quarta-feira, 12 de maio de 2010

A dama e os cachorrinhos.

Todo fim de tarde, observo passar em frente à minha porta uma dama que mora num prédio aqui da vizinhança. A distinta senhora possui um par de bem cuidados poodles brancos. Parecem duas bolas de algodão redondas que de tão alvas deveriam ser estrelas em comercial de detergente em pó ou de amaciante. Para enfeita-los para o habitual passeio, cada um ganha um vistoso laço de fita vermelho em torno do pescoço. Sua proprietária também não faz por menos, emperiquita-se dos pés à cabeça e põe no alto do cocuruto um bonito laço que combina em cor com os dos cães. A cena toda é algo interessante de se ver. Tanto pela sua trivialidade como pela satisfação visível nos três companheiros em estarem juntos naquele momento especial do dia. Nada mais banal que uma dona sair com seus amiguinhos para um passeio num final de tarde, não fosse pelo fato de ela ter o cuidado de levar na mão um saco plástico com o qual vai recolhendo delicadamente as proezas que os seus animaizinhos vão deixando pelo trajeto. Um comportamento tão simples e louvável.

Não muito longe daqui, existe uma pracinha cujo esforço de alguns vizinhos, incluindo a minha pessoa, evitou que ela fosse transformada em estacionamento. Em rara demonstração de bom senso, a prefeitura deu-se por convencida, ajeitou a pracinha que ficara tantos anos em completo abandono e esquecimento. Depois da plástica a que foi submetida com sucesso, na qual foram incluídos equipamentos novos de recreação, a vizinhança aplaudiu de pé e se animou a frequenta-la nos fins de tarde. Levam a criançada ruidosa para brincar na areia, no balanço e no escorregador quando o sol está mais fresco. Tudo seria um daqueles "momentos Kodak" não fosse o fato de alguns cidadãos entenderem que o local é perfeito também para uso como latrina para cães, apesar de placas de aviso informando do contrario estarem bem à vista.

Eu fico me perguntando o que deu de errado. Por que é tão difícil obedecer às benditas placas. Talvez estes donos de cães sofram de dislexia ou apenas consideram que é uma caretice dar importância a placas educativas, pois, seus animais tem todo o direito de fazer o seu serviço sujo no mesmo espaço onde brincam inocentes crianças. Por outro lado, nenhum dos pais jamais esboçou qualquer reação de reprovação, o que me leva a crer que eles apenas não se importam.

É esta atitude de desinteresse e apatia que me intriga. Ninguém parece se importar muito com coisa alguma. Qualquer infração por maior ou menor que seja é tolerada. Embora este pareça ser um delito menor, é bem revelador de como é o cotidiano das coisas por aqui. Todo dia, praticam-se pequenos delitos como este a que me refiro e acostuma-se com isto como se fosse algo perfeitamente normal em nossa sociedade. Coisa do cotidiano. Ninguém percebe, ninguém se importa o bastante para fazer algo a respeito. É neste vazio, na apatia e descumprimento das leis que chega o aproveitador, geralmente um meliante que alcança a posição de político pelo voto universal e, como ninguém é dono de nada por aqui, ele se apossa da coisa pública em proveito próprio. Ninguém liga para ele, afinal, a política é mesmo o reduto de larápios e não há nada que se possa fazer a respeito. Eles chegaram lá e criaram leis e transformaram o sistema para poder protegê-los e manterem tudo exatamente como está.

