e saborosa. Comecei a ficar alegrinho. 'Quer provar um patêsinho?' 'Ô meu Deus...' Eu bem que queria comprar uns croissants, uns petit fours e umas frutas, mas depois daquela comilança não pude pensar em comprar mais nada! Fui embora de mãos vazias. Mas como eu estava decidido mesmo a não chegar em casa sem as tais tâmaras, rumei para a CEASA do Rio Vermelho, onde eu sabia que opções era o que não me faltariam.

    Ao pousar na CEASA, encarei uma multidão de clientes de fim de semana que só tem no sábado a oportunidade para fazer as compras da semana inteira. Era um burburinho de feira em volta das barracas abastecidas de frutas e verduras frescas acabadas de sair das hortas. Fui direto na Natureza, que é uma barraca que tem de tudo e de qualidade. Uma funcionária me ofereceu uma degustação de tomates secos ao que recusei. 'Não obrigado, mas aceito o numero de telefone daquela moça ali, se você tiver.' Disse-lhe admirando uma cliente muito linda que comprazia-se enfiando delicadamente na boquinha de vedete um bago de jaca dura. 'Isso eu não tenho, não senhor.' Respondeu a funcionaria com um sorriso maroto. Um rapaz de avental sorridente aproximou-se para me atender. Ao meu pedido, encheu pela metade um saco com tâmaras que deixavam a famosa Perine no chinelo. Estavam novinhas e soltas, provei uma para confirmar se estavam saborosas como eu imaginava, e realmente estavam uma delicia. Peguei uns sequilhos e figos cristalizado que aprecio muito. Em seguida, me dirigi à fila do caixa que, para o meu espanto, estava longa demais. Não gosto de filas de nenhum tipo, nem para receber ou dar dinheiro, e muito menos para conseguir uma mesa em restaurante. Acho que deveria ser o contrário, eles é que deveriam fazer fila para me servir! Como o mundo não é perfeito, fui resignado para o final da fila, aguardar feito um cordeiro pela minha vez. Mal cheguei carregando os meus embrulhos, um funcionário, um rapaz alto com uma touca no alto da cabeça, aproximou-se de mim gentilmente e pediu para calcular o total de minhas compras. Imaginei que isto era para facilitar o serviço do caixa que estava abafado com uma fila tão grande. Mas ao terminar de somar as coisas ele disse-me o valor e ficou parado ali ao meu lado como que esperando. 'Mais alguma coisa?' Perguntei. 'O dinheiro.' Respondeu. E eu que estava ali, o ultimo da fila e ia poder pagar minhas compras sem precisar esperar até chegar ao caixa! Pensei que havia algum engano, mas era isto mesmo confirmou o rapaz. Dei uma nota de vinte e fui embora sorrindo. Não precisei de muito para começar bem o dia!

    Antes do almoço, fui na casa do vizinho tomar a costumeira cerveja de sábado na companhia de amigos e falar mal do governo. Contei-lhes a minha ida à Perine e à CEASA e eles, invejosos, ralharam: 'Mas como tu mente, Cristiano!'

Rio Vermelho, 1º. de setembro de 2010.

domingo, 25 de julho de 2010

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Estórias para quem tem pouco tempo.

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Valeu!

O caso do carro roubado

Um de meus queridos amigos é um jovem octogenário, um sujeito parrudo de gosto refinado e que possui uma respeitável pança da circunferência de um barril de carvalho, cevada na cerveja em abundancia e quitutes finos e caros. Aos sábados pela manhã, ele abre o seu sobrado para receber, religiosamente, não só a minha visita para a costumeira cervejinha geladíssima como a de um tio, um senhor de mais de 95 anos, o Sr. FF. São momentos agradáveis estes e que eu aguardo com muito prazer. E é admirável de ver como nesta família, chega-se com facilidade aos cem anos com boa saúde e cabeça. Por conta de ter vivido tanto tempo e de amealhar tantas experiências, vez por outra o velho Sr. FF. nos brinda com uma estória interessante. Recentemente ouvi uma delas tomando uma cervejinha gelada e comendo amendoins cozidos, e por acha-la tão curiosa, não resisti a reconta-la aqui.

