O senhor Bertoldo Gardelli amava
os pássaros, razão pela qual havia tantos em sua casa e em variedade de
tamanhos, tipos e cores. Ele não fazia distinção alguma entre um pequeno e desenxabido
pardal e um exuberante pavão, por exemplo. Todos eram bem-vindos, desde que tivessem
plumagem sobre o corpo. A presença de pássaros em seu lar era o motivo de sua satisfação
e regozijo. Sua admiração por aquelas criaturas era tanta e a tal a ponto de ele
chegar ao exagero de não permitir que estas fizessem parte do cardápio de sua
família.
Eu imagino a expressão de
censura do leitor ao presumir que o nosso personagem os tinha em cativeiro em
sua casa, como fazem muitos dos que dizem gostar de pássaros. Muito pelo
contrário, ele os amava tanto que os deixava ao seu arbítrio para partirem quando
desejassem. Porque não é assim que se age quando se ama, deixando ao outro a
escolha de ficar ou ir de embora?
A propriedade do senhor
Bertoldo era rodeada por jardins com árvores de variados portes que faziam a
alegria das aves. Todas as manhãs ele espalhava pelo lugar pedaços de frutas maduras
e potes com água fresca e alpiste novo. Era este o segredo por haver tantos
pássaros em sua casa. Eles vinham refestelar-se e, em retribuição ao anfitrião,
alegravam a sua casa com seus cantos belos e gorjeios.
Certa vez, apareceu uma ave
diferente de todas as que costumavam frequentar a casa do senhor Bertoldo. Esta
não cantava ou emitia qualquer ruído agradável de se ouvir. Pelo contrário, a
sua presença dificilmente evocava pensamentos agradáveis, havia até certo
preconceito contra ela, razão pela qual ele, com o seu imenso coração, a
acolheu como mais um filho. Sendo um bom conhecedor de pássaros, o senhor
Bertoldo não teve dificuldade em identificar que aquele espécime tratava-se de
um genuíno urubu.
Por que será que justamente um
urubu veio pousar no meu quintal, ele se perguntou intrigado. Talvez ele
estivesse com fome, concluiu. E como os urubus não são apreciadores de frutas
ou alpiste, o senhor Bertoldo providenciou algumas pelancas frescas de carne de
vaca para o seu inusitado visitante. E este gostou tanto daquela facilidade em
obter alimento que na manhã seguinte estava lá de volta. Tantas foram as vezes
que ele retornou por causa do farto alimento de qualidade que as suas visitas
se tornam mais demoradas até o dia em que este resolveu estabelecer moradia ali
mesmo pelo quintal do bom senhor Bertoldo.
No começo, a presença
permanente de um urubu andando errante pelo quintal da casa surpreendeu os seus
anfitriões. Mas como todas as coisas estranhas ao nosso cotidiano, cuja
frequência nos leva a conviver pacificamente com elas, aquele urubu passou a
fazer parte da vida doméstica da família Gardelli. De sorte que quando o senhor
Bertoldo saía para a área externa da casa, o urubu vinha juntar-se a ele e o
acompanhava como um cão, seguindo-o com seus passos desajeitados de ave. O
senhor Bertoldo também se afeiçoou ao animal e gostava de sua companhia, razão
pela qual, certo dia, ele resolveu batizar o bicho com um nome, passando a
chamá-lo de Ferdinando Gardelli que também passou a ser o mais novo membro da
família.
Rio Vermelho, 21 de maio
de 2015.
4 comentários:
Li e gostei.
Maria Luedy
Obrigada, Cristiano.
Belo texto.
Abraço ,
Gilza
Cristiano, suas crônicas são deliciosas, obrigada. Beijos Celia
Bacana, Cris. Parabéns!
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