Numa certa ensolarada manhã de dezembro em que todos ainda
dormiam aqui em casa, ao passear distraidamente pelo jardim, fui surpreendido com
a presença de um pequeno pássaro pousado no chão próximo ao pé de framboesa. Habituado
a vê-los empoleirados em galhos inatingíveis ou voando ligeiramente pelo espaço,
achei aquela situação curiosa. Devo admitir que a única ave cujo conhecimento possuo
algum domínio é a galinha e, assim mesmo, em seu estado assado ou ao molho
pardo, que são as minhas especialidades. Por isso, eu não soube identificar se
aquela seria um pardal ou um bem-te-vi. Observei aquele bichinho que se
mantinha imóvel, apesar de minha presença ameaçadora, como se me ignorasse ou
se fingisse de pedra ou toco de pau para não ser percebido pelo predador, pois
é esta artimanha que lhe providencia a natureza para garantir-lhe a
sobrevivência. Sua penugem era da cor de palha seca quando misturada ao pó da
terra quando chove e estava eriçada, dando-lhe o aspecto de um novelo de
pequenos e finos gravetos. Pobre criatura, deve estar doente, pensei sem saber
como agir.
Alguém
mais bem ilustrado aqui de casa deu uma olhada e descreveu-o como um filhote de
sabiá que despencara do ninho e que provavelmente este ainda não dominava a
arte de voar. Que situação daquele indefeso filhote, fiquei imaginando como eu
poderia fazer por ele. Numa pequena vasilha coloquei água fresca que pus ao seu
lado juntamente com um pedaço de banana, aquilo deveria ser de alguma ajuda.
Talvez
a mãe daquele pequeno pássaro tivesse lhe orientado a não falar ou a aceitar coisas
de estranhos e, por isso, ele ignorou a comida que lhe deixei. Vez por outra,
ela própria, presumindo que fosse a mãe e não o pai ou qualquer outro parente mais
próximo, vinha trazer-lhe alimento que colocava diretamente em seu bico. Até nisto
a natureza é prodigiosa, ao prover os animais de amor por aqueles que ainda não
são capazes de tomar conta de si mesmos. Fiquei maravilhado com a aula de ciências
naturais.
Nós
aqui de casa, que somos afeiçoados por animais, logo nos compadecemos por aquela
pequena ave indefesa e vez por outra chegávamos até a janela para dar uma
olhada, torcendo para que ela tivesse voltado para a segurança de seu ninho, escapado
das garras de algum predador. Alguém viu um gavião rondando a vizinhança e se
pôs de guarda com uma vassoura para afugentá-lo. E quando a escuridão da noite
chegou escondendo-a de nossa guarda, temi por sua fragilidade ante as criaturas
noturnas.
E bem
cedo na manhã seguinte, quando o procurei no lugar onde esteve o dia todo, para
minha tristeza, não o vi. E num ato contínuo, escrutinei com um pingo de
esperança até o mais recôndito recanto do nosso jardim e me alegrei ao revê-la
a poucos metros de onde estivera todo o tempo no dia anterior, na mesma posição
de estátua, na mesma solidão, desta vez, ao lado do pé de lima. E o dia
repetiu-se tal como no anterior, com as vindas e idas de sua mãe para lhe
trazer alimento e a nossa constante vigia.
Foram
cinco dias de aflição e expectativa e, em cada manhã, a mesma emoção de vê-lo
firme resistindo ao tempo e à solidão. Quanto mais aguentaria aquela criaturinha,
era uma dúvida que me intrigava. Estava claro que a sua volta ao ninho dependia
da capacidade de voar que ela ainda não dominava, apesar de já possuir o equipamento
necessário, asas e penas. Talvez fosse questão de poucos dias até que fizesse o
seu primeiro voo solo até o ninho.
Finalmente,
numa certa manhã, encontrei-a no mesmo lugar do dia anterior, inerte como uma
pedra, pobrezinha. Foi poupada pelos predadores, mas não resistiu à espera para
aprender a dar o seu primeiro voo da esperança. Foi enterrada junto com as
folhas secas de nosso jardim.
Rio Vermelho, 24 de dezembro de 2015.