Nos idos dos anos 80, o Sr. FF. resolveu por bem aposentar seu velho Chevrolet e comprar um carro novinho em folha para o seu uso próprio e de sua amada esposa. O Sr. FF. foi, então, até um parente que era um capitão de uma fabrica de carros e este lhe vendeu um modelo de luxo quase que ao preço de custo. São raros os casos em que pessoas têm a grata satisfação de possuir como parente próximo um chefão da indústria automobilística, ainda mais quando este é tão generoso a ponto de lhes vender um de seus melhores modelos a preço de banana. O Sr. FF. levou, então, o veículo novinho para casa e o guardou em sua garagem no fundo do quintal. Foi um caso de amor à primeira vista, nunca tivera um automóvel tão sofisticado, elegante e macio de dirigir. Ele era visto com frequência pelas redondezas, todo final de tarde, dirigindo-o sorridente como se estivesse passeando com uma moça bonita. Estando muito satisfeito com o seu novo automóvel, certo dia ele o usou para conduzi-lo ate um casamento. Ao chegar ao local, teve o cuidado de estaciona-lo logo abaixo de um poste, imaginado que a luz seria o suficiente para afugentar o seu bem precioso da cobiça de puxadores. Ao sair do automóvel, quase como por um passe de mágica, um desses guardadores de carro surgiu à sua frente soprando o seu apito e informando-lhe que não se preocupasse pois estaria de olho no veículo. Mas que guardador que nada, o Sr. FF. ao voltar da igreja onde se dera o casório, verificou que seu automóvel novinho em folha sumira. Evaporara-se! Não obstante, o guardador de pronto surgiu do nada para receber a remuneração pelo seu serviço. 'Você guardou meu carro onde, seu filho de uma égua? Ele sumiu!' Bradou o Sr. FF. com os dentes cerrados de raiva.

Como geralmente se faz neste tipo de situação, o Sr. FF. se dirigiu a uma delegacia onde prestou queixa do roubo de seu veículo, e não tendo mais nenhum negócio a fazer ali, voltou para a sua casa desalentado, para aguardar pelos acontecimentos. Passou-se um dia, dois, uma semana e nenhuma notícia de seu carro roubado. As semanas de angustiosa espera se tornaram em meses e no primeiro ano de aniversário do desaparecimento do veículo, o Sr. FF. já tinha há muito dado o caso como perdido, ate adquirira outro automóvel com o dinheiro do seguro, desta vez, escolheu um modelo mais modesto e menos chamativo. Vivemos numa sociedade onde quem tem coisas boas corre o risco de perdê-las para os larápios sem que estes jamais saibam o que é o sol nascer quadrado. O Sr. FF. trabalhou duro para comprar o sonhado automóvel de luxo e, embora tenha pago barato por ele, graças à generosidade de um parente, ainda assim aquele propriedade era fruto de seu esforço.

Mas como nesta vida nada é certo e definitivo e muitas vezes somos surpreendidos pelo improvável, cinco anos se passaram até que certo dia o Sr. FF. recebe um sinistro telefonema. 'É o Sr. FF. que está falando?' Perguntou a voz do outro lado da linha. 'O senhor teve um veiculo roubado assim, assim?' A princípio, o velho nem lembrava mais da tal estória, que acontecimentos aborrecidos como aquele é bom apagá-los da memória. 'Tive sim, mas isto foi há muitos anos.' Respondeu o velho assustado com o telefonema. 'Encontramos o seu carro, ele esta aqui na porta da delegacia, pode vir buscá-lo.'

Não é que cinco anos depois do carro ter sido roubado, ele foi encontrado numa cidadezinha próxima? Curioso, o velho lançou-se na empreitada de ir lá buscá-lo, ou melhor, dar fim no que havia restado dele depois de todos aqueles anos. Ao chegar até o local informado onde encontraria o seu carro, numa garagem de propriedade da polícia, qual não foi o seu espanto ao por os olhos no veículo que, apesar de estar todo empoeirado, encontrava-se igualzinho do jeito como o vira da ultima vez! Mas sua surpresa não parava por ai, ao verificar o velocímetro, pouco mais que oitenta quilômetros haviam sido rodados durante todo aquele tempo. Mas tem gente que tem muita sorte, mesmo!

Rio Vermelho, 24 de julho de 2010.