terça-feira, 22 de outubro de 2013

Como Se Livrar de Chatos

Não me refiro aqui àquele tipo de chato que nós homens acidentalmente adquirimos ao conhecermos intimamente uma dama a qual recompensamos monetariamente pelos seus favores. Falo de gente insistente. Não há nada mais aborrecido que receber telefonema de serviço de telemarketing. Quase sempre tentam nos vender algo que não precisamos ou querem roubar nosso precioso tempo fazendo uma pesquisa cujo resultado dificilmente tomaremos conhecimento ou nos beneficiará de alguma forma. Este pessoal parece ter pós-graduação em escolher os momentos mais inoportunos e fazem isto de maneira insistente e de um modo polido e refratário. Pode-se dizer qualquer grosseria para eles e eles continuarão lhe tratando com a mesma frieza e educação, sem demonstrar qualquer emoção ou contrariedade, seguindo um roteiro de diálogo previamente ensaiado. Depois da classe política, esta talvez deva ser a profissão mais odiada. Há quem os defenda argumentando que eles estão apenas fazendo o seu trabalho, no que eu concordo, mas que trabalhinho chato este!
         Certa vez, eu almoçava na casa de um amigo quando fomos interrompidos por um destes telefonemas. Espirituoso, ele explicou à moça do outro lado da linha que estava na sua hora de almoço e antes que ela insistisse em realizar a sua tarefa, ele perguntou o número do telefone dela e em que horário ela almoçava, pois iria lhe retornar a ligação durante o almoço dela!
         Eu nunca tive a sua presença de espirito e sempre que eu recebia um telefonema perguntando por mim dizendo o meu nome completo num tom bastante formal, eu já sabia só poderia se tratar de uma ligação de telemarketing. O melhor que eu conseguia fazer para me livrar do aborrecimento era dizer que eu não estava. Ora, minha tática era pouco eficiente, pois se eu não estava, nada mais previsível que ligassem novamente até me encontrar em casa e era justamente isto o que acontecia. Mas eles são muito espertos, como Cristiano Teixeira nunca estava, eles passaram a me telefonar e perguntar de modo bem casual: “O Cristiano está ai?”
         Certa vez resolvi enfrentar o problema de frente e quando a moça do outro lado da linha perguntou por mim, não fiz como das outras vezes, respondi-lhe que era eu mesmo que estava falando. Deixei que ela tentasse me vender o seu peixe e depois de ouvi-la disse que não estava interessado. Entretanto, dizer a uma pessoa do telemarketing que eu não estava interessado era o mesmo que dizer-lhe que eu não estava em casa. Não estar interessado não faz nenhuma diferença para esta gente, pois eles voltarão a lhe ligar mesmo assim, infinitas vezes, mesmo que você os mande para o inferno. Eles foram treinados para ir sempre ao inferno, não reagir a abusos verbais ou qualquer outro tipo de provocação. Qualquer outra resposta que não soe como um “sim”, bate e volta.
         Se você quiser se livrar realmente de uma ligação de telemarketing e garantir que pelo menos aquela não se repita, use a última tática que inventei num dia de rara inspiração. Você precisará usar um pouco de talento teatral, no entanto. Quando a moça do telemarketing chamou pelo meu nome e sobrenome, fiz uma pausa dramática deixando-a no suspense (estas pausas funcionam muito, caso queira causar uma impressão no interlocutor). Em seguida, com a voz carregada de emoção informei-lhe que eu havia falecido, ao que ela educadamente desculpou-se. Então eu lhe disse docemente: “Não tem porque se desculpar, minha filha, você não sabia.” Depois acrescentei quase suplicando: “Por favor, não telefone novamente, pois eu fico muito emocionado quando ouço o nome desta pessoa.” E ela não ligou nunca mais, não falha nunca!