Vivemos num país onde as leis são como novas gírias, tem umas que pegam e outras que não. Mesmo se não existisse a tal lei que proíba proprietários de cães permitirem que seus bichos façam suas necessidades em ruas e praças públicas, falta o bom senso dos mesmos em não recolhe-las. Curiosamente, algumas destas pessoas são aquelas mesmas que são tão conscientes quando defendem os direitos dos animais. Claro que não se esperam nenhum tipo de responsabilidade do animal, refiro-me ao cachorro, e nem mesmo consciência social, mesmo que alguns estudos científicos provem que alguns deles 'pensam' mais que muitos bípedes que usam o dedo opositor. São estes pequenos delitos do cotidiano que tornam o brasileiro permissivo. Muitos deles são aqueles mesmos cidadãos que não entendem porque o dinheiro do imposto não foi parar nos hospitais, escolas, estradas e segurança. Este é o resultado de um ciclo que começa nas pequenas coisas do cotidiano. Vai tomando vulto à medida que não encontra resistências e, quando nos damos conta, o pequeno delinquente já ocupou um assento cativo no parlamento. E pensar que todas estas mazelas tem origem no coco do cachorro largado no meio do caminho! Felizmente a coisa só não é pior porque há milhares de donos de cachorros como a dama que mora aqui perto, que leva à mão um saco plástico quando passeia com os seus animais e com o qual vai prevenindo que o pais se torne numa imensa montanha de excrementos.

Rio Vermelho, 08 de maio de 2010.

domingo, 2 de maio de 2010

Conheça meu outro blog

SnapShots

Estórias para quem tem pouco tempo.

Click no link abaixo.

http://cristiano-snapshots.blogspot.com/

Valeu!

Amantes numa rua deserta.

Muito de nós raramente nos damos conta de que estar em um relacionamento é como jogar desconhecendo as regras do jogo; que querendo ou não, joga-se às cegas. Não há duvidas de que vivemos, agimos e reagimos uns com os outros, mas existimos a sós. Não sabemos realmente como o outro sente ou o que sente. E o mesmo se aplica sobre ele em relação a nós. É que o nosso conhecimento do efeito de nossas atitudes e comportamentos sobre o outro acontece de forma limitada e baseia-se apenas em nossas próprias experiências e em muita intuição. Apenas presumimos o que se passa no intimo do outro, o que ele pode sentir se fizermos isto ou aquilo, o que, na maioria das vezes, o fazemos com certa dose de acertos, em parte, graças ao que chamamos de empatia. Aquele que não viveu bastante corre o risco de errar mais e sofrer mais também. Isso faz parte do duro aprendizado da vida.

Não faz muito tempo, numa solitária tarde de sábado, eu perambulava pelas ruas do Rio Vermelho. Era um daqueles dias bonitos que nos chama a sair de casa para esticar as pernas numa caminhada. Algumas ruas por aqui ficam desertas e nos dão a impressão de que somos os donos da cidade, de que os passeios nos pertencem e que não faz diferença alguma se temos ou não algum dinheiro no bolso. Sinto-me seguro como se estivesse andando em minha própria casa. Ao seguir pela Rua do Canal, cruzei com um jovem casal. Instintivamente pus meus olhos sobre a moça que era um colírio de se ver. Vestia shorts jeans justo e uma camisa de malha que revelava a beleza de suas formas e me provocava bobagens na cabeça; nos pés, um par de tênis novinho. O cabelo era bem cuidado e preso com um grande laço vermelho como há muito eu não via. A moça parecia tão fresca quanto pão quente quando sai do forno. Já o rapaz, era a autoconfiança em pessoa demonstrada pelo seu desleixo. Vestia uma dessas bermudas que revelam o rego da bunda ao dar a incomoda impressão que vão cair a qualquer instante. A camisa de malha servia como um acessório de mão. Não olhei seu rosto. O corpo musculoso tatuado em excesso chamava a atenção como rabo de pavão e indicava que o seu segundo lar era alguma academia, o que justificaria as horas que ele passava em frente ao espelho se admirando. Imaginei que tantos músculos assim deveriam chegar até o interior da cabeça roubando o lugar do cérebro.

