Eu voltava para casa num final de tarde depois de uma caminhada, dessas que os médicos costumam recomendar para se levar aquela vida saudável. Minhas caminhadas têm outro motivo terapêutico, embora, no final de contas, elas façam bem tanto ao coração quanto à alma. Eu saio para andar quando preciso de um estimulo para minha imaginação. Caminho pela orla ou vou até o Parque da Cidade. Uma amiga querida já me receitou para isto uma certa ginástica cerebral, mas ai já é outra estória! Nada de novo ou interessante me veio naquele passeio, o que prova que boas idéias nem sempre brotam do meu método. A tal da musa inspiradora não bateu o ponto este dia.
Eu já estava próximo a minha casa quando em minha direção vinha um jovem rapaz aparentando uns 35 anos e de boa aparência. O ilustre era o que atualmente se convencionou chamar de 'afro-brasileiro', em lugar de outra denominação que nos vem com mais freqüência na intimidade dos pensamentos, com certeza, livre do policiamento dos politicamente corretos. Graças a Deus ainda podemos ter pensamentos! Este rapaz bem poderia ser qualquer um de nós andando pela rua, cuidando da própria vida, exceto pelo falo de ele estar completamente nu dos pés à cabeça, exatamente como Deus o arrastou a este mundo.
Embora o cidadão andasse nu pela rua, ele não tinha jeito de ser um hospede do Juliano Moreira em passeio pela cidade, sem rumo. Ao contrário, sua aparência era distinta. Cabelo cortado e arrumado, a pele limpa e fresca como a de alguém que tem por hábito o bando diário. Barba feita. Não sou cego, e por isso não pude deixar de ver que o pau do camarada, em posição de descanso, chegava quase à altura do joelho. Um capricho da natureza. Talvez fosse criado solto em total liberdade, como um animal selvagem nas savanas, e por isso a ação da lei de Newton o tivesse esticado daquele modo. Assunto encerrado. O rapaz aparentava ser tão são quanto eu, mas mesmo assim não demonstrava o menor constrangimento. Não cobria suas partes íntimas com as mãos, não olhava para os lados procurando um arbusto para se esconder como nos filmes. Agia como se o seu estado de nudez fosse uma coisa perfeitamente natural e aceita pelos habitantes do Rio Vermelho, já calejados de ver de tudo. Até pingüim tem aparecido na enseada da Paciência! Observei seu rosto e vi uma expressão séria e compenetrada de alguém que estivesse absorto em pensamentos importantes. Sérios o bastante para não se preocupar com coisas mundanas como pelo menos vestir uma calça, uma vez que num bairro praiano como onde moro, andar por ai sem camisa é marca registrada, ninguém se incomoda. Seus passos eram largos e firmes, cientes de seu destino. Queixo para frente. Corpo empertigado. Se não fosse pela ausência total da roupa, alguém pensaria que ele estava a caminho de um encontro marcado e não queria perder a hora. Imagine, por um momento, um cavalheiro inglês de terno preto, chapéu coco e bengala caminhando apressado no centro comercial de Londres, e você terá a perfeita imagem da atitude majestosa do meu personagem. Talvez até essa sua postura fizesse com que outros passantes não percebessem que lhe faltavam as calças. Eu é que sou muito observador e por isso não deixo passar nada. Se ele não era maluco, me perguntei, porque estaria nu pela rua? Vivemos em um mundo agitado e apressado onde cada minuto conta no grande panorama. Este cavalheiro, apesar de estar andando nu em meu bairro, me parecia ser um homem distinto. Talvez não fosse exagero dizer que ele tivesse saindo de casa com tanta pressa, sem perceber que deixara as calças para trás!
Rio Vermelho, 17 de janeiro de 2008.
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