Salvador, 21 de outubro de 2013.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ele Está de Volta

Não que ele tivesse ido embora ou coisa assim. É só uma maneira de dizer que os dias chuvosos de outono se foram embora, assim como os ventos fortes e, por isso, sem as nuvens cinzas que o escondiam,  o sol voltou a brilhar forte e belo para alegria geral. Como uma decorrência da mudança de estação, o sol também passou a se pôr mais a leste e aqui do Rio Vermelho agora é possível contemplá-lo mergulhando no oceano e não mais por detrás do morro da favela e prédios da decadente Salvador.
         Eu também saí da toca e voltei a caminhar. Faço isto diariamente ao longo da Praia de Santana até a segunda escada da Praia da Paciência e repito este mesmo percurso meia dúzia de vezes no final da tarde, quando o sol já está se pondo e até a escuridão tomar conta das ruas com seus medos. E é neste momento do dia que observo como magnetismo mágico do astro rei atrai multidões até a praia para testemunhar os seus últimos raios de luz.
         Entretanto, algo tem mudado no modo como as pessoas apreciam o pôr do sol. Não encaram mais este momento sublime com o mesmo olhar contemplativo que tanto inspirou poetas, músicos e amantes.  Ao invés disso, utilizam um aparelho de celular com câmera fotográfica que antepõem entre si e o cenário magnífico que acontece à sua frente. Cada momento desta trajetória do sol precisa estar fixado no aparelho e o prazer de assistir o sol se pôr foi substituído por uma atitude de quem está anotando uma receita de bolo ao invés de degustá-lo. O prazer real se dará quando as fotos aparecerem no monitor do computador, na página de uma rede social qualquer para que a pessoa diga ao mundo como ela sabe curtir os bons momentos da vida, o que me parece ser uma espécie de contemplação de si mesma.
O prazer de se curtir os momentos bons da vida vão sendo substituídos pela prática de documentá-los ao invés de vivenciá-los. Os celulares em posição de ataque vão substituindo o olhar puro e simplesmente. Enquanto isto, o sol vai se pondo solitário oferecendo um espetáculo àqueles que gostam de ver o mundo com os próprios olhos. Mais adiante, dois amigos se encontraram e um perguntou ao outro: "E aí, é bonito o lugar que você conheceu na viagem?" O outro responde: "Não sei, ainda não postei as fotos".


Rio Vermelho, 11 de outubro de 2013.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Velhice ou Velhaco Precoce?

À medida que os anos passam, eu vou me tornando um sujeito mais cínico. Não sei ao certo se isto é decorrente de um processo natural do envelhecimento ou se, de fato, estou ficando mais cínico, mesmo. Outro dia, enquanto eu aguardava a minha vez na longa fila do banco, a atendente me chamou, achando que eu fosse uma pessoa idosa e, por isso, tinha prioridade no atendimento. Já era a terceira vez que algo semelhante me acontecia, e, diferente das ouras vezes em que eu desfiz o engano, olhei desanimado para a longa fila à minha frente e depois lancei um olhar de candura para a moça do caixa me dirigindo em sua direção com os passos lentos de um idoso. Acho que até tossi um pouco para demonstrar que aquela poderia ser a minha ultima fila.
Ainda que falte muito tempo até que eu goze de tais privilégios, eu não me ofendo se me tomam por um sexagenário, embora, minha aparência não esteja tão ruim assim. Quando eu faço a barba, corto os cabelos e tomo um bom banho, fico novo em folha! A verdade é que eu detesto aguardar em filas – e quem gosta? – e se me tomam por tão velho a ponto de merecer um lugar antes de todos, eu me vingo! Entretanto, não ajo como outros que estacionam em vagas para idosos ou deficientes físicos. Minha birra é só com as filas quilométricas de banco no início do mês e da lotérica em dia de jogo acumulado. Eu fico me perguntando, porque será que idoso tem prioridade para jogar?
Dia desses, eu aguardava o sinal para atravessar uma movimentada rua aqui no Rio Vermelho. Era um daqueles horários da manhã que aparecem automóveis de tudo quanto é lado. Enquanto eu esperava pacientemente pelo sinal verde para pedestre, notei que ao meu lado também esperava uma bela moça. Depois que uma faculdade particular para filho de gente rica se instalou aqui no bairro, não apenas os congestionamentos por aqui aumentaram, as contramãos em vias de mão única também e as calçadas se tornaram estacionamentos para os automóveis dessa gente bonita e civilizada, mas um grande número de moças bonitas começou a circular pelo bairro durante o dia, equilibrando-se desajeitadas sobre finos e longos saltos altos. Uma dessas beldades ao ser questionada por mim, depois de colocar os quatro pneus de seu lindo carrinho sobre o passeio de uma rua movimentada, respondeu-me que estava no seu direito, uma vez que não havia placas no local proibindo-a de fazer aquilo!
Voltando à moça ao meu lado no semáforo (é assim que o baiano chama o sinal luminoso de tráfego). Eu sorri para ela encantando e ela me devolveu o sorriso com a mesma simpatia. Para a minha satisfação, ela até chegou mais próximo de mim. Foi quando o sinal abriu para nós e ela num movimento rápido surpreendeu-me segurando o meu braço na altura do cotovelo dizendo: “Vamos?” Ao que eu perguntei chocado: “Para onde?” Ela responde: “Atravessar a rua, o senhor não estava querendo uma ajuda para atravessar?” Por mais esta eu não esperava, mesmo!

