domingo, 2 de setembro de 2012

NÃO FOI AINDA A SUA VEZ OU A ESTÓRIA DO MÉDICO QUE FICOU ALIVIADO.


Ao apalpar-se certa manhã durante o banho, sentiu um caroço. Podia ser apenas um fibroma sem importância, contemporizou; ou coisa bem pior... Teve um calafrio. Médico experiente que sempre foi, um caroço naquela região do corpo não devia ser negligenciado. Ficou angustiado ruminando aquela insensatez ao longo do dia e resolveu procurar a ajuda de um especialista imediatamente.

O seu colega só cobrou metade da consulta, ainda assim o outro achou caro, fazer o quê. Depois de algumas apalpadelas, o caríssimo especialista fez uma expressão grave, pediu um exame de imagem igualmente caro como a sua consulta, coisa de última geração. Aconselhou o paciente a não dirigir automóvel, operar máquinas perigosas, não praticar esportes e abster-se de luxúria até terem o resultado do exame.

O médico largou o carro no estacionamento e voltou de taxi para casa, no caminho, teve vontade de espirrar e, desesperado, temeu por consequências trágicas, não lembrava de o especialista ter restrito esternutações. Chegou ao lar sorumbático, todo borocoxô. Pensou com sigo mesmo, “tô fudido”.

De sua casa, marcou o tal exame. Só daqui a três dias, lhe disseram, não dava para ser nem em um ou em dois dias antes, e o pagamento era feito em espécie e sem conversa mole, que médico pagava o mesmo que os outros pacientes, ninguém tinha privilégios naquele lugar, fazer o quê.

Aquela semana foi a mais longa de toda sua vida, três dias pareceram trinta. Preocupado, o médico não foi trabalhar. Precisava organizar a sua vida antes que fosse tarde demais. Fez as contas de tudo quanto devia e separou o dinheiro, passou algumas procurações para a esposa e escreveu um sucinto testamento de próprio punho. E tanto ainda por fazer, lamentou-se. Sentiu-se impotente e injustiçado ante a grave moléstia; logo ele, um brilhante médico, considerado por todos um gênio, um médico desses de ressuscitar defunto de três dias. Como a sua vida lhe pareceu frágil, o homem que se achava um Deus agora se sentia como um reles mortal. Percebeu como era difícil e doloroso ser o paciente, agora que o seu destino estava nas mãos de outro jaleco branco, um homem insensível e de olhar duro.

Naqueles três longos dias que se sucederam, e que lhe pareceram uma eternidade, lembrou que já era tarde demais para ir ao Nepal como sempre sonhara. E nem nunca lera além do prefácio de “A Montanha Mágica” ou escrevera o seu próprio livro policial usando aquela ideia genial que certo dia teve. E a sua longa lista de mulheres com quem sonhava transar algum dia, estava cancelada. Suspirou. Lamentou pelos poemas de Drummond e Pessoa que nunca leu para a amada esposa, mãe de seus filhos pequenos, os mesmos filhos que não veria crescer, embora ele raramente os visse, pois ele vivia para o trabalho, para dar a sua família uma vida confortável sem que lhe faltasse nada.

Na véspera do exame, ele foi ver a amante e despediu-se com uma tarde de pecados inconfessáveis, deu-lhe de presente uma linda e cara joia que ela poderia vender, numa hora de aperto. Na manhã seguinte, no dia fatídico, amou a esposa antes do café da manhã como há muito não o fazia, fazendo-a até apaixonar-se de novo pelo marido e ponderar livrar-se do jovem amante. Beijou os pequeninos e foi enfrentar a ressonância magnética.

Ele que prescreveu tantas vezes a seus pacientes aquele exame, nunca imaginou como o mesmo fosse tão incômodo. Foi entupido de contraste pelas atendentes e esperou tantas horas quanto foi preciso até ser metido numa fina túnica e daí seguiu para dentro de um tubo que temeu ser o prelúdio de sua tumba. Enquanto era mantido imóvel dentro daquela terrível cápsula que examinava cada uma de suas células, apelou para a salvação divina ensaiando um mal engendrado “Pai Nosso que estás no céu”, mas terminava sempre se enrolando em algum lugar entre o “vem a nós o vosso reino” e o “pão nosso de cada dia”. Terminou por rezar o Hino do Bahia, cuja lembrança era mais vívida em sua memória por ser um devoto fervoroso e, com o qual esperava obter, de qualquer jeito, a mesma graça divina.

Quando o exame ficou pronto, o doutor correu levando-o para o seu caríssimo especialista cujo documento leu com uma expressão de constipação crônica. E sem dizer mais nada, o especialista colocou 16 gotas de uma mágica porção em meio copo de água que serviu ao seu paciente que o bebeu feito um cordeirinho, dando por encerrada a consulta. O famoso médico deixou o consultório com um sorriso de felicidade e, caminhando lépido em direção ao automóvel, já no pátio do estacionamento, soltou um sonoro e vigoroso peido que o fez sentir-se aliviado. Foi o efeito da porção mágica, tudo não passou de gases. Estava curado!

