segunda-feira, 25 de março de 2013

Uma Incômoda Amizade


Nem sempre temos a sorte de escolher os nossos próprios amigos, por mais íntimos que estes se tornem. Ao contrário, muitas vezes, nós é que somos escolhidos por estes.  E esta é uma estória de uma incomum amizade, destas que agente não consegue se livrar, por mais incômoda que esta seja.
         Nos últimos dias, mal Raimundo Nonato entrava em casa e sua atenção era chamada por um incômodo ruído que assemelhava-se ao zumbido provocado por um inseto ao bater as suas poderosas asas, como se este estivesse preso de algum modo e tentasse libertar-se. Por mais que ele procurasse a origem daquele barulho, vasculhando os limites de seu pequeno apartamento, ele não conseguia descobrir a fonte daquele aborrecimento. Mas como ele sempre chegava exausto, depois de passar o dia inteiro trabalhando montado sobre uma motocicleta, ele era motoboy, dava-se por vencido e ia dormir ouvindo aquele zumbido intermitente até cair no sono profundo.
         Na manhã seguinte, quando acordava, lá estava o zumbido novamente, aguardando-o para desejar-lhe bom dia. Aquilo o fazia ficar mal-humorado e estragava o seu dia. Sempre atrasado, entretanto, ele vestia-se e saía apressado para tomar o café-da-manhã na padaria.  Em seguida, partia para sua jornada de trabalho sobre a motocicleta, ziguezagueando ente os automóveis, vencendo os congestionamentos que ia encontrando pela frente. Durante o dia, enquanto trabalhava, ele esquecia aquele aborrecimento que se tornara aquele misterioso zumbido.
         Mas ao final do dia, quando Raimundo Nonato voltava cansado, lá estava o zumbido aguardando por ele em sua casa. Naquela noite, entretanto ele estava disposto a acabar com aquela aporrinhação, resolveu colocar a casa de pernas para o ar e não descansaria enquanto não encontrasse o responsável pelo maldito zumbido. Arrastou móveis e procurou por baixo e por trás destes. Fuçou armários, revirou gavetas, até debaixo do tapete procurou sem sucesso. Infeliz, resolveu ir dormir na casa da mãe que ficava duas ruas adiante da sua.
         Ao chegar à casa materna, mal se queixou do barulho para ela e, para seu desapontamento, percebeu que zumbido o havia ido junto. A mãe foi incisiva:
— Este zumbido é no ouvido!
— Será? – perguntou-se Raimundo Nonato aflito.
         No dia seguinte, não deu outra. Correu para ver o médico de ouvido. Foi o primeiro a ser atendido. O doutor Pereira tinha o olhar cansado e era um daqueles sujeitos que gostava de falar pelos cotovelos. Quando Raimundo Notado descreveu o seu zumbido, o médico lhe disse que isto poderia acontecer por diversas razões. Em seguida, começou a falar de sua recente viagem de passeio a Aracaju e de como aquela cidade era limpa e organizada. Contou como o povo sergipano era cortês e educado. Falou de suas bonitas praias e de como um Estado tão pobre estava em melhor situação que a Bahia. Aquela lenga-lenga não tinha mais fim e parecia que o doutor tinha esquecido o motivo que levava o paciente até seu consultório.
         Finalmente o doutor se deu por satisfeito com a sua preleção sobre Aracaju e pediu que Raimundo Nonato fosse sentar-se na cadeira de exame que era muito semelhante à do barbeiro. Em seguida, olhou para dentro do ouvido do rapaz com a ajuda de um aparelho apropriado para aquele procedimento. Entretanto, nem Raimundo Nonato esquentou o assento da cadeira e doutor deu a análise por concluída. O ouvido do rapaz era perfeito, nada havia de errado com ele.
         — Seu ouvido está ótimo! Você não ouve o zumbido quando está na rua porque o barulho exterior o camufla. Faça uma experiência, ligue a TV quando chegar em casa e note como seu zumbido desaparece.
         — Mas porque meu ouvido está zumbindo?
         — Como eu lhe disse, meu caro, tais zumbidos são um mistério. A causa pode ser qualquer coisa ou simplesmente nada. – sentenciou o doutor.
         — Mas o que faço, doutor? Este zumbido vai me deixar louco. Não tem um remédio?
         — Meu caro, o único remédio que posso lhe prescrever é o seguinte conselho: Faça do zumbido o seu amigo. – deu por encerrada a consulta.

Rio Vermelho, 25 de março de 2013.

         