Embora eu aparente ser muito distraído, eu sei exatamente o que se passa ao meu redor. Sou capaz de interpretar uma situação sem precisar ouvir uma única palavra, ainda que, às vezes, tudo não passe de pura imaginação. Ouvi a moça, sua voz próxima ao pranto em tom de súplica, perguntar ao rapaz: "Me diz o que é que eu tenho de fazer pra você gostar de mim?" Não ouvi resposta, até porque o rapaz preferiu fazer uma expressão de enfado no rosto obtuso. Quantas vezes ele já não deveria ter ouvido aquele drama, imaginei. Continuei no meu caminho e não ouvi mais nada, mas pensei bastante sobre assunto, já que eu não estava fazendo coisa alguma.

Imaginei que ela talvez já tivesse feito de tudo ou, quem sabe até, dado de tudo. Talvez fosse este o problema, ela estava se esforçando demais. Nós humanos, somos incrivelmente estranhos, para não dizer masoquistas, ao desejarmos muito justamente aquele que nos despreza. Quanto mais somos ignorados mais desejamos a pessoa. E, tristemente, viramos as costas para aqueles que nos tratam com dignidade. Simples assim. O mundo parece que funciona ao contrário. A moça quer o amor de um cara que passa mais tempo amando a si próprio e contra quem ela não consegue competir.

Lamentei todo aquele seu sofrimento, pobrezinha, e fiquei me perguntando se ela não estaria provando do próprio veneno. Quantos pobres coitados ela já não teria tratado da mesma forma, com tamanha indiferença? Provavelmente ali não era o fim de tudo. Era apenas a rotina. Ela terminaria submetendo-se a ele como de costume. E depois, esperaria dele algum tipo de recompensa, como sempre o fizera com o próprio pai, embora este também agisse com a mesma insensibilidade. E, em seguida, ela lhe faria cobranças mais uma vez como estava fazendo naquele instante. A desiludida e apaixonada moça não sabia como terminar aquele circulo vicioso. Ele era provavelmente o seu maior vício. Eu gostaria de dizer-lhe que ela sempre poderia seguir o seu próprio caminho andando para o lado oposto ao dele, e começar tudo de novo, que a vida serve é para isto, para que agente comece tudo de novo. Segui meu caminho.

Rio Vermelho, 1º. de maio de 2010.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Conheça meu outro blog

SnapShots

Estórias para quem tem pouco tempo.

Click no link abaixo.

http://cristiano-snapshots.blogspot.com/

Valeu!

A despedida numa tarde de chuva

Esta semana, uma querida amiga despediu-se deste mundo no meio da tempestade. Chovia muito ao ouvir a notícia pela manhã. Foi uma conversa breve e emocionada. Era coisa já esperada. Despedi-me mentalmente, recordando de momentos de nossas vidas. Há algum tempo estávamos distantes fisicamente, apesar de morarmos no mesmo Rio Vermelho, mas, nem por isso ausentes. Além de considera-la uma amiga, ela era também a mãe de amigos de infância. Uma daquelas mães que, por estar tão presentes, vira amiga dos amigos dos filhos, também. Foi uma saída de cena dramática, como, aliás, são dramáticas todas as mães. Não poderia ter sido de outro modo. Marcou em vida, e marcou na partida. Não foi vítima de nenhuma catástrofe como as que vimos estarrecidos pela TV nos últimos dias, mas de uma moléstia que por si só já é uma catástrofe. Que vem silenciosamente sem se anunciar e corroí a vítima até que ela se transforme em apenas uma sombra. Meses se passaram até o inevitável e doloroso desfecho. Enquanto isto, eu procurava os filhos para o consolo e pedir por uma boa notícia. A doença fez mais de uma vítima, enfim.