Rio Vermelho, 2 de setembro de 2012.



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Viúva com v maiúsculo.


Era uma jovem, bela e chorosa viúva cujo saudoso coração selou com luto e amargura. Não quis mais saber de outro, o falecido foi o grande amor e, por fidelidade à sua memória, prometeu a si mesma jamais substituí-lo. Ah, como era solitário e vazio o seu coração carente do afeto e aconchego de um homem.
Uma dessas adversidades do cotidiano a fez deixar o automóvel no conserto aquela semana, e como tinha de ir trabalhar todo santo dia, não teve outra alternativa se não ir de ônibus, solução que, aliás, casou-lhe desagrado, uma vez que o transporte público não apenas era de má qualidade, mas insuficiente, tanto que nas horas cruciais do dia, uma multidão de passageiros se espremia em seu interior feito gado sendo transportado para o abatedouro; um horror.
A jovem e delicada viuvinha não estava acostumada àquele desconforto, que ela só usava o automóvel como meio de locomoção e não imaginava que uma viagem de ônibus de seu bairro até o centro da cidade, onde batia o ponto, pudesse ser algo tão desagradável. Logo no primeiro dia de sua lamentável saga, percebeu que viajar confortavelmente sentada era um privilégio para poucos, uma vez que ela embarcava no transporte já lotado no meio do trajeto. Concluiu, então, que dificilmente teria a sorte de pegar um assento vago ou de ter a grata satisfação de encontrar um cavalheiro já acomodado que lhe fizesse a gentileza de lhe ceder o lugar. Ajeitou-se de pé para não cair da melhor forma que pode, com uma mão segurava o corrimão preso ao teto e com a outra a bolsa que trazia rente ao corpo para livrá-la de gatunos.
No entanto, não partiu de um larápio a origem de sua indignação. A princípio, ela apenas julgou que fosse sua imaginação, mas devido à persistência da ação, concluiu indignada que algum safado estava se aproveitando de sua vulnerabilidade pelas suas costas, ou, mais apropriadamente colocando, pelo seu traseiro! Em meio àquela multidão de corpos que se apinhavam dentro do ônibus, sentiu que um corpo rijo e pulsante roçava insistentemente contra a sua bunda. Seu primeiro ímpeto foi olhar para trás e passar uma descompostura no descarado, mas depois temeu uma represália, uma violência física pior que aquela a qual estava sendo submetida. Sufocou o grito, os olhos encheram-se de lágrimas, indignada fez de conta que nada estava acontecendo. E como não encontrasse resistência alguma por parte da apetitosa moça, o devasso cidadão começou a bambolear os quadris com a cadência de um expert no assunto ao que a viúva, sentindo no traseiro aquela ritmada ginga, achou aquilo intolerável e fugiu dali, indo estacionar-se logo adiante em frente de outra mulher o dobro do seu tamanho. Mas que canalha, ela resmungou.
Ao longo do dia, ela não pensou mais no assunto e só na volta para casa, já de pé dentro do famigerado ônibus é que teve o pressentimento de que o mesmo libertino daquela manhã estava novamente de pé logo atrás de si, pois o mesmo abuso se repetiu. Que diabo, pensou a viuvinha. Mas logo ela percebeu que não se tratava do mesmo homem da manhã, pois sentiu que a sua pujança e mexida eram diferentes, concluiu resignada.
Aquela noite ela teve o sono agitado e sentiu calores entre as pernas como há muito não acontecia. Sonhou que estava, pois, de pé numa interminável viagem a bordo de um ônibus lotado de homens desfigurados que faziam fila logo atrás dela, esfregando seus rijos brutos contra sua bunda como se quisessem arrancar-lhe os couros, extraia-lhe soluços e provocava-lhe uma tremedeira incontrolável nas pernas. Na manhã seguinte, sua ida para o trabalho foi como se o tal sonho da noite anterior tivesse se repetido, pois o ônibus não apenas estava lotado de homens, como cada um deles parecia ter resolvido tirar dela uma lasquinha!
Um turbilhão de desejos e sensações confusas tomou de assalto os pensamentos da pobre viuvinha que se sentiu diferente naquela memorável semana, como se tivesse libertado de alguma coisa que guardava secretamente em seu interior. Mas para sua satisfação, o seu carro ficou pronto no dia combinado e o mecânico ainda lhe fez a gentileza de ir deixá-lo em sua casa pela noite. Seu sofrimento havia chegado ao fim.
Na manhã seguinte, tomou um bando demorado com sais e óleos para sentir a pele macia e depois perfumou-se com alfazema francesa. Vestiu-se cuidadosamente admirando-se no espelho, escolheu a lingerie mais transparente e delicada para, em seguida, mudar de ideia resolvendo que dispensaria o uso daquele artigo obsoleto. Sentiu-se linda, com uma beleza quase imoral, e quando finalmente ficou pronta para ir para o trabalho, foi lépida e fagueira para o ponto do ônibus!
Rio Vermelho, 3 de agosto de 2012.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Virtuosa.