domingo, 10 de março de 2013

Pior Que Tosse de Cachorro

Outro dia, comentava satisfeito aqui em casa: este ano, a minha tosse não veio. Todo verão, tenho uma tosse esquisita, horrível mesmo, que vem, quase acaba comigo e depois some, só retornando no ano seguinte. Dois dias depois, não deu outra, comecei a tossir. Veio de forma discreta, como faz sempre, e foi evoluindo e se instalando, tomando a força de uma besta! Tossia o dia inteiro e, por vezes, era acometido de acessos violentos, curvando-me sobre o corpo, quase cuspindo fora os pulmões. Tudo, então, ficava escuro como num apagão e eu só enxergava flashes de luzes que piscavam como num curto-circuito. A voz ficava cansada e sumia por horas. Entretanto, nunca me ocorreu ir a um médico por causa dessa tosse besta.
            Uma querida amiga de São Paulo, a passeio em Salvador, veio me visitar. Ao testemunhar minha tosse, sugeriu-me um xarope fitoterápico milagroso, cujo nome passou-me num pedaço de papel. Corri até a farmácia, depois que foi embora, e comprei aquela maravilha curativa cuja fabricação era numa cidade da Bahia de nome sugestivo: Santo Antônio de Jesus. Entretanto, passados dois dias e de ter consumido todo o frasco, minha tosse continuava firme e forte.
Aquele meu estado enfermo começava a despertar a atenção e preocupação de amigos. Um amigo italiano, impressionado, veio trazer óleo de hortelã, que faria a tosse sumir. Colocou duas gotas na palma de minha mão e mandou que eu as friccionasse uma contra a outra e as levasse à minha boca em forma de concha, aspirando fundo. A sensação mentolada foi muito agradável e refrescante, mas aquela tosse dava demonstrações de que não desistiria de mim assim tão fácil. Um vizinho árabe, de quase noventa e meio cego, trouxe-me um unguento para passar na garganta. A sensação era agradavelmente gelada, muito interessante, mas, também, não funcionou. Duas amigas vieram me trazer mel, uma delas trouxe um pote enorme do produto colhido na Chapada Diamantina. Ajudaria a suavizar e limpar as vias aéreas, ela disse. Muito delicioso aquele mel, inclusive com um pedaço de pão, mas a tosse não foi embora. Mastigue uns pedaços de gengibre, sugeriu um. Aspire álcool, disse outro. Já tentou um chá de cascas de limão com alho, cravo, mel e canela? Não falha nunca! Pois é, comigo nada disso deu certo.
Certo dia, acordei mal. Hoje vou juntar-me ao Criador, pensei. Lá pelas tantas da tarde, me dei por vencido. Procurei na internet por um médico e, por ventura, encontrei um não muito longe aqui de casa. Depois de uma conversa sofrida, entrecortada por acessos de tosse e perda de voz, o atendente, do outro lado na linha, informou-me que a médica só teria horário no dia seguinte. Tarde demais, implorei, melhor chamar o padre agora. Impressionado, o rapaz disse: “se o senhor vier agora, será o próximo a ser atendido.”
O consultório ficava a apenas três quilômetros e meio de casa, fui a pé, andei rápido. De carro, jamais chegaria a tempo, por causa do interminável congestionamento das 15hs. O consultório ficava num prédio estalando de novo e muito chique, lembrei que não tinha perguntado o preço da consulta, estava na cara que iria doer no bolso. Subi até o quarto andar, ao entrar na sala de espera, me deparei com uma multidão, havia gente sentada e de pé. Ao me apresentar, o rapaz tomou os meus dados pessoais e me mandou direto ver a medica. Não me senti culpado de estar furando a fila, um moribundo tem lá as suas regalias!
Ao entrar no consultório, um lugar branco, asséptico e impessoal, uma jovem e bela mulher com a mesma descrição da sala, levantou-se de sua cadeira por de trás de uma mesa vazia, exceto por um monitor de computador e teclado, veio me cumprimentar. Vestia um desses jalecos grossos, longos e brancos como a neve. A pele não era menos branca e os cabelos longos, lisos e pretos contrastavam com o resto do cenário. Não usava maquiagem, joias ou qualquer adereço, não havia nela nenhum apelo sexual, ao contrário, parecia assexuada. Era muito formal e parecia desconfortável na presença de estranhos.
— Como tem passado, doutora? – estendi-lhe a mão.
— Muito bem. E o senhor?
— Não tão bem e é isto que me traz aqui. – respondi sentando-me na cadeira disponível.
— Conte-me o seu sofrimento. – ela pediu.
— Eu estou sofrendo de amor, doutora. Mas o que me traz aqui é essa tosse.
Enquanto eu descrevia a minha tosse, ela digitava e não tirava os olhos do monitor do computador. Eu não poderia dizer se ela estava atualizando o seu “feed de notícias” do Facebook, twintando sobre a minha consulta, ou pesquisando no Google um diagnóstico sobre os sintomas eu lhe descrevia com riqueza de detalhes literários. Talvez houvesse um médico de verdade do outro lado e ela fosse apenas uma intermediária. Depois de ela me fazer várias perguntas e eu de respondê-las, ela pediu-me que a acompanhasse na sala ao lado, para me examinar.
Sentei-me numa maca e, para minha surpresa, ela dispensou o tradicional “coloque a língua pra fora e diga A”. A medicina moderna deve ter banido este ultrapassado procedimento, pensei. Ao contrário, ela me mandou levantar a camisa, que preferi tirar, e foi auscultar meus pulmões pelas cotas, com a ajuda de um estetoscópio. Mandou tossir, respirar fundo, tossir de novo seguidamente. Fez isto minuciosamente e demoradamente que me preocupou. Examinado as costas, fez o mesmo pela frente. Pude ver de perto a sua pele perfeita e branca. Os olhos eram azuis e gélidos, quase sem expressão. Senti a maciez de sua pele quando me tocou, desejei aquela boneca de plástico.
— Pode vestir a camisa. – ela disse concluindo.
— Doutora, não vai querer examinar a minha próstata? – lancei-lhe um olhar languido.
— Isto é desnecessário. – respondeu surpresa.
— Mas eu faço questão! – insisti.
Ela deu as costas e voltou para a primeira sala e eu a segui logo atrás. De volta à minha cadeira, perguntei-lhe:
— Quantos dias ainda tenho, doutora?
— O senhor ainda vai viver até os cem! – sorriu pela primeira vez.
Em seguida, ela tentou dar um diagnóstico. Indicava que havia alguma coisa inflamada entre a minha cabeça e os meus ombros, mas não precisava ao certo do que se tratava. Chamou isto de uma traqueíte e depois de outra ite, enfim, voltou-se para o computador e foi digitando novamente e depois imprimiu. Era a receita.
— Mas que letra bela e legível. – eu brinquei, mas ela não achou graça.
Prescreveu-me umas gotinhas maravilhosas para fazer o nariz parar de escorrer, um poderoso antibiótico, também muito utilizado para curar dor de dente de elefante e outro comprimidozinho que, se não fosse tomado na dose e tempo certo, poderia trazer-me complicações no fígado, rins, visão ou me fazer andar de cadeira-de-roda pelo resto da vida.
— Eu lamento ter de lhe passar este remédio, mas para o seu caso, não tenho alternativa. – disse a doutora solenemente.
Despedi-me. “Obrigado, doutora. Espero não revê-la nunca mais.” Fui embora.
Voltei para casa andando, no caminho, passei na farmácia e comprei os medicamentos. Lá mesmo, já tomei o primeiro comprimido, seguindo ordens médicas. À noite, tomei mais uma dose e já sentia os efeitos da medicação, podia tossir sem ter a impressão de que a cabeça explodiria junto.
Em situações como esta é que agente descobre os amigos que tem, eu melhorei da tosse dias depois, graças ao carinho, zelo e solidariedade dos amigos que continuaram me telefonando para saber de minha saúde e me sugerindo remédios caseiros milagrosos e, provavelmente, também, por causa dos remédios prescritos pela doutora.