Rio Vermelho, 17 de setembro de 2013.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A Luta Para Nascer ou Pelo Renascimento do Parto Natural

Outro dia eu estava empenhado na simplória tarefa de comprar um papeiro. Caso alguns desconheçam este útil artefato de cozinha, informo-lhes que se trata de uma pequena panela de metal, muitas vezes com o acabamento feito de ágata, usada para fazer mingau para o bebê. Eu o uso para ferver um ovo, por exemplo, fazer molhos e, é claro, fazer mingau de aveia, minha refeição preferida no café da manhã. Aquele que me serviu por tantos anos, de tão velhinho que estava, o cabo desprendeu-se da panela. Sem conserto, foi aposentado com honrarias, por relevantes serviços prestados (joguei no deposito).
         Percorri três grandes shoppings da cidade e neles entrei em lojas especializadas em artigos para bebês, em lojas de variedades para a casa e em lojas de artigos para a culinária. Em nenhuma delas encontrei um único papeiro. A procura por um substituto ao que eu tinha me levou ao conhecimento de uma triste realidade de nossos tempos. As mães de hoje não fazem mingaus para os seus bebês, dá muito trabalho. Preferem comprar um produto industrializado que vem numa lata bonita. É só misturá-lo ao leite morno e voilá! Será que esta maravilha moderna é realmente saudável ao desenvolvimento do rebento? Foi sepultado de vez o romantismo de fazer com amor o mingau da criança, mexendo-o com a colher de pau em frente do fogão, como fizeram muitas mães de minha geração. As jovens mamães de hoje em dia tem mais o que fazer.
         Mães modernas desejam praticidade e não ter tanto trabalho. Até o trabalho de parto tem rejeitado. Somos o país do mundo campeão em cesariana. É tão conveniente marcar o dia e hora em que vai se dar a luz, nada da nojeira da bolsa rebentando e sujando o assoalho limpo, nada de correr para o hospital sentindo dores e contrações no meio da madrugada, no fim de semana. Nem sentir as dores lancinantes provocadas pela criança procurando o caminho de entrada neste mundo insano. Para o médico é, também, um alívio não ter a inconveniência de um parto no meio de seu fim de semana à noite, interrompendo o seu merecido descanso na casa de praia. Faz bem à sua conta bancária.
         É triste, mas é uma dura realidade, jovens mães abdicaram do direito ao parto natural.  Algumas por vontade própria e conscientemente, outras por indução daqueles que elas escolheram para cuidar de seu bem estar, que um parto cesariano é mais lucrativo financeiramente. Precisa falar mais? Jovens mães, não renunciem de uma experiência que é só da mulher e que só trás benefício ao seu bebê. Sabiam que enquanto o bebê está na barriga da mãe ele está num ambiente “esterilizado” e ao sair para mundo, por vias naturais, este é batizado ao longo do caminho com um coquetel de “germes” que ajudam o seu sistema imunológico a enfrentar a barra aqui fora?
         O nascer por via do parto natural é um grande esforço para a mãe e é, também, a celebração de sua experiência de gestação plena e bem sucedida, um fato único em sua vida, um ritual de passagem para se tornar mãe. Ela conseguiu, foi até o fim! Não passar por esta última parte é como ler um livro e abdicar do capítulo final, não viverá a emoção do final da estória. Algo vai sempre estar faltando... Nascer pelo parto natural é, também, a primeira grande luta do bebê para chegar ao mundo. Outras lutas virão mais adiante, mas se ele conseguir enfrentar pelo menos esta, ele terá a garra para as outras que surgirão pela frente. E se, ao contrário, ele for poupado desta primeira luta, como será a sua existência frente às muitas dificuldades que ainda surgirão pela frente?