Era um poço de virtudes, uma verdadeira cristã. Sua vida resumia-se na rotina diária de casa para o trabalho e do trabalho para casa e, aos domingos, ia ao culto da igreja onde, também, ensinava a bíblia aos jovens. Não se casara ainda e nem se sabia de nenhum pretendente, mas se fosse para ter namorado, ela já avisava com convicção, era para ser namoro sério de porta, noivar e casar logo, tudo nos conformes.
         Não recusou convite da colega de trabalho para a festa de aniversário em sua residência, apesar de ela não ser irmã da igreja e, portanto, sabia que haveria na comemoração festiva coisas que a sua religião condenava como bebida alcoólica e dança. Fazer o quê, o importante era que ela tinha a sua fé e sabia muito bem distinguir o certo do errado e sabia resistir às tentações do capeta.
         Ao chegar à festa, foi recebida com satisfação pela dona da casa e, em seguida, foi se acomodar discretamente num sofá ao lado de um cavalheiro que não deixou de perceber as suas belas formas mantidas escondidas debaixo do vestido puritano que fechava rente logo abaixo do pescoço e que lhe caia além dos joelhos, aliás, como toda moça de respeito deveria se trajar. O rapaz sentiu-se provocado pelo pudor da moça ao seu lado e passou a desejá-la de forma pouco republicana. Para puxar conversa e demonstrar ser sociável, ele deu uma mancada ao oferecer-lhe uma cerveja bem geladinha.
         — Deus me livre! Eu não ponho álcool na minha boca. Por motivos religiosos, você me entende?
         Certamente, o rapaz não entendia nada de religião, pois naquela noite sua maior preocupação era colocar a moça para se ajoelhar e rezar segundo o seu catecismo! Depois de aguardar mais algum tempo que ele julgou apropriado, deu uma segunda investida.
         — Não, obrigada. Eu não fumo! Por motivos religiosos, você me entende?
         O rapaz ficou desconcertado com a sua total falta de tato em lhe dar com aquele tipo de mulher, mas mesmo assim tentou uma terceira vez, e tentaria outras até que alcançasse o seu intento.
         — Não, obrigada, querido. Eu não danço. Por motivos religiosos.
         Mas apesar de todas as suas ofertas terem sido recusadas educadamente, o rapaz não desanimava, não estava disposto a desistir, ao contrário, aquelas negativas da moça causavam-lhe efeito inverso, de modo que mais interessado ele ficava por ela, que aquilo já virara uma questão de honra e tentaria arrancar dela nem que fosse apenas um inocente beijinho. Mas só Deus sabe como ambos acabaram se entendendo e o que foi que ele disse ou fez para conquistar o coração da virtuosa moça, de modo que ao final daquela noite ela não apenas se ajoelhou como também rezou fogosamente. O rapaz, pego de surpresa, deu o maior duro para satisfazer os caprichos e vontades daquela moça tão recatada. Num intervalo que ele lhe pediu para descansar e recarregar as baterias, ele não resistiu e falou assim pra ela:
         — Eu não compreendo você, não bebe, não fuma e também não dança por motivos religiosos, mas, no entanto, estamos aqui na cama fazendo ousadia a noite toda...
         Ela deu um sorriso amarelo e explicou:
         — É como eu sempre digo aos meus alunos da escola bíblica de domingo: é possível se divertir muito na vida sem precisar beber, fumar ou dançar!

Salvador, 11 de julho de 2012.

domingo, 24 de junho de 2012

Sem pudor.