Rio Vermelho, 10 de março de 2013.

domingo, 3 de março de 2013

A Dúvida Cruel


Fui dar minha caminhada na orla como faço diariamente, mas, neste sábado, troquei o final de tarde pela manhã, pois o dia era convidativo a tomar um saudável banho de sol logo bem cedo. Ao passar em frente à praia da Paciência, não resisti aos seus encantos para que eu fosse dar um mergulho, pois a água estava cristalina como a piscina de um clube grã-fino e serena como as águas do Caribe, além de que, totalmente deserta, exceto por um vulto que eu via de longe banhando-se tranquilamente. Dei por finalizada a caminhada e desci a escada que levava até a areia, e, depois de me desfazer de roupas e tênis, mergulhei na água que estava deliciosamente gelada.

         Não muito distante de onde eu estava, pude ver de perto o vulto o qual eu enxergara da balaustrada. Era uma senhora gorda e de expressão alegre que me cumprimentou com um jovial bom dia, ao que eu retribui com o mesmo entusiasmo. Perguntou-me se eu era morador do bairro e respondi-lhe que desde que eu usava fraudas. Ela disse também que sim e apontou-me onde morava, um prédio antigo erguido exatamente em frente à praia. Então eu lhe disse que ali morara uma antiga professora dos tempos do primário, ao que ela falou o seu nome, dizendo que a conhecia desde menina.

         Fulana de tal tinha sido minha professora dos meus 11 aos 15 anos e guardo dela boas recordações. Ela era, então, muito jovem, na flor da idade, uma dessas legítimas louras de farmácia com todos os seus atributos, muito atraente. Gostava de usar roupas justas com decotes que mal conseguiam conter os seios grandes, os quais eram legítimas criações da natureza, além de um punhado de brincos, colares e pulseiras coloridos que chacoalhavam harmoniosamente quando ela caminhava, pois o seu gracioso rebolado era como o de uma musa andando nas areias mornas da praia de Ipanema. Aquele seu jeito sensual chamava muito a atenção dos garotos da escola que agitavam-se quando ela passava pelo pátio e estes  expressavam a sua admiração de forma escondida por debaixo das calças, a ponto de causar-lhe dor e fazê-los andar de ladinho. Eu, também, a admirava muito e, em meus momentos de solidão e a abandono, tinha nela a minha fonte de inspiração...

         Como esta senhora parecia realmente ser uma antiga moradora do bairro, perguntei-lhe se conhecia Fulano de Tal, meu vizinho de sempre, ao que ela respondeu:

         — Lógico, muito meu amigo. – ela respondeu. Em seguida, acrescentou. – Ele morreu.

         — Realmente ele se foi. Que saudades que ele faz. – eu disse.

         — Sou muito amiga, também, de Fulaninho, seu filho.

         — Sim, Fulaninho...

         — Que coisa horrível, Fulano foi morrer justamente no dia do aniversário de Fulaninho. Isto traumatiza qualquer filho.

         — É verdade. – eu disse. – Mas ele vai superar isto, afinal ele é um homem de quase 70 anos.

         — Com tantos dias durante o ano, Fulano foi escolher morrer logo no dia do aniversário do filho! – ela disse com um pingo de indignação.

         — Infelizmente, nem sempre é possível se escolher o dia que se vai encontrar o Criador, não é mesmo?

         — Uma das coisas que Fulaninho mais gostava era fazer uma festa no dia do seu aniversário... Ele convidava todos os amigos, inclusive eu. Tinha tanta comida, bebida e música. Fulaninho sabia como dar uma festa... – ela disse meneando com a cabeça em tom de pesar.

