quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O milagre do pão.

Meu pai era um homem metódico e meticuloso, sempre atento aos detalhes. Coisas simples como traçar um circulo ou reta num papel, exigiam a ajuda de um compasso de uso profissional e de uma régua com todas as escalas possíveis! Não que ele não soubesse desenhar, ao contrário, era considerado um grande desenhista. Tudo era estudado antes para não dar errado, e nunca dava! Minha mãe já é o oposto. Ela é mestre do improviso, das receitas com medidas feitas no olho e de memória. No final, contrariando o receituário dos grandes chefes, tudo sai certo e delicioso. Eu já não herdei este talento de ambos, embora eu seja tão meticuloso e cientifico ao fazer as coisas quanto era meu pai. Eu sofro da crônica necessidade de fazer as coisas várias vezes até que dê certo.

Embalado pela influencia de um querido amigo italiano muito camarada que resolveu fazer da produção de pão integral seu sustento – Marco também já fez macarrão e pizzas que tinham um público cativo – resolvi fazer o meu próprio pão. Eu sempre gostei de fazer experiências culinárias e há quem diga que eu levo jeito para a coisa. Pesquisei na internet uma receita básica de pão integral caseiro e logo encontrei uma bem simples e realizável. Caso não saiba, muitas receitas ditas fáceis carregam nas entrelinhas segredos que só um cozinheiro experiente é capaz de perceber. Eu mesmo já fui vítima de varias! Minha mãe também ficou entusiasmada com a idéia quando trouxe algumas amostras mandadas por marco. Por utilizar sempre a cozinha pela manhã para preparar o almoço, ela largou na frente. Seguindo a receita que lhe dei, ao seu modo, fez um pão bonito que ficou pronto na hora da refeição. Seu aroma espalhou-se pela cozinha e pela casa aguçando nossas papilas gustativas. Comemos o pão no almoço e estava uma delicia! O pão era macio e levemente adocicado e tinha a cor de canela, apesar de não ser um ingrediente da receita. Ao longo da tarde, ele foi beliscado pelos ociosos e oferecido aos visitantes, de modo que até a hora do café, dele só sobrou migalhas! Minha mãe, é claro, ficou feliz pela aprovação de mais uma de suas produções culinárias.

Seguidamente, foi a minha vez de tentar a receita. Armei-me de balança, medidores e um cronometro, e com o cuidado de quem está prestes a descobrir a cura do câncer, segui a receita à risca. O resultado final foi um completo desastre, pois se no final teria de sair um pão bonito do forno, tirei um bloco de tijolo! Ele ficou inaproveitável, não servia para consumo humano e nem animal. Dei-lhe o destino da lixeira com o coração partido tanto pelo fracasso como pelo desperdício. O que eu teria feito de errado se segui a receita à risca?

Para compensar o meu fracasso, dias depois, minha mãe fez outro pão, tão bom quanto o outro e usando a mesma receita de cabeça. Alguma mágica ela fazia. Fiz disso um assunto internacional. Procurei minha amiga Adriana, uma especialista em padaria na terra do Tio San, e pedi-lhe ajuda. Pão, bolos, são complicados, ela disse. A altitude, temperatura ambiente, umidade do ar, temperatura do corpo, tudo influenciava. Fiquei chocado, eu só queria fazer um pão! Meu amigo Marco também deus suas dicas. Tomei coragem e arrisquei mais uma vez. E novo fracasso. Tudo indicava que era bom em fazer tijolos indigestos. Adriana sugeriu que eu ficasse grudado ao lado de minha mãe e anotasse tudo enquanto ela fizesse próximo pão. Mas esta é uma tarefa meio difícil de se cumprir pois, enquanto ela faz o pão, ela também prepara o almoço, faz palavras cruzadas, varre o jardim, coloca roupa na maquina de lavar, liga para as netas para saber como estão, entre outras coisas que não tomo conhecimento. Uma dona de casa jovem e moderna, não teria energia para fazer tanto! Portanto, esta opção estava fora de questão. Descrevi detalhadamente cada movimento que fiz em minhas tentativas e terminamos descobrindo o vilão da questão. Era tão simples, estava lá na receita e eu não dei a devida importância. A água para dissolver o fermento deveria ser morna e aparentemente eu estava usando água tão quente que estava 'matando os bichinhos', segundo a Adriana. Eu não fazia idéia que haviam bichinhos nos pacotes de fermento, ou melhor, que o fermento biológico eram fungos. Estava, então, desvendado o mistério!

Num belo domingo à tarde preparei-me com meus apetrechos técnicos, e com a experiente presença de meu amigo Marco e seguindo as dicas de Adriana, fizemos um bonito pão! O sabor não era tão gostoso como o da mamãe e nem tão macio. Um ingrediente foi esquecido, o óleo. Mas mesmo assim era um pão comível e até fotografável. O próximo vai ser perfeito, eu sei. Foi tudo culpa do fermento e do óleo. Dias depois, minha mãe fez outro pão - parece que ela se diverte com este meu fracasso culinário - delicioso e macio como eu gostaria que fosse o meu, e ela nem come pão integral!

Rio Vermelho, 5 de novembro de 2008.

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