Falava à vontade com o aparelhinho colado ao ouvido como se estivesse na cozinha de casa e como se o mundo ao seu redor não existisse. A voz era estridente e perfeitamente clara, de modo que os passageiros do ônibus participavam da conversa, mesmo sem desejar aquela estranha e inesperada intimidade.
         — Mas por que você acha que eu sou uma vagabunda? Que foi que eu fiz pra você ter esta ideia a meu respeito? – quis saber a moça sentada ao lado da janela.
         Se ao menos ela tivesse a delicadeza de pôr o aparelho no “viva-voz”, os ouvintes daquela inverossímil conversa saberiam o que dizia a outra parte, embora muitos dos que estavam ali espremidos naquele ônibus já tivessem suas próprias opiniões a respeito. É isto, desde que os telefones celulares chegaram ao mundo, as conversas particulares viraram coisa pública, e as pessoas passaram a falar na frente de estranhos coisas que só diriam ao padre no confessionário.
         — Escute, eu não sabia que você era casado, juro... Mas veja como você é um homem bom e sincero me contando isto justamente agora, é tão difícil encontrar homens que falam a verdade...  Poxa, Ubaldino, você merece que eu te dê uma chance...
         Para não faltar com o caro leitor, cabe um esclarecimento, a moça ao telefone está oferecendo os seus favores ao homem do outro lado da linha, mas este não está nem um pouco interessado e, para se livrar dela, mentiu dizendo que era um homem casado e fiel.
         — Não, menino, eu não sou esta vagabunda no sentido que você está dizendo, mas eu adoraria ser a sua puta! .... olha, eu me garanto, viu, ninguém nunca nem reclamou... vou te deixar um bagaço, meu filho!
         A velha sentada logo à sua frente se benzeu. “Que devassidão!” O cavalheiro de pé trajando um paletó preto e segurando uma maleta 007 lançou-lhe um olhar lascivo. A dona de casa torceu o nariz e balançou a cabeça. “Mas que sujeitinha...” Alguns deram um sorriso maldoso, outros um olhar de desaprovação. Aquela conversa já ia longe demais, mas ninguém ousava interrompê-la, afinal, o local era público.
         É interessante como o advento do celular fez com que pessoas perdessem a única nesga de pudor que lhes restassem, ao expor a estranhos pormenores de suas vidas privadas que em outros tempos seriam poupados de ouvidos alheios. Se hoje em dia casais e famílias problemáticas vão a programas de TV para lavar a roupa suja nos lares das famílias brasileiras, as conversas telefônicas em público, então, são como reality shows ao vivo que despertaram o lado voyeur que existe nos recônditos de cada um de nós. É possível se ouvir de tudo na rua, desde casais brigando a homens de negócio fechando contratos vultosos com clientes no outro lado do mundo à mesa de cafés. Certa vez, ouvi com a curiosidade que me é própria, a conversa de um advogado instruindo a seu cliente como mentir para o juiz para que ele se livrasse das acusações que lhe eram imputadas. Certamente o celular levou a palavra “pudor” ao desuso e, embora este seja, na maior parte das situações, uma mão na roda para os seus usuários, ele é utilizado também em situações bem pouco republicanas.
         Um marido estava deitado pelado sobre a cama redonda de um luxuoso motel, acompanhado de uma linda jovem que certamente não era a sua esposa, e ao perceber que o entusiasmo da situação o fizera perder a hora, teve um sobressalto e ligou de seu aparelho celular para a esposa, que o aguardava ansiosa em casa para o jantar.
         — Benzinho, eu estou aqui num puta congestionamento na Paralela, vou chegar mais tarde... – mentiu confiante.
         — É mesmo? – respondeu a mulher desconfiada. – Então, buzine aí o carro que eu quero ouvir!
Rio Vermelho, 24 de junho de 2012.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Apego a formalidades.