         — Fazer o quê, né? – eu disse sem ter o que dizer.

         — Veja só, mas que situação: no dia que Fulano morreu, Fulaninho não sabia se comemorava o aniversário ou se enterrava o pai. – disse lamentando.

         — Realmente, está é uma dúvida cruel. – respondi perplexo.

Rio Vermelho, 3 de março de 2013.
        
         

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Cadê o Romantismo?

As redes sociais buscam sempre se renovar inventando novas modas que vão revolucionando os costumes conforme a boa aceitação da freguesia, e não poderia ser o contrário, pois, terminariam matando de tédio os seus milhões de já entediados usuários. A bola da vez é um programinha que encoraja seus usuários a escolher, dentre os amigos de sua lista de contatos, aqueles com quem gostaria de fazer sexo. Muito criativo, não? Se, por uma coincidência, um dos amigos escolhidos pelo usuário também o tiver incluído em sua própria lista... Bingo! Habemus Transa! “Chega de papo furado e vamos ao que interessa”, diz o slogan do dito programa. Tudo isto, no mais perfeito sigilo e discrição.

         Como ferramenta para quem busca sexo unicamente pelo sexo, ela é bem mais prática que ir de carro até o centro pegar uma prostituta, – ou prostituto – além do que, o serviço é oferecido inteiramente grátis. Precisamos admitir que já chegamos ao final dos tempos, e que há uma banalização de tudo, desde a violência física até aquela que deveria ser a mais pura manifestação de romance entre dois seres humanos. Os parceiros de sexo foram coisificados, estão substituindo o encontro olho no olho pelo desejo através da tela do computador, basta “postar” uma boa foto.

         Onde foram parar as trocas de olhares cobiçosos, disfarçados em desinteresse, as palavras gentis e elogiosas para conquistar a simpatia da pessoa que é o objeto do desejo, a paquera, a descoberta maravilhosa do outro? Este tal programa de computador ignora que a importância da corte não reside apenas em conquistar a pessoa de nosso interesse, mas de saber praticar relações pessoais de forma civilizada e dentro dos princípios de uma ética, do contrário, estaremos banalizando muito algo que tem sido a maior expressão de romantismo do homem de todos os tempos, nos igualando aos quadrupedes.

Qual jovem habitante do mundo cibernauta saberá o prazer da experiência de ser cortejada e seduzida e de ouvir uma romântica declaração de amor como a que fiz, certa vez, a uma linda mulher e jamais fui respondido? Sim, porque este jogo real do amor nos ensina, também, a lidar com as frustrações da vida cotidiana, pois nem tudo na vida é obtido de maneira tão fácil e descartável como fazer sexo com pessoas escolhidas de uma lista de um programa de computador. Vivemos numa época em que só o que vale é ter sucesso na vida e esquecemos que aprendemos muito mais com as nossas falhas.

O sucesso estrondoso deste programa vem apenas confirmar a fragilidade a que chegou as relações amorosas e que estas se tornaram efêmeras e descartáveis. O romantismo está sumindo e adquirindo feições de uma peça empoeirada de museu que muitos jovens já desconhecem a importância em suas vidas. Em vez do ser humano agregar valores superiores com os avanços da modernidade, ele se desvaloriza cada vez mais.

Rio Vermelho, 24 de fevereiro de 2013.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sobre Peitos Duros e Fartos, Um Inconveniente Bigode e Um Ato de Bravura!

Ao ler numa revista semanal a matéria sobre a nova mania nacional dos seios grandes e fartos – nós, brasileiros, outrora, sempre tivemos profunda admiração pelo derrière avantajado, – lembrei que, no passado, era costume tê-los pequenos, como uma fruta delicada à espera de ser chupada. Muitas mulheres, então, as que tinham os seios fartos graças a um capricho da natureza, cuidava de reduzi-los para que estes deixassem de ser objeto de atenção e cobiça de olhares maldosos, e, porque era feio mulher de peito grande! Para onde iriam aquela porção que fora extirpada do corpo feminino, eu me perguntava intrigado, haveria algum banco de peitos que os doava para as outras desafortunadas que os desejavam maiores do que os que o Criador as proveu? Para o conhecimento da cara leitora, eu sempre fui uma pessoa discreta e modesta, cuja preferência sempre foi pelo tamanho pequeno e que caiba exatamente na palma de uma mão.

            Toda esta falação sobre mamas me fez recordar de minha infância e buscar naquele período uma explicação que justificasse a minha predileção pelos tamanhos pequenos e discretos. Eu, então, deveria ter pouco mais que doze anos de idade, quando na aula de educação física, dei um jeito na perna que passou a me incomodar na articulação à altura do quadril, dias depois. Fui me consultar com um ortopedista cujo sobrenome lembrava uma marca famosa de descarga fechaduras: Goldsmith.

            Depois da breve consulta, ele prescreveu-me sessões diárias de “forno” durante o período de duas semanas. O dito “forno” era uma estufa cujo formato assemelhava-se a um grande cilindro cortado ao meio e colocado sobre uma cama sobre a qual deitávamo-nos para que este fosse posicionado na altura da lesão que, ao ser ligado, emitia ondas de calor que prometiam livrar o paciente de seu tormento.