         Rio Vermelho, 3 de setembro de 2013.

         

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Em Nome do Pai

Aqui perto de casa existia as ruínas do que outrora fora uma pracinha de bairro cujo tempo e falta de zelo encarregaram-se de torná-la esquecida e desprezada. Tomada pelo capim alto e sujeira, certo dia, um ex-morador das vizinhanças que foi trabalhar ao lado do prefeito, para provar o seu prestígio junto ao alcaide, conseguiu deste que reformasse a praça e a tornasse num espaço útil à comunidade. Bravo! Terminado os demorados serviços de reconstrução, este mandou colocar no centro da nova praça o busto de um homem de óculos pesados e olhar severo e batizou-a com o nome de seu saudoso pai, um ilustre desconhecido.
         Ora, quem de nós não gostaria de homenagear o próprio pai com um monumento em seu nome ou uma rua ou avenida? Sem querer desmerecer o genitor de alguém, não haveria praças, pontes, viadutos e logradouros públicos em quantidade suficiente para prestar tal distinção. Enfim, a praça ficou bela e aprazível. Além do insólito monumento, ganhou, também, bancos de madeira, escorregador, gangorra e balanço para as crianças. O busto do desconhecido até conferiu um certo charme ao local, que passou a ganhar vida com a frequência de moradores do bairro de dia e à noite.
         Talvez alguém, com inveja ou protesto por não ter conseguido, também, prestar um tributo ao próprio pai, colocando nem que fosse uma placa com o seu nome num dos bancos da praça, foi lá sorrateiramente e roubou os óculos do homenageado, dias depois da inauguração que foi uma festança com direito a acepipes, fanfarra e fogos de artifício.
         O ato de vandalismo foi repudiado por todos. Poxa a pracinha estava tão bonita, quem fez aquilo não gostava de ver a cidade arrumada. Mas o filho do ilustre desconhecido mostrou que tinha mesmo prestígio. Dias depois, o escultor autor do busto foi lá e pôs novo par de óculos no monumento.
         Ao todo, foram cinco vezes, ao longo de quatro anos, que fizeram sumir os óculos do rapaz. O vândalo era insistente em seu propósito e o filho do homenageado em sua determinação de ver o pai usando óculos, como se naquela altura da vida e em sua atual condição estática aqueles lhe fosse de alguma utilidade ótica.
         Certo dia, no entanto, anos depois, um renomado restaurador de monumentos com diploma em cursos na Europa apareceu na pracinha, contratado pela prefeitura para fazer uma limpeza no tal busto e colocar-lhe novo par de óculos. Ao ser arguido por um antigo morador do bairro, um idoso proveniente de algum fim-de-mundo na Itália que, sentado num banco, tomava o seu habitual banho de sol matinal, lhe respondeu que iria colocar, mais uma vez, os óculos na estátua. O italiano achando graça naquela novidade e veio com a seguinte brilhante ideia: “Por que você não coloca lentes de contato no ilustre? Ele vai parecer mais jovem e, por certo, vai ficar mais difícil de roubá-las.” O restaurador achou a sugestão uma piada, onde já se viu colocar lentes numa estátua. Entretanto, ao concluir o seu serviço ao cabo de dois dias de trabalho, o artesão rendeu-se a sabedoria do velho italiano e pôs no monumento, desta vez, um par de lentes de contato novinho em folha, as primeiras de que se tem notícia, usadas por uma estátua!

Rio Vermelho, 25 de agosto de 2013.

domingo, 18 de agosto de 2013

É Isto Que Chamam de Amor?