Andava com os nervos à flor da pele por causa de noites mal dormidas e irritação com a vizinhança. Na verdade, só um vizinho o aborrecia tanto assim, e acontecia de este ser, também, o motivo das noites perdidas. É que abriram um bar em frente à sua casa. Destes frequentados por gente que fala aos berros, bebe muito e dá vazão desmesurada às emoções, que um bar é quase sempre um vizinho indesejável.
         Francisco era justamente o oposto, não frequentava bares, bebia como um passarinho e estava sempre mal humorado. Mas a sua querela com o inoportuno vizinho justificava-se: o estabelecimento só abria para a noite, mas o vigia do local colocava música o dia inteiro e com o volume nas alturas, pois estava decidido a compartilhar o seu gosto musical duvidoso com a vizinhança, para desespero do desafortunado Francisco que trabalhava em casa e precisava de silêncio. Resultado: de dia ele não conseguia trabalhar direito por causa da música alta do vigia e à noite a zoada do bar roubava-lhe o sono. Era um inferno!
Foi reclamar ao proprietário que, para seu azar, era um homem grosseiro e alheio a princípios da boa vizinhança. O vigia não estava fazendo nada de mais ao se distrair ouvindo música e podia ouvi-la no volume que bem desejasse, respondeu indiferente a Francisco, dando por encerrada a conversa. E como se não bastasse, nas noites das quartas-feiras tinha um telão para a clientela assistir o futebol. Aí sim é que aquilo lá virava um inferno quando alguém gritava “gol!”.
         Mas Francisco, que era um tipo muito educado e reservado, não tolerava desaforo algum, brigava por seus direitos com unhas e dentes. No dia seguinte, foi no órgão da prefeitura responsável por aquele tipo de abuso e formalizou uma queixa. Agora o dono do bar vai se ver com as autoridades, profetizou satisfeito. Passados três longas semanas, finalmente o fiscal da prefeitura deu as caras no local, mas os argumentos do proprietário foram mais convincentes, qual barnabé não é sensível a uma boa explicação recheada de dinheiro? Francisco aguardou até que ele saísse do bar para interpelá-lo e este veio com uma explicação de fazer cair o queixo: não poderia fazer nada a respeito uma vez que o estabelecimento não possuía alvará de funcionamento, não estava legalizado, portanto, e como este não existia formalmente para a prefeitura, não tinha como autuá-lo, pois o bar não existia! E foi-se embora satisfeito com os bolsos cheios de dinheiro.
         Indignado, Francisco resolveu voltar à prefeitura com a intenção de resolver aquela questão a qualquer custo, desde, é claro, que fosse de forma lícita, pois ele se pautava pela correção e honestidade, não iria molhar a mão de ninguém para ter seus direitos reconhecidos, a paz e sossego eram direitos fundamentais do cidadão. Como não podiam fazer nada contra um estabelecimento clandestino? Que espécie de desculpa esfarrapada era aquela? Desta vez, chamou seu amigo Josivaldo para acompanhá-lo na empreitada, este serviria para lhe dar apoio moral. Francisco queria falar com algum funcionário superior, alguém dotado de discernimento que percebesse o absurdo dito por aquele fiscal corrupto e que tomasse as devidas providências. No dia seguinte, voltou ao órgão municipal com Josivaldo a tiracolo.
         Francisco não era o único a brigar por uma causa junto à prefeitura e, por isso, a sua senha de atendimento era a de número 237 mas, para o seu desespero, o placar estava ainda no número 56! Felizmente não esperaria todo aquele tempo sozinho, pois Josivaldo estava ali ao seu lado para fazer-lhe companhia, ficariam jogando conversa fora até que chegasse a sua vez. Pobre Josivaldo, há coisas aborrecidas que só mesmo por um amigo do peito se faz, e uma delas é fazer-lhe companhia numa fila de espera de uma repartição burocrática da prefeitura. E quem tem amigos, espera um dia poder contar com eles numa eventualidade. Foi quando Dagoberto, um amigo de Francisco dos tempos de faculdade e companheiro de farras homéricas apareceu por detrás do balcão. Ao vê-lo Francisco surpreendeu-se e logo concluindo que o grande Dagoberto deveria ser um funcionário daquela repartição. Havia anos que ambos não se falavam e Francisco foi lá cumprimentá-lo enquanto, de longe, sentado em seu lugar, ficou Josivaldo assistindo a cena, torcendo para que Dagoberto se mostrasse útil e desse um jeitinho para resolver o problema de Francisco, para que os dois fossem embora dali o quanto antes.
         Trocaram abraços calorosos, rizadas, tapinhas nas costas em meio à conversa. Pelo entrosamento entre os dois, Josivaldo concluiu que o problema já estava bem encaminhado, sentiu-se quase chegando de volta em casa.
         — E aí, falou com ele? – quis saber Josivaldo ao retorno de Francisco.
         — Nem toquei no assunto. – respondeu Francisco desanimado.
         — Mas por quê?
         — Ele não me perguntou o que estava fazendo aqui. – respondeu Francisco amuado.
         — Que é isso! – exclamou Josivaldo perdendo a paciência. – Era só contar o problema e pedir a ele para dar uma força!
 — Mas se ele nem quis saber o motivo porque eu estou aqui, é porque não está interessado em me ajudar, não sou eu quem vai pedir favores! – disse Francisco dando por encerrada a questão, com o orgulho ferido.
         Josivaldo aborreceu-se com aquele comportamento de Francisco, nunca vira tanto pudor assim. Os dois ficaram mudos sem trocar mais palavras. O jeito era ficar aguardando até que chamassem o número 237 mas só Deus sabia quando isto aconteceria, e tudo isso por causa de uma mera formalidade.

Rio Vermelho, 11 de junho de 2012.
         

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Por uma questão de humanidade.