            Na primeira sessão, que começou logo no dia seguinte, fui atendido pela enfermeira, uma negra retinta do corpo forte e largo e, também, possuidora de um par de seios enormes que pareciam querer saltar fora do apertado uniforme. Entretanto, não foi o tamanho avantajado de suas mamas que me chamou a atenção, e sim um fino bigode acima de seus lábios, cuja fartura de pelos gritava aos olhos. Eu jamais vira em toda minha vida uma única mulher com um bigode igual, e aquilo me causou antipatia.

            As sessões de fisioterapia ocorriam depois da escola, que era no turno vespertino, e a noite já tinha caído quando eu chegava à clínica. Como eu era o último paciente do dia, só ficávamos eu e a enfermeira de bigodes. Na primeira sessão, ao entrar na pequena sala onde estava o “forno”, ela pediu-me gentilmente que tirasse as calças e deitasse na cama em decúbito dorsal. Em seguida, moveu a estufa até a altura do meu quadril e ligou-a, deixando-me sozinho cozinhando. A Sra. Bigodinho, como eu, gentilmente, a apelidei, controlava o tempo através de um pequeno aparelhinho redondo que lembrava um chaveiro e que o deixava sobre a cama ao meu lado. Quando terminava o tempo, este emitia um alto e estridente zumbido e ela, então, reaparecia para desligar a estufa para que eu me levantasse.

            Na terceira noite, ao final da sessão, algo surpreendente aconteceu. Eu estava vestindo as calças, de pé, ao lado da cama, quando a enfermeira aproximou-se, oferecendo ajuda. Apesar de minha recusa, ela foi insistente. Depois de ajudar-me, ela, então, foi empurrando o seu forte corpo contra o meu até me deixar preso entre ela e a parede, sufocando-me entre os seus enormes peitos e o sorriso de seu bigode o qual me causava aflição. “O garotinho gosta de mulher?” Eu, assustado com aquela novidade, apenas respondi: “Ainda não provei.” E, conseguindo desvencilhar-me dela, corri aturdido para a porta de saída, indo embora em disparada.

            Na sessão do dia seguinte, mal pude olhar para ela, achanado que estava, mas vi o suficiente para notar que ela usava um uniforme cujo decote mostrava até a altura do umbigo. Senti o estomago embrulhar Ela veio até a salinha e, num tom que era mais uma ordem que um pedido, mandou que eu tirasse as calças. De olho no meu cacete, que jazia acanhado por dentro da cueca, ela perguntou assim com o seu bigode: “Você tem namorada?” Respondi que não. “Você já usou essa coisinha numa mulher?” Não respondi.

Ao final da sessão, quando o aparelhinho zumbiu, ela voltou até a sala onde eu estava e me imprensou novamente com seu corpo grande e forte contra a parede, fazendo o meu rosto quase sumir entre os seus peitos. “O bebê não quer mamar? Mama um pouquinho na titia vai.” Disse aos sussurros esfregando os peitos grandes quase nus no meu rosto ainda virgem. Eu não sabia o que era pior, seus peitos em minha cara ou a visão tão próxima de seu bigode. “Não obrigado, eu tenho intolerância a lactose.” Respondi com o coração quase explodindo de medo e escapulindo de suas garras.

            Aquelas sessões de fisioterapia se, por um lado, estavam fazendo um bem à minha perna, por outro, me deixavam aflito a cada vez que tinha de reencontrar a Sra. Bigodinho. Na sessão do dia seguinte, eu já tinha uma estratégia preparada para me livrar dela. Antes de o aparelhinho zumbir para que ela viesse ao meu encontro, eu já tinha me vestido novamente e ido embora em disparada, para o seu desapontamento.

Mas ela era esperta demais, porque na sessão seguinte, ela não deixou ao meu lado o aparelhinho que contava o tempo, deixando-me totalmente desorientado. Deste modo, eu não podia me antecipar a ela. Quando a sessão terminou, ela apareceu na sala com um sorriso maligno em seus lábios por baixo daquele bigode ridículo. Mas eu já estava preparado para ela, depois de ela ter ligado o forno e saído, eu dei um jeito de pular fora da cama e vestir novamente as minhas calças, fazendo aquela sessão vestido. Quando ela retornou, ao mover o forno para que eu saísse e percebeu que eu estava de calças, ela deu um sorriso sínico. “Espertinho, heim?”. Ali, na beirada da cama, ela me bloqueou a passagem com seu corpo sólido e, sabendo qual era as suas intenções, corajosamente, enchi minhas duas mãos com seus peitos que eram maiores do que eu conseguia segurar, e os apertei com força sentindo a sua dureza até ela fechar os olhos e soltar um gemido em êxtase. Como se não bastasse, ela ainda foi aproximando a sua boca da minha com aquele bigode repulsivo. “O bigode não, assim já é demais!”, gritei para mim mesmo. Transformei os meus polegares e indicadores num alicate e apertei os seus mamilos com o que me restava de força até ela soltar um ganido voluptuoso e pular para trás. “Assim você me mata, menino!” Aproveitei a deixa e fugi daquele consultório o mais rápido que pude. Depois daquele dia, me dei por curado e me dei alta, nunca mais voltei àquela câmara de torturas! E esta é, provavelmente, a causa de minha predileção pelos peitos pequenos.

Chapada Diamantina, 9 de fevereiro de 2013.
           