A mulher muito desejada pelos homens conta, sem pudor, o seu segredo para deixá-los loucos por ela: “Eu piso neles. Digo que vou telefonar e não telefono. Combino de sair com eles e na hora furo. Desprezo-os, maltrato-os mesmo. Eles ficam louquinhos por mim!”
Quem já teve o infortúnio de ser vítima de uma pessoa como esta, talvez desconheça o fato de que elas são, na verdade, umas predadoras. Insensíveis. Só aquele que já passou pela experiência de ter os seus sentimentos manipulados de tal modo, sabe como isto é doloroso. Entretanto, existem pessoas que acham que isto é que é o amor.
Isto nem mesmo em nada tem a ver com a arte da conquista. Pelo contrário, mais se assemelha a algum tipo de manifestação de sadismo pela qual um exerce o seu poder sobre o outro através da tortura emocional. As que agem assim, dão a isto o inocente nome de “joguinhos de conquista”. Mas longe disto ser algo inocente, é, na verdade, uma forma equivocada de perceber o outro, sem levar em conta os seus sentimentos ao agir para conquistar a sua afeição, mesmo que faça isto sem maldade alguma. Só as pessoas inseguras é que jogam o tempo todo, incapazes que são de cultivar uma relação de confiança e sinceridade, estão sempre aflitas em obter provas do amor do outro.
Para tanto, umas somem propositalmente por alguns dias para forçarem o outro a procurá-la e assim terem certeza de seu amor. Outras marcam compromissos que desmarcam em cima da hora (isto quando se dão ao trabalho de fazê-lo) com o intuito de deixar o outro com mais vontade ainda de vê-la, enfurecido por ter esperado tanto tempo em vão. Ou simplesmente não atendem aos telefonemas do outro, ignoram os seus e-mails e “torpedos” para demonstrar que têm mais o que fazer. Ou simplesmente se fazem de difíceis inventando desculpas inverossímeis cada vez que recebem convites para se encontrarem. É assim que muitas agem quando percebem que são desejadas, é assim que exercem o seu poder sobre o outro, esmagando o seu coração.
Alguém pode achar que este tipo de mulher sabe como “domar” os homens e que ela se dá bem no amor. Pelo contrário, tal comportamento a transforma numa espécie de desafio para eles que, ao se satisfazerem, finalmente, perdem o interesse, somem como uma criança que cansou do brinquedo novo. É neste momento que ela, então, transforma-se em vítima e os homens em “todos são iguais”. No entanto, refazem-se procurando uma nova vítima e o resultado é mais um desapontamento. Infelizmente, estas mulheres entram num ciclo vicioso sem perceberem o mal que fazem a si mesmas. Então, por que não serem sinceras e demonstrarem de início que estão interessadas pelo cara ou despachá-lo de primeira?
É estanho o comportamento humano e os motivos que tornam a sua psiquê satisfeita. Outro dia uma amiga contava para outra que estava relacionando-se com um homem sádico que a submetia a todo tipo de perversão e humilhação: “Encontrei finalmente o homem da minha vida”, disse ela feliz.

Salvador, 14 de agosto de 2013.