Desejava a vizinha ardentemente. Sonhava com a mesma acordado a ponto de dedicar-lhe memoráveis punhetas. Mas ele não tinha esperanças, achava-se velho demais, além do mais, que mulher jovem iria querer ir para a cama com um homem que tinha quase a idade de seu avô? Talvez só por dinheiro, mas ele não tinha tanto assim sobrando para aquele tipo de aventura, o jeito era economizar.
Astolfo era um sujeito de porte grande, proprietário de uma barriga saliente cultivada com a mistura de cerveja com petiscos; possuía, também, um bigode comprido e branco como o marfim e que lhe caia pelos cantos da boca fazendo-o parecer um velho leão marinho. Para completar a descrição, puxava da perna esquerda por causa de um diabo de artrose que não lhe deixava em paz e que tinha dias que lhe doía de fazer perder o sono e de tirar o apetite, mas não tomava remédio algum, tinha horror. E o remédio para matar aquele tipo de dor lhe tirava o tesão, apesar de este não lhe ser de muita serventia nos últimos tempos, mas tinha esperança que Jandira, a sua memorável jovem vizinha, aceitasse a oferta que lhe faria quando a oportunidade chegasse.
         Jandira era uma jovem e bonita morena de pele da cor do tamarindo maduro, possuidora de quadris largos e lábios carnudos e gordurosos. Astolfo a conhecia só de cumprimentar desde os tempos de moleca, mas nunca lhe deu a devida atenção, tinha o corpo miúdo de criança. Mas quando ela se tornou moça e o corpo floresceu numa mulher adulta e admirável, ele passou a cobiçá-la com olhos de lobo velho faminto. Da janela de seu quarto no segundo andar de um velho sobrado no Rio Vermelho, ele podia contemplar Jandira lavando a roupa no tanque no quintal de sua casa que era colada à sua. Ela ficava de costas para ele curvada sobre o tanque, metida num minúsculo short que sumia pelo rego das carnudas nádegas, isto quando não vestia uma apertada saia curtíssima que lhe acentuava a perfeição dos quadris e das pernas. Tinha vezes que ela esfregava as roupas agachada sobre uma bacia de frente para a janela do velho, aí sim o espetáculo era uma belezura. Astolfo podia ver pelo generoso decote de sua blusa os fartos peitos sacudindo de um lado para o outro como dois melões maduros ao fazer o esforço com os braços, e se ela estava de saia era uma loucura, ele podia jurar que via a ponta da calçola guardando-lhe a preciosa joia.
         Nos fins de tarde, Astolfo não perdia o horário de ir até a padaria na intenção de encontrar casualmente com Jandira que ia comprar o pão para o café da noite. Ele fazia questão de cumprimentá-la, na esperança de que um dia ela lhe desse ousadia e, por isso, não passava sem dizer um galanteio. “Boa tarde! O amarelo lhe cai muito bem.” Dizia elogiando-lhe o vestido. “Tá de corte novo de cabelo? Ficou parecendo uma princesa!” Que mulher não gosta de um elogio, mesmo vindo de um velho barrigudo e bigodudo? Um dia ele veio do mercado do peixe da Praia de Santana, trazia um pequeno balde quase transbordando de peixe agulha; cruzou com Jandira que olhou com curiosidade, Astolfo se adiantou. “Tome aqui uma dúzia para você fazer um ensopado pra janta.” Colocou num saco ali mesmo no meio da rua. “Eu gosto dele é frito!” Exclamou a moça agradecendo-lhe, numa das raras vezes que lhe dirigia a palavra.
         Jandira já tinha notado os olhares maledicentes daquele velho, mas ela não se incomodava, pois sabia que ela era mesmo gostosona, que ver não arranca o pedaço, fazia até bem à sua autoestima. O dono da mercearia ao lado da padaria só faltava uivar quando ela passava de minissaia. O vigia da casa lotérica e os outros vagabundos que lhe faziam companhia sentados na calçada, também a olhavam com olhos de peixe morto, mas ninguém ousava dizer-lhe gracinhas por uma questão de respeito, já que ela era uma moradora das vizinhanças e o seu pai era um homem respeitado. Mas Jandira não era boba, sabia que o velho Astolfo a espionava lá de cima de sua janela quando ela lavava a roupa no tanque, por isso lhe fazia uma caridade, ia vestida com um shortinho apertado e às vezes até uma saia bem justa pra testar se o coração dele aguentava ao ver a ponta de sua calcinha quando se acocorava de frente para a bacia.
         Certo dia, já tendo economizado bastante dinheiro, Astolfo muniu-se de coragem. Tomou um belo banho, arrumou-se e, no final da tarde, foi até a padaria encontrar casualmente Jandira que como sempre, foi comprar o pão. Na saída da padaria, chamou-a num canto: “Menina, cheque aqui.” Ela se aproximou curiosa e ele, à queima roupa, disse com todo o atrevimento mostrando-lhe um maço de dinheiro graúdo: “Olhe, isso aqui é todo seu, se você me der uma chupada.” Jandira tomou um susto e lhe lançou um olhar indignado. Controlou o tom da voz nervosa para evitar fazer uma cena em público. “Mas o senhor está me ofendendo, viu? Quem o senhor pensa que eu sou? Não sou dessas que faz estas coisas por dinheiro. O Senhor está enganado comigo. Não vou lhe cobrar um só tostão, que por uma questão de humanidade, não se nega um copo de agua ou um boquete a quem precisa!”

Rio Vermelho, 14 de maio de 2012.

domingo, 20 de maio de 2012

Ode ao amor.