            

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As Voltas Que Mundo Dá


Ontem, corri incansavelmente pelas óticas do shopping à procura de uma armação do meu agrado e, vencido pela frustração, fui buscar conforto numa livraria, onde comprei um romance para ler durante o feriado de Carnaval, o qual me refugiarei no bucolismo e nos banhos de cachoeira da Chapada. Livrarias são sempre ótimos lugares para encontrar casualmente amigos ou, quem sabe, fazer novas amizades. É como se o ambiente dos livros possuísse o mágico poder para despertar nas pessoas o seu lado mais interessante e civilizado. Foi quando tive a grata satisfação de reencontrar uma amiga que não via há anos e por quem já nutri uma secreta paixão.
Não consigo precisar quanto tempo faz que a vi pela primeira vez, mas lembro-me de como os nossos caminhos se cruzaram, em dois episódios que envolviam desilusão amorosa e sofrimento. Quando a vi pela primeira vez, fiquei encantado com a sua beleza, uma jovem mulher de formas clássicas, cabelos loiros geneticamente coerentes e feições finas e delicadas, dona de uma voz firme e nasalada, mas que eu só vim a ouvir quando conversamos finalmente na segunda vez que a vi.
Recordo-me, agora, como se fosse antes de ontem, a primeira vez que a vi, num pequeno bistrô especializado em cervejas importadas. O lugar estava quase entregue às moscas, só havia duas mesas ocupadas. Eu estava numa, sozinho, e, não muito distante, estava ela na outra, acompanhada de um rapaz; éramos três naquele lugar esquecido. De minha mesa, eu podia observar, sem ser percebido, o casal sentado, um de frente para o outro, falavam tão baixo que eu não podia ouvir palavra, um martírio para mim, que sou um grande prestador de atenção da conversa alheia, nada me ensina mais que a vida dos outros, entretanto vi o suficiente para entender do que se passava.
O rapaz entregou discretamente à moça um cartão, destes que se usa para ocasiões especiais como aniversários e felicitações. Ironicamente, aquela não me parecia ser uma situação para festejar. Reinava um clima desconfortável entre os dois. Ela, então, o leu como se não esperasse por outra coisa que não aquelas palavras contidas em seu interior. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela conteve o choro enquanto ele a reconfortava segurando-lhe a mão ternamente. Não fez escândalo ou uma cena. Eu testemunhava o fim de um relacionamento. Ao contrário de ele lhe falar, preferiu o uso da palavra escrita, escondendo-se por traz de um cartão barato. Ah!, como é difícil para alguns falar a outrem certas coisas que vão no coração. Eu observava o casal enternecido, percebia o estado daquela moça em sua forma mais fragilizada, podia imaginar o machucado do seu coração e do seu sofrimento. Tive vontade de ir até a sua mesa para tomá-la nos braços, reconfortá-la e dizer-lhe que a sua vida não acabara ali, que nem tudo estava perdido e que o mundo dava muitas voltas, seja lá o que isto significasse para aquela situação. Nunca apaguei da mente aquela cena tão discreta e tão forte.
Anos depois, a reencontrei novamente e logo a reconheci, embora ela realmente jamais soubesse quem eu fosse, foi quando trocamos palavras pela primeira vez. Uma amiga moderninha aniversariava e fomos festejar na boate gay da moda, escondida numa área decadente do centro da cidade. Eram épocas em que ser gay não era razão para se comemorar com fogos de artifício, como acontece hoje em dia. Ao nos encontrarmos na apertada pista de dança, foi como se ambos se sentissem na obrigação de dar satisfação ao outro por estarem ali naquele lugar ao qual não pertencíamos. Eu disse-lhe que comemorávamos o aniversário de uma amiga e ela explicou-me que estava namorando um colega de trabalho, mais tarde soube que era seu chefe, e que a empresa para a qual trabalhavam tinha regras rígidas sobre funcionários namorarem entre si e que isto era causa de demissão na certa. Por isso, os dois amantes frequentavam lugares alternativos onde a probabilidade de se esbarrarem com agentes da Santa Inquisição da poderosa empresa fosse nenhuma.
Não muitos dias depois, a reencontrei no café de uma livraria, desta vez, desacompanhada. Sentamos juntos numa mesa e ela abriu o seu coração para mim; tenho este dom que nunca quis ter, desperto nas pessoas o seu lado confessional: o romance com o chefe tinha terminado e ela simplesmente não aguentava o sofrimento de vê-lo todos os dias, pensava em pedir demissão do promissor emprego. Seus olhos encheram-se de lágrimas enquanto sufocava o choro, e fui eu quem, desta vez, segurei a sua mão para reconfortá-la.
Depois daquele encontro, conversamos algumas vezes ao telefone e nunca mais soube dela. Certa vez, muito tempo depois, fui surpreendido com um simpático cartão de Natal e um bilhetinho. Neste tempo todo que se passou, me perguntei por onde andava ela, a que outras decepções amorosas teria sobrevivido e se, sobretudo, ela era feliz agora. Ela me parecia uma dessas figuras femininas à procura constante do verdadeiro amor, – só existente nos romances açucarados que ela leu – e que mergulham cegamente de ponta cabeça numa paixão, mas nunca encontrava o príncipe encantado.
Nosso reencontro na livraria foi uma alegria. Ela estava mais velha e mais bela. O marido iria presenteá-la com um desses computadores portáteis caríssimos e ela estava lá escolhendo marca e modelo. Tinha filhos, muitos deles, estava feliz no casamento e realizada profissionalmente, o que mais podia desejar. Fiquei feliz por ela ter reescrito a sua historia com um final feliz. Não a invejei, mas desejei algum dia conhecer semelhante felicidade. A vida existe para isso, para que continuemos tentando, tentando mais uma vez, e de outra maneira, esforço sem o qual não vale a pena a existência, até dar finalmente certo.
Rio Vermelho, 28 de janeiro de 2013.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Sobre Vacas e Cavalos ou a Estória do Garoto que Despertou Para Um Novo Mundo