    Caia uma chuva fina no final da tarde quando fui ao Cemitério dos Estrangeiros dizer o meu adeus. Ironicamente, dias antes, eu havia passado em frente ao mesmo lugar, e ao ver os seus portões trancados, me veio a sombria curiosidade de saber como era lá por dentro, embora já soubesse como são estes lugares. E lá estava eu finalmente, debaixo de uma chuva fina e intermitente, de sapatos de couro encharcados de água e mudo de palavras. Nunca sei o que dizer em momentos como este, limito-me a dar um abraço. É o melhor de calor humano que posso oferecer. Era um cemitério tão pequeno que as duas enormes mangueiras centenárias plantadas em seu terreno eram o suficiente para cobrir com suas frondosas copas toda a sua extensão. Um tapete verde e macio de musgo cobria seus troncos e heras pendiam de seus galhos como longas cordas verdes de cipós. Parecia mais um quintal, comentou um amigo. Era um lugar triste e úmido com cara de cemitério, mas estranhamente aconchegante e ultrapassado.

    É doloroso despedir-se da mãe da gente, ainda mais quando se trata de uma mãe que soube honrar o significado da palavra. Uma, cujo modo de agir a cada sol, moldou os filhos em homens e mulheres de bem. O coração aperta, o choro fica sufocado, reprimido pelo espanto. Quem não gostaria de ter a mãe a vida inteira? Ou de lhe ter dito antes da partida aquelas palavras que só agora ao pé da sepultura lhe veem à mente? Ao morrer, as mães deveriam ir direto para o céu, carregadas por anjos, saírem flutuando como por um encanto mágico. Mas a realidade é bem mais dura, que nos faz fechar o seu esquife, relutantes em dizer adeus; carregar curvados o seu peso até a beirada do destino final barrento e ajudar o coveiro em seu serviço. É um ritual doloroso que não se passa procuração. Que descanse em paz. Ela se foi, ficam-se as lembranças, os ensinamentos ditos no comportamento correto e de forma despretensiosa e o privilégio de tê-la conhecido. Eu fico me perguntando o que estará fazendo agora onde estiver. Será que nos assiste e continua cuidando de nós? Ou apenas está descansando, descansando em paz?

Rio Vermelho, 16 de abril de 2010.

      

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Cada um se dá a importância que pode.

Já faz tempo que venho reparando o modo com que algumas pessoas repetem que andam muito ocupadas. Virou um lugar comum este hábito que ora surge como um queixume ou como apenas uma simples desculpa. Todas elas andam muito ocupadas, como se ninguém mais fizesse coisa alguma além delas. Creio que há um vírus solto no ar infectando as pessoas com esse mal que aflige desde o vagabundo que dorme debaixo da árvore aqui na porta de casa até ao presidente da república! De onde vem tanta ocupação? "Agora não posso falar, estou muito ocupado!" Disse "o muito ocupado" ao atender ao telefone. Pra que atendeu, então? Onde será que arranjou tempo pra isso?! Em conversas sociais, não se fala mais do tempo — vai chover? Não vai. Mas tá calor, é sinal que lá vem chuva. — e sim de como se anda ocupado, mas sem se especificar exatamente com o quê. Talvez porque o "com o quê" não importe tanto quanto "o como".

De tanto ouvi-las, decidi refletir melhor sobre o porquê de tanta ocupação. Deixei de lado as pessoas que andam realmente ocupadas. Estas nunca se queixam, até porque estão por demais ocupadas para tanto. Resolvi me ocupar das que se dizem ocupadas por falta do que ter melhor o que fazer. Observei que algumas pessoas apenas andam estressadas e, por isso, se consideram mais ocupadas que outras. Elas provavelmente estão associando o seu estado emocional às suas responsabilidades. Há uma clara confusão entre estresse e estar ocupado. Desde quando estar estressado e estar ocupado são o mesmo? Quem sabe elas estão neste estado de estresse porque não estão fazendo nada de tão importante quanto gostariam e, por isso, se sentem culpadas por terem a falsa impressão de estarem perdendo tempo? De tanto ouvir os amigos se gabar dos próprios feitos, por exemplo, terminam imaginando que estão perdendo alguma coisa. Não fazer nada, para alguns, é o fim do mundo. Algumas pessoas simplesmente não conseguem conviver com isto, porque não foram condicionadas para tanto. Melhor dizer que andam muito ocupadas, então.