Certa vez, escrevi uma linda carta declarando o meu amor, mas que jamais foi respondida. E na certeza de que a tal missiva encontrara a sua destinatária no gozo de boa saúde, fiquei triste com a sua indiferença ao decidir-se que eu não merecia resposta alguma. É intrigante o comportamento humano diante de situações que envolvem razões do coração, sobretudo o do sexo oposto, pois, se aquela não fosse uma carta de amor e sim uma de injúrias, certamente eu teria recebido o contra-ataque na sequencia. Mas, ao contrário, a minha carta era suave e gentil, romântica como um poema de amor exaltando as qualidades da amada e defendendo as razões do nosso amor, escrita com todo o ardor de meu coração sincero e apaixonado. A algumas poucas amigas, pedi-lhes que a lesse para que dessem o seu veredito. A resposta foi que todas desejaram um dia ter recebido uma carta tão corajosa assim de um homem apaixonado que abre o seu coração sofredor e cuja ferida ainda continua aberta. Houve quem se oferecesse como substituta, e até uma dama casada me quis como amante. Recusei todas as ofertas, o meu coração estava reservado para a outra. Este mal logrado episódio de conquista amorosa me fez lembrar outro, no qual o meu saudoso pai foi ator coadjuvante.
         Um de seus admiradores e amigo tinha por hábito ir ao seu atelier visitá-lo vez por outra, porque lhe fazia bem conversar com um homem das artes e assisti-lo em seu labor, que papai não se incomodava de prosear enquanto pintava. Seus quadros eram impregnados de poesia e lirismo, e contemplar a sua criação era um raro privilegio só experimentado pelo amante da música clássica ao assistir o maestro reger, cuja execução é única, isto é, ele jamais executa a mesma obra do mesmo modo.
Amâncio, assim se chamava o rapaz, ia ao atelier ver os quadros naquela semana porque ele estava sofrendo, e o seu sofrimento era da alma, mas chegava a causar-lhe dor física porque é assim que se sofre de um amor verdadeiro, e admirar a beleza dos quadros de papai era um bálsamo para a sua dor.
É que ele recebera o famigerado “pé na bunda”, e como todo ser humano rejeitado, ele não se conformava. A sua infinita e dolorosa tristeza se traduzia em lamúrias e choramingas que meu pai ouvia fingindo sincero interesse embora aquilo o aborrecesse, isto porque ele era feito de um tecido forte e agreste que não tolerava homem que chorava por causa de mulher alguma, homem chorando já era uma coisa feia, e ainda mais por causa de uma decepção amorosa, era uma vergonha ao gênero masculino. O temperamento áspero de papai era uma de suas idiossincrasias, certamente uma incoerência com o lirismo e suavidade de sua arte.
Amâncio ia ao atelier todo santo dia e repetia sempre a mesma ladainha, falava de seu amor desprezado e de seu coração partido e da forma como agora a ingrata o tratava, com tamanha indiferença, que nem um cão sarnento merecia, como se nunca houve uma estória de amor entre ambos. Ele pedia conselhos a papai de como ele deveria agir para reconquistar o coração da amada e sem a qual ele não conseguia mais respirar. É duro, mesmo, a dor de cotovelo, viu. Mas como diria papai na elegância de seu falar maranhense, aquela estória já estava lhe “enchendo o recipiente”, pois o rapaz estava um chato com aquela estória toda de amor não correspondido.
         Certo dia, papai teve uma ideia e disse assim a Amâncio: “Presenteie ela com um quadro. Vou pintar algo tão belo que ela não resistirá e se jogará apaixonada em seus braços.” O rapaz seduziu-se com a ideia e fez uma encomenda a papai. Realmente os quadros do mestre Floriano tinham tal valor terapêutico, comprovado por casais de clientes que lhe eram gratos, pois as cenas picantes protagonizadas entre marido e mulher, contidas em minúsculas janelinhas, uma marca de sua pintura, apimentavam as coisas na alcova matrimonial. No entanto, houve certa cliente que, indignada, questionou se aquelas mulheres não seriam prostitutas, ao que papai esclareceu que não eram apenas as mulheres-da-vida que faziam aquelas indecências, que donas de casa eram também filhas de Deus e, por isso, apreciavam uma gostosa sacanagem. Quando o trabalho ficou pronto, Amâncio veio buscá-lo, ficando encantado e agradecido, pois papai realmente se esmerara.
         Dias depois, Amâncio reapareceu e todo borocoxô, aquele mesmo olhar de cachorro abandonado e cabisbaixo que conhecíamos, que homem quando sofre de amor não o faz com a mesma dignidade que a mulher.
         — Deu o quadro à moça? – papai quis saber.
         — Dei, sim. – resmungou.
         — E ela, gostou? Se jogou em teus braços como te disse?
         — Ao contrário, ela o atirou na minha cabeça!
         Papai apiedou-se do rapaz e, para reconfortá-lo, disse-lhe cinicamente:
         — Está vendo? Esta mulher te ama! As mulheres são assim mesmo complicadas, sabe. Fazem coisas opostas ao que realmente sentem. Talvez ela não seja uma amante dos quadros e se contente apenas com um jantar romântico num lugar chique, talvez fosse isto que ela estava tentando te dizer.
E esta foi a última sugestão de papai, apesar de ter conhecimento que mulheres são loucas por joias, mas desta vez preferiu recomendar algo mais modesto, para poupar o amigo de outra despesa extravagante.
Rio Vermelho, 28 de novembro de 2011.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Sempre fiel ao seu lado.