Era um menino franzino, destes, criado em condomínio, mas que aos dez anos de idade já era um mestre de lutas marciais no vídeo game e exímio usuário de computadores e similares. Seu mundo restringia-se a um monitor de 25 polegadas e a uma tela de um ipod. Nunca brincara de bola de gude, picula ou fizera estripulias em cima de uma árvore. Ver uma vaca ou cavalo em pessoa, nem pensar! Era um perfeito garoto nascido e criado na cidade, como tantos outros. Filho de pais separados.
         Naquele sábado, era dia de ele ficar com o pai. A mãe, então, arrumou-lhe a mochilinha com uma muda de roupa limpa e foi ela mesma levar o embrulho na casa do ex, logo cedo pela manhã. O pai recebeu o filho com um abraço afetuoso e em instantes já estavam na rua, pai e filho foram à barbearia do bairro cortar o cabelo. O passeio seguinte foi uma ida ao mercado para fazer as compras da quinzena, e quando voltaram para casa estavam famintos, já era a hora do almoço. Uma lasanha congelada saiu do freezer diretamente para o micro-ondas e em poucos minutos já estava materializada em seus pratos à sua frente na mesa, era só o trabalho de comê-la com um copo grande de Coca-Cola e muito gelo. Uma delícia! Depois do almoço, enquanto o pai tirava um merecido cochilo, o filho queimava as suas calorias de frente do computador, antes do próximo passeio do dia que era uma ida ao shopping, seguida de uma sessão de cinema.
         Foi o garoto que fizera a escolha do filme, era justamente aquele que anunciava na TV a cada meia hora e prometia uma diversão para toda a família. Era a estória de um tsunami, a enorme onda oceânica vinha de surpresa e causava uma verdadeira bagunça numa cidade. Ele nunca vira um tsunami antes, assim como nem uma vaca ou cavalo em pessoa, mas sabia que o do filme era de mentirinha, mas estava muito curioso de ver os efeitos especiais hollywoodianos, provavelmente o tsunami seria a melhor parte! Em antecipação ao filme, em sua cabecinha de criança, ele teve fantasias de como seria uma catástrofe natural como aquela.
         E no final da tarde, pai e filho foram ao shopping e o garoto ganhou, como sempre acontecia em todas as suas visitas, um presente bacana que o pai fazia questão de lhe dar, embora não fosse seu aniversário, dia das crianças ou o Natal. A programação seguinte era o filme cujo ingresso, depois de ter sido comprado após uma espera numa longa fila, havia outra maior ainda os aguardando para entrar na sala de exibição. Não fazia mal, enquanto esperavam comeriam um balde de pipoca com um litro de Coca-Cola, afinal, criança em fase de crescimento precisa comer bastante!
         Quando o suplício de aguardar na fila terminou, pai e filho tiveram sorte de encontrar um lugar ao lado do outro na plateia e, em seguida as luzes se apagaram e a magia começou! O pai não tinha muita ideia do que se tratava o filme, mas se era liberado para crianças de doze anos, seu filho de dez, com certeza, era um menino esperto para entender a estória.
A estória do filme girava em torno de uma família que sobrevivera a um tsunami, disso o garoto já sabia. Entretanto a seu entusiasmo tornou-se um pesadelo meia hora depois de começado o filme. Como a própria propaganda dizia, um enorme tsunami veio e arrasou um país inteiro, e no centro daquela catástrofe estava uma típica família americana de férias nas praias de num país exótico. Muita dor, muitas mortes, muitas perdas. Os minutos seguintes foram de angustia e sofrimento da família, brutalmente separada pela tragédia e de sua procura para reencontrar-se em meio ao caos. Ao ver tanta miséria o garoto teve medo e arrependeu-se da infeliz escolha. Lamentou por aquela família que tinha um garoto de sua idade. Assistiu o filme emudecido com o choro preso na garganta. Depois daquela sessão de terror foi para casa assustado e teve pesadelos com tsunami a noite inteira. Quanta diversão para uma criança de apenas dez anos.
Na manhã seguinte, no domingo, pai e filho tomaram um delicioso café, uma pizza Portuguesa sem cebola. Em seguida, o pai arrumou a mochilinha do garoto e foi ele mesmo entregar o embrulho à mãe. Esta o aguardava com saudades, abraçou e beijou o filhote ternamente e lhe perguntou se teve um ótimo sábado. Ao que o menino respondeu com um aceno de cabeça e, em seguida, correu para o seu computador.
Evitando descrever a rotina de um domingo modorrento, o ponto alto do dia foi no final da tarde, quando a mãe tinha uma surpresa reservada para o filho. Foram ao teatro ver um concerto da orquestra sinfônica, algo que o menino jamais vira antes na vida, assim como uma vaca e um cavalo em pessoa. Era uma programação especial para adultos e crianças que nunca foram num concerto: as trilhas sonoras de filmes famosos!
Este era um concerto muito incomum porque ao invés de usarem os costumeiros trajes escuros, os quais para os homens são os smokings e para as mulheres os longos, os músicos fantasiaram-se como personagens de filmes famosos, até mesmo o maestro! O garoto ficou maravilhado com a surpresa e, enquanto os músicos aguardavam a entrada do regente, ele tentava adivinhar qual personagem cada fantasia se referia. E quando finalmente o maestro chegou, a primeira música que ele regeu foi aquela que todos conhecemos e que é a abertura de todos os filmes. O garoto se viu num sonho acordado, seus olhos brilhavam de encantamento.
Para cada música tocada o maestro tinha o cuidado de apresentá-la previamente ao público, algumas eram consagradas peças de música clássica e outras recriações inspiradas em músicas conhecidas. Alguns dos filmes o garoto nunca ouvira falar em sua vida, pois não eram do seu tempo, outros eram recentes e os seus preferidos. Entretanto, todas possuíam a mesma coisa incomum, segundo as próprias palavras do garoto, eram todas lindas! Nossa, ele nunca reparou como a música do E.T. fosse tão maravilhosa e a do Super-homem tão impressionante. A do Harry Potter ele não reconheceu a principio, mas depois a achou linda demais. Enquanto o garoto escutava encantado com tanta beleza, a música clássica ia cuidando de lavar de sua memória as lembranças ruins do filme do dia anterior, sim, porque a música clássica é uma das maiores invenções do ocidente e é a única expressão da criação humana capaz de nos transportar para algo próximo ao paraíso, caso este realmente existisse.
Ao final do concerto, o garoto estava feliz e o seu espirito em estado de contemplação. Anunciou decidido à mãe que queria ser um maestro quando crescesse, ao que ela lhe respondeu dizendo para ele aprender a tocar algum instrumento antes e lhe perguntou qual ele mais gostava e ele respondeu satisfeito e alegre: o violino!