domingo, 28 de abril de 2013

O Taxista Apaixonado

Sexta-feira, vesti minha roupa de domingo e fui ao encontro com a moça de meus sonhos. Um táxi casualmente passava em frente de casa, fiz sinal e ele parou. Toca pro corredor da Vitória, eu disse, que a moça já está me esperando. Falei assim para impressioná-lo, queria que soubesse que não sou um João de Ninguém, pois à minha espera, estava uma bela moça. Era para ele andar mais rápido, também, e escolher o caminho mais curto. Mas não menti totalmente. Havia, sim, uma moça na parada, mas eu era quem iria esperar por ela. Meu coração batia de tanta felicidade, como o de uma criança que acabou de ter encontrado com Papai Noel. O taxista, percebendo a minha ansiedade, arriscou:
         — É tão bom ir encontrar-se com namorada nova, não é mesmo?
         — Esta não é nova e nem é velha. É apenas um projeto amoroso que, pelo andar da carruagem, nunca deixará o plano das boas intenções.
         — Eu estou entendendo o que o senhor está me dizendo... – disse pensativo.
         — Este é um daqueles casos complicados que não ata e nem desata, entende? Um joga confete no outro, mas nenhum dos dois toma a iniciativa.
         — O meu caso é um desses complicados também. – lamentou o taxista.
         — E eu já até tentei me declarar, falar-lhe do meu amor por ela, mas ela não deixa, pois ela tem o dom da palavra: fala pelos cotovelos!
         — O senhor permite eu lhe dizer uma coisa?
         Imaginei que viria de lá um daqueles conselhos de taxistas. Eles sempre têm solução para tudo e sabem das coisas melhor que ninguém. Se no Congresso só houvesse motoristas de táxi e se fossemos governados só por eles, o Brasil, com certeza, seria um país bem melhor. Não haveria inflação ou desemprego, nem mais pobreza, o problema da violência estaria resolvido, o corrupto iria ver o sol nascer quadrado o resto da vida, nossa educação seria melhor que a da Coreia do Sul, a soja não apodreceria no caminhão na fila de espera para ser embarcada no navio, não haveria mais seca no Nordeste, nem filas em hospitais públicos e a nossa Seleção teria uma escalação de fazer gosto. Mas, ao invés de dar um conselho, ele me surpreendeu.
         — Eu estou muito apaixonado. – declarou emocionado.
         — É... Também padeço da mesma moléstia.
         — Mas o senhor tem sorte, vai encontrar com a moça daqui a pouco, assim que eu lhe deixar em seu destino. A minha mora lá no fim do mundo, no Amapá.
         — A minha situação não é muito diferente. É como se ela morasse no Cazaquistão, só vejo de andorinha em andorinha e, às vezes, nem isso. Você a conheceu pela internet?
         — Não. Conheço-a em carne e em osso! – disse com orgulho.
         Curioso, perguntei:
— E como foi isto?
— Ela veio a Salvador a trabalho, fui seu motorista o tempo todo. Ela é uma empresária lá na terra dela, muito bem de vida, por sinal.
— Ah, sim...
— Agente foi se entendendo e sabe como são estas coisas...
— Comeu-la?
— Não! Não houve oportunidade, mas rolou muito carinho. Agente saía pra namorar todas as noites e quando ela estava livre do trabalho. Íamos jantar fora, estas coisas. Ela pagava tudo, não deixava eu ter despesa alguma, me tratava como um príncipe. – os olhos marejaram.
— Que bacana.
— Antes de ir embora, quis me dar um relógio de presente, mas não aceitei. Não aceito presente caro de mulher, não sou homem disso.
— Agiu corretamente. – eu disse, embora pense o contrário. Que mal tem em receber um presente caro?
— Meu senhor, eu não paro de pensar nessa mulher, eu penso nela noite e dia. Eu tô aqui conversando com o senhor, mas estou pensando nela. É um tormento, nem durmo mais direito de pensar tanto nela.
— Eu sei como é isto...
— Estou com muita saudade... Ela não me telefona, eu fico esperando uma ligação dela, mas até hoje ela não me telefonou, depois que voltou pro Amapá.
— Mas porque você não faz uma surpresa a ela e liga você mesmo?
— É meio complicado...
— Como assim? Não tem o telefone dela?
— Tenho sim. Mas vai que o marido dela atende o telefone?

Rio Vermelho, 27 de abril de 2013.
          

sábado, 13 de abril de 2013

O Poeta Deformado

Aos 56, Horácio de Mattos era o poeta preferido dos intelectuais boêmios e habitués de bares noturnos, dos aposentados da praça no centro da cidade onde intermináveis partidas de dominó eram travadas, dos entediados passageiros de ônibus, dos passantes apressados de qualquer esquina movimentada, dos apaixonados, dos amantes, onde houvesse público, porque ele era um poeta de rua, declamava seus poemas onde o público estava. Mas para ganhar a vida, tirar o seu sustento, a sua realidade era bem mais dura, pois ele era o faxineiro da noite de uma escola pública.

            Horácio sofria a angústia daquela vida dupla. Afinal, qual homem dos versos, sensível, talentoso, romântico, sonhador seria feliz dependo do trabalho braçal para sobreviver? Mas aquele conflito estava longe de ser tudo. Isto porque, a sua coleção de belos poemas não estava guardada em outro lugar além de sua memória e da qual ele dependia visceralmente para ser poeta. A verdade era que não existia um único registro de suas poesias num caderninho ou simples folha de papel que fosse. Estava tudo mesmo guardado em sua cabeça.

O motivo para o uso daquele sistema de arquivamento rudimentar era simples e ao mesmo tempo trágico: o nosso grande poeta não sabia escrever. Nem ler. O homem que usava a palavra como ferramenta de trabalho era incapaz de reconhecê-la grafada no papel, num letreiro de rua, no ônibus o qual tomava para ir ao trabalho. Muito menos sabia reproduzi-la com lápis sobre a parede. Horácio era analfabeto de pai e de mãe.