É verdade que muitas pessoas associam a ideia de estarem ocupadas ao fato de estarem correndo de um lado para o outro, ou de estarem sempre ao telefone ou estarem com as mãos ocupadas num teclado e os olhos fixos na tela do computador. Ao contrario de toda esta demonstração óbvia de ocupação, eu lembro que trabalhei num lugar onde o fato de tirar apenas uma hora do dia para pensar e não fazer mais nada, fazia parte do serviço. "Não posso falar agora, estou no meu horário de ócio."

Minha amiga C.C. disse-me, certa vez, que geralmente as pessoas estão ocupadas com coisas inúteis. Alguém aí anda fuçando muito o Orkut?! O que ela diz pode ter um fundo de verdade, porem, levanta uma discussão sobre o sentido das coisas. O que pode ser útil para uns, parece inútil a outros, pano lá pra muita conversa de bar. Fico imaginando, porem, pessoas repetindo a si mesmas que estão ocupadas como uma forma convencerem a si mesmas que a vida está fazendo sentido. Vivemos numa época em que muitos buscam ser algum tipo de celebridade e sair do anonimato, provocado pelo inchaço das grandes metrópoles. Cada um faz o que pode para aparecer. Tatuam-se até a raiz do cabelo, pintam o cabelo de verde, modificam a própria anatomia com implantes exagerados que vão desde silicones nos seios até a colocação de chifres na testa, assumem atitudes irreverentes que chocam a sociedade, agrupam-se com seus semelhantes em de diversas formas, escrevem blogs, como eu, ou apenas dizem que andam muito ocupadas. Para estas ultimas, falta-lhes senso de humor e criatividade para curtir o momento de ócio. Elas parecem gostar de dizer que estão ocupadas. Sentem-se mais úteis, engajadas em alguma coisa importante. Fazem parte de um mundo que produz, que vai para algum lugar, mas não se sabe exatamente para onde. Querem fazer parte daquele grupo de pessoas ocupadas, sabe. "Olha, agora não posso lhe dar atenção, estou ocupado." Mas porque será que elas fazem tanta questão em dizer que vivem ocupadas? O que há de errado elas terem algum tempo dedicado a não fazer exatamente nada?

Rio Vermelho, 4 de abril de 2010.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Mamãe passou açúcar nele.

Em meus périplos pelo Rio Vermelho, a ida ao supermercado é um dos meus lugares preferidos. Tenho gostos estranhos, ir ao supermercado é um deles. Gosto de passear entre as gôndolas e ver as novidades. Até já desenvolvi algumas técnicas de como comprar. A primeira delas é nunca ir às compras de estomago vazio, do contrário, corre-se o risco de comprar demais, principalmente bobagens. O mesmo acontece se estiver aborrecido. Comprar mais, não vai resolver o problema. A menos que você aí leitora, seja uma esposa querendo se vingar do marido na conta do cartão de crédito! Ao colocar no carrinho produtos de validade curta, como pão de fôrma e ovos, sempre pegue o pacote do fundo da prateleira ou na prateleira debaixo, são os mais recentes. Fique atento às promoções, principalmente aquelas cujos preços são irresistíveis. Estas generosidades geralmente estão com os prazos de validade quase vencidos! Ao escolher entre marcas diferentes numa mesma gôndola, tenha em mente o seguinte: as mais baratas e pouco conhecidas ficam nas prateleiras lá de baixo, um ardil para aqueles não agüentam se flexionar de gôndola em gôndola. Os produtos com preços mais caros ou as promoções que o mercado quer que você leve, ficam colocados confortavelmente à altura de seus olhos e de suas mãos. E boas compras!