Rio Vermelho, 19 de janeiro de 2013.


segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Pedido de Ano Novo

Não se sabe de onde ela vem ou para onde ela vai sob o sol inclemente das onze. Talvez poucos na rua tenham prestado atenção numa senhora passante, cuja idade bem poderia ser igual à de nossas mães ou avós. O fato é que ela é quase invisível em meio à paisagem urbana indiferente aos miseráveis e solitários. É inquietante ver uma idosa daquela idade exposta ao rigor do calor de verão.
         Da janela de onde a observo, também posso contemplar maravilhado as ondas do mar quebrando sobre as pedras e jogando espuma para o alto, ao lado da igreja de Santana, no Rio Vermelho, sob o sol infernal deste final de dezembro. Protegido pelo conforto do ar condicionado, sei que faz muito calor lá fora e não chove há meses, vejo a grama da praça logo em frente queimada e quase evaporando. O céu está límpido de causar aflição e com o ano novo quase batendo à porta, não há previsão de que cairá uma só gota de água para amainar a alta temperatura. É mais um ao que se vai, e quem dera chovesse um pouco para lavar a cidade do ano que termina e para receber o novo que logo logo se inicia.
         Mas a senhora a que me refiro, todos os dias passa em frente a esta janela. Trajando um vestido de cor desbotada e surrado pelo tempo, empurra um carrinho de supermercado sobre o asfalto escaldante, mas que não leva compras e nem alimentos para fazer o almoço, só bugigangas que ela vai coletando pelo caminho e adicionando ao seu rico tesouro. Vai apressada como se estivesse atrasada para chegar ao seu destino, onde não se sabe onde fica. Curiosamente, ela não está desacompanhada em sua solitária jornada. Logo à sua retaguarda, segue um cão mal tratado de pelo ralo cor de ferrugem que bem poderia ser igualmente invisível não fosse por chamar a atenção pela falta de uma pata traseira. Vai mancando logo atrás de sua dona tentando lhe acompanhar o passo apressado. Contudo, ela não olha para trás, é como se ignorasse a existência do bicho. Talvez este nem seja o seu cachorro, eles apenas se cruzaram certo dia e ela lhe fez um agrado, e como fosse raro este receber carinhos, por isso, elegeu a velha como sua dona, seguindo-a fielmente sob o sol implacável, apoiando-se nas três patas que lhe restam, em busca de mais um carinho.
         Eu só notei a existência da velha na terceira vez que a vi. Talvez não nem tivesse reparado nela se não houvesse atrás de si o cachorro que manca, foi a dupla inusitada que me capitou a atenção. Quem haveria de supor que uma velha tivesse tal fiel guardião.
         Eu não sou o tipo de pessoa que faz pedidos ou lista de mudanças para o ano novo, mas certamente, se fosse fazê-lo, pediria que aos idosos fosse-lhes dada uma vida mais digna e de reconhecimento pelo o que eles já representaram em sua juventude.
         Feliz 2013 a todos vocês, a quem dediquei com prazer o meu tempo e carinho para lhes escrever ao longo do ano. Desejo a todos vocês e suas famílias um ano de alegrias, realizações e paz no coração.

         Rio Vermelho, 31 de dezembro de 2012.