A alfabetização é uma das pedras angulares da civilização. Ser analfabeto é ser deformado. E o desprezo que antes era dirigido à aberração física pode, talvez com mais justiça, recair sobre os analfabetos. Não era por menos que Horácio fazia de sua limitação intelectual um segredo do qual se envergonhava.

            Havia outro mistério que tornava a vida de Horácio mais dura ainda. Seus poemas eram verdadeiras odes ao amor e à felicidade. Não era ele o poeta do amor não correspondido, do coração partido, do amor desfeito, da desilusão amorosa. Ao contrário, ele celebrava a realização plena do amor, o encontro da pessoa amada, a felicidade de estar amando e de ser amado. Entretanto, por ironia do destino, nosso Horácio poeta jamais conheceu o amor que ele tanto louvava em seus versos. Nunca experimentou o gosto de beijar os lábios da mulher amada ou andar de mãos dadas em sua companhia ao longo da areia da praia no limiar de um pôr do sol. Jamais houve ninguém contando as horas do dia passarem para ficar juntinho ao seu lado. Ele já amou muitas vezes, mas nunca teve a graça de ser correspondido. Mesmo assim, aquela dolorosa realidade não invalidava os seus versos de amor e felicidade, uma vez que não é preciso pisar na lua para se escrever sobre a sua distância e melancolia, pois a maior aventura que há, está em nossa imaginação.

            Certo dia, ele tomou uma decisão corajosa, porém não tardia, e que afetaria sua vida para sempre. Na escola onde trabalhava à noite, inscreveu-se num curso de alfabetização para adultos. Prometeram-lhe que aprenderia a ler e escrever em três semanas. Aprendeu em duas. Ele e as letras tornaram-se amigos logo nos primeiros flertes, foi como se fossem camaradas há muito mais tempo. Horácio se perguntava intrigado, se foi tão fácil aprender a ler e escrever, por que levara tanto tempo na escuridão? Era maravilhoso poder ler e escrever como qualquer pessoa. E o mundo nunca mais foi o mesmo depois que ele foi apresentado às letras. Era como se ele tivesse vindo ao mundo pela segunda vez.

Entretanto, familiarizar-se com o universo das pessoas cultas causou-lhe um efeito inesperado. Ele não conseguia escrever os seus poemas. Por mais que tentasse, era simplesmente impossível compor as suas rimas diretamente sobre o papel, como fazem a maioria dos poetas. Ele habituara-se àquele método de compor seus versos na memória, talvez isto fosse até coisa de gênio, mas o fato era que lápis e papel não lhe tinha utilidade alguma. Nem mesmo registar no caderno as poesias que já existiam, ele não conseguia.

Havia, entretanto, uma explicação para aquele obstáculo. Cada vez que declamava uma poesia, um novo verso ele adicionava ou substituía por outro mais belo, de forma que os seus poemas estavam em constante transformação, como se estes tivessem vida própria. Embora a sua essência continuasse a mesma, suas palavras e versos se alteravam. Ele até tentou escrevê-los, mas quando lhe vinha à mente o verso que ia ser registrado no papel, este logo se trocava por outro no instante em começava a ser escrito.

Aquela constante transformação fez Horácio perceber que as suas poesias eram entidades livres depois que ele as criava, era como se elas não mais lhe pertencessem. Escrevê-las num papel ou mesmo imprimi-las num livro, era como aprisioná-las, roubar a sua liberdade. Por isso, ele não podia privá-las daquele bem que ao homem era imensurável. Ele decidiu, portanto, que elas continuariam soltas e livres em sua imaginação, ele seria um poeta cujos versos existiriam até quando sua memória pudesse dar-lhe o prazer de recordá-los.

E quanto à sua trágica condição de jamais o seu amor ter sido correspondido, aquela era uma triste realidade com a qual Horácio aprendia a conviver dia após dia e sublimá-la através de seus belos e encantadores poemas. Quem sabe um dia, ele finalmente encontrasse a felicidade plena no amor de uma mulher que o aceitasse como o poeta deformado que era. Como podem perceber este não é nenhum conto de fadas.

Rio Vermelho, 08 de abril de 2013.