Depois de encher o carrinho, fui procurar uma fila pequena, o que não é lá uma tarefa assim tão fácil, não num sábado de manhã. Geralmente vou ao mercado às sextas pela tarde, mas, naquela semana, preferi ir ao cinema, para variar. — Recentemente adquiri o mau hábito de ir ao cinema no meio da tarde, o que me dá uma agradável sensação de estar desocupado. — Escolhi ficar logo atrás de uma senhora carregando apenas, além de sua bengala, uma cesta com um pacote de pão de forma, uma lata de leite em pó e um saco de alguma coisa. Eu era o terceiro da vez. Aquela velha bem poderia estar na fila especial para idosos, que apesar de parecer mais comprida, tinha a vantagem de ter um banco com cadeiras sobrando onde ela poderia esperar confortavelmente sentada e dar um descanso à sua bengala. Na verdade, eu queria mesmo era me livrar dela, ou melhor, que ela saísse de minha frente para eu fosse logo atendido. A parte que eu não gosto do mercado é justamente a fila, com suas caixas de olhar enfadonho, pondo à prova a minha paciência.

"A senhora não gostaria de ir para a fila dos idosos que é mais rápida e tem um banco pra sentar?" Perguntei. "Não" Respondeu com um sorriso doce. Talvez ela não se achasse tão idosa assim. Eu, pelo contrário, não me incomodaria nem um pouco de ir para a fila dos deficientes, já que ainda não sou idoso. Descobri outro dia que tenho deficiência de vitamina A. Suficiente para ir para a tal fila? Enquanto aguardava, peguei um exemplar da "Veja", a única revista que não é lacrada. Deve ser alguma cortesia do mercado para a clientela, nada como aproveitar para por os assuntos em dia, enquanto aguardo de pé na fila. Depois, é só devolve-la à prateleira onde estava!

Em menos tempo previsto, chegou, finalmente, a vez da velha. Digo, para ser atendida no caixa. A cena seguinte surpreendeu-me. O caixa, um rapaz jovem com um corte de cabelo estiloso, levantou-se de sua cadeira e abraçou a idosa carinhosamente por cima do balcão. A velha beijou-lhe no rosto e ele retribuiu-lhe o beijo com outro e os dois continuaram assim abraçados por tempo o suficiente para eu ficar enjoado. Alguém ai quer um abraço? Nem o Lula beijou e abraçou o Fidel Castro tanto, na ultima vez que esteve em Cuba! Estava explicada a sua preferência por aquela fila, ela queria dar um abraço no netinho, concluí.

Aquela lambança não parou por ali. Outras quatro velhinhas apareceram do nada, tagarelando feito matracas. Queriam dar um beijo e um abraço no rapaz. Não podiam deixar de ir ao mercado sem passar para dar um beijo no caixa mais querido delas. E tome-lhe beijos e abraços apertados e elogios açucarados. A velha e o caixa nem eram parentes, então. Fiquei ali na fila assistindo aquela cena inusitada, na qual as avós de alguém beijavam um neto que não as pertenciam. Imaginando a solidão que é envelhecer sem o afeto dos filhos e dos netos, e de como é triste ter de ir buscá-lo com estranhos num supermercado. Aquelas velhinhas são como milhares de tantas outras que dedicaram suas vidas às famílias, e, no final, carecem do afeto que dispensaram a elas.

Quando chegou a minha vez, foi tudo muito rápido, como geralmente acontece quando não estamos lá na fila observando e esperando ansiosos. Me senti rejeitado pelo caixa não ter vindo me dar os meus beijos e abraços. Quebrei o gelo dizendo, "Já sei. Mamãe passou açúcar em você quando bebê." Ele pareceu não ter gostado da piadinha, pois não esboçou sorriso algum. Ao contrário, olhou-me seriamente e respondeu. "Não é nada disso. Acontece que eu tenho sorte de encontrar pessoas maravilhosas na minha vida." Não quis levar o assunto adiante, sei que este meu jeito de levar tudo na piada pode ser engraçado para os que possuem um senso de humor refinado, mas soa como uma ofensa aos que carecem dele. Minha amiga Yara diz que tenho um humor mordaz, mas acho que ele não morde tanto assim não.