Outro dia, assisti curioso, pela TV, um casal renovar os laços de matrimônio, passados sessenta anos de pura felicidade, afirmava a reportagem. Realmente, não deve ser fácil aturar a mesma pessoa por mais de meio século sem deixar de comemorar tal façanha. O idoso casal resolveu reviver a mesma cerimônia que protagonizou sessenta anos antes, na mesma igreja, agora na presença de filhos e netos. A noiva, agora uma jovem octogenária, não se vestiu de véu e grinalda como da primeira vez, mas estava elegante e bela para a cerimônia, e tão nervosa quanto antes. Desta vez, coube ao filho mais velho levá-la ao o altar para entregá-la ao sortudo noivo.
         Aquele conto de fadas me fez lembrar outro, protagonizado por J.R e dona Zélia, cujo casamento durou, igualmente, mais de meio século de companheirismo, mas que, numa sombria tarde, a despedida foi fatídica e dolorosa. J.R. estava muito doente havia semanas e já estava quase no bico do urubu; durante todo aquele tempo de sua enfermidade, a sua fiel dona Zélia jamais saiu de seu lado um só instante. Depois de um longo sono, J.R. despertou e a primeira pessoa que viu foi a sua Zélia, sentada ao lado do leito. Ele a olhou com ternura e disse-lhe com a voz cansada.
         — Minha velha, você sempre esteve ao meu lado...
         — Foi mesmo, meu velho. – respondeu dona Zélia com olhar doce.
         As palavras vinham com certa dificuldade, mas seus pensamentos eram tão claros como os de um rapaz jovem. O diabo do corpo é que não era mais o mesmo de antes. Perdera o vigor da juventude e agora era uma apenas uma máquina enferrujada prestes a bater.
         — Lembra quando nós ainda nem éramos casados e eu herdei o armazém do papai? Pena que o negócio nem foi adiante. E você estava ali ao meu lado...
         — Foi isso mesmo, meu velho. – disse dona Zélia segurando-lhe a mão.
         Um mundo de recordações, então, brotou da memória do moribundo J.R. como água de uma nascente.
         — Nós casamos e o meu tio me deu um emprego em sua fábrica de sabão...
         — Foi isso mesmo, meu velho. Eu já tinha até esquecido disso.
         — Mas aí você achou que eu ganhava pouco e meu tio não podia pagar mais. Eu saí da fábrica e fui ser vendedor de porta em porta. Mas eu não levava jeito para coisa e desisti.
         — Foi isso mesmo, meu velho. – disse dona Zélia dando-lhe uns tapinhas na mão.
         — E você, ali, sempre ao meu lado...
         — Eu nunca te abandonei, meu velho. – disse dona Zélia com ternura.
         — Para me ajudar, você foi trabalhar com o titio na fábrica de sabão... (tosse) a fábrica faliu...
         — Foi uma tristeza, ele amava tanto aquela fábrica. Seu tio era um homem tão bom.
         — E quando ele morreu, ainda me deixou um dinheirinho com o qual montei a lavanderia... (suspiro)
         — Foi isso, mesmo, meu velho.
         — A lavanderia ia indo muito bem... Tinha tanto trabalho que eu mal dava conta sozinho...
         — Foi isso mesmo, meu velho. E eu fui lá lhe dar uma mãozinha em meio turno, afinal, tinha as crianças para eu cuidar.
         — Mas aí os negócios começaram a ficar ruins e a lavanderia fechou. E você, sempre ali ao meu lado...
         Os olhos de J.R. se encheram de lágrimas com aquela recordação. Tossiu, soluçou, engasgou.
         — Você lutou muito, meu velho. – disse dona Zélia beijando-lhe a testa delicadamente.
         — E teve aquele terrível acidente de carro. Você não teve nada, (mais tosse e soluços) mas aquela vez você quase ficou viúva... Fiquei todo f... (engasgou).
         J.R. ficou em silêncio por um instante, reunindo fôlego para falar pois, estava realmente muito cansado. Ele olhou para Zélia com um olhar que a ela lhe pareceu de ternura e, então, ele balbuciou algo que ela não compreendeu. Aproximou dele com olhar doce para que ele repetisse. Ela imaginou que talvez ele estivesse tentando agradecer-lhe por todos aqueles anos, por seu amor e sua dedicação. E ele tentou mais uma vez falar quase sussurrando. Dona Zélia chegou o ouvido próximo de seus lábios para escutar melhor, seu coração apertava de aflição e expectativa.
         — Minha velha... você é um tremendo pé frio!
         E estas foram as derradeiras palavras de J.R. antes de dar seu último suspiro, na presença de dona Zélia, sempre fiel ao seu lado.
         Rio Vermelho, 7 de maio de 2012.