Eu sou um daqueles que vão ao mercado levando aquelas sacolas de pano, temos um monte delas aqui em casa. Acho que esta é a minha única contribuição ao meio ambiente. Ensacolei eu mesmo minhas compras, surpreso de estar pagando tanto para levar tão pouco. Toda semana gasto o mesmo valor no mercado e volto com as sacolas mais vazias. Ainda bem que não temos inflação! Paguei e depois disse sorridente ao caixa. "Não vai me dar meu beijo e abraço?" Estendi-lhe os braços.

Rio Vermelho, 21 de março de 2010.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Like a Capra Film

While it is strange, though not impossible, to be surprised by acts of solidarity or generosity when we are struck with adverse situations—we are even more surprised when these acts of benevolence come from the people we least expect, or complete strangers. I can be moved to tears when I hear about such situations; it's like watching a Capra film or admiring a Rockwell painting. For those who have never heard of the American film director who made comedies from the 1920's through the 1960's, Capra's films offer a generally clear and optimistic message about the good side of human nature, and the value of altruism and hard work. Norman Rockwell was of the same vein—an American illustrator who drew portraits of innocent daily life in small town America.

Recently, my friend B.H. who lives in a small chilly town near New York City, was brave enough to leave her house after one of those long snowy nights. [It is snowing cats and dogs in the land of Uncle Sam; could it be the greenhouse effect?] She planned an outing to the grocery store to buy some staples and a hot soup to eat while she sat in front of her computer fooling around on Facebook. So, she slipped a long-sleeve plaid flannel shirt on top of her turtleneck. Over this she donned an orange fine merino wool sweater, covered by a green virgin wool coat from New Zealand. As a finishing touch, she got into a red nylon jacket, lined with fuchsia polyester fleece, accompanied by her lined purple leather gloves, wool-lined pants, black rubber boots with fake-wool lining, thick wool gloves, and a horrible green chlorophyll-colored wool hat from Siberia—something shocking enough to frighten a young child. She pretty much looked like a tie-dyed Pillsbury doughboy. So, off she went to the grocery store.

Staggering inside from the chill, she wandered past the many aisles of produce, putting things in her little cart, including a flat tin of guava jelly, her favorite from Pacajus, Ceara a northeastern Brazilian state, which was on sale. She moved on to the prepared foods section and asked for a hot chicken soup. Making sure she had everything in her cart, she headed over to the checkout contended that she had remembered all of her essentials. Then, much to her surprise, she realized that she had forgotten something—her wallet! She stood there imagining, quite deflated in fact, how sad her walk home would be with empty hands, that morning where the thermometers were at -1ºF outside. Where had her head been to forget her wallet? She was embarrassed with her situation, with the people in line witnessing her shame. She didn't have a cent in her purse, not even enough to take home her hot soup that was going to taste so good on that wintery day. All she could do to relieve her self-consciousness was to return everything to the shelves. At that point, the clerk calmed her down, told her she didn't have to bother, that they would do that for her.

As she skirted out through the automatic doors still embarrassed, a gentlemen appeared, unknown to her, offering to pay her grocery bill. At the same time, a woman on her other side waved her credit card also offering to take care of her financial drama. And to complete the festival of benevolence, another clerk ran out of the store offering her the hot soup on the house, telling B.H. she couldn't go home without her lunch. She accepted the good will and the loan from the stranger, seeing in him a chance to meet him again, since he looked like he had been in an ad for Marlboro, and that he had the type of genes that she had been looking for, for her future children.

She politely declined the woman's credit card. She accepted the soup, and paid her bill as the manager insisted on driving her home. Some might say that this was a true expression of goodwill, but others will insist that everyone was afraid of her big ridiculous get-up!


Salvador, February, 25th 2010


Versão original em portugues logo abaixo.