sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Invasão natalina.
Todo ano é a mesma aporrinhação, chega a época do Natal e eles aparecem para me atazanar a paciência. Eu fico imaginando que mensagem o Criador está tentando me passar ao me enviar ratos para minha casa nas proximidades do nascimento de Seu filho. Enquanto nenhuma interpretação bíblica me vem à cabeça, resolvo me livrar deles, porque sou incapaz de machucar um bichinho que seja. Faço-o no melhor estilo Agatha Christie, envenenando-os com arsênico. Esta visita inesperada de roedores me deixou estressado e passei o dia mal humorado por sua causa.
Naquela mesma manhã, fui à loja de venenos para ratos e, como sou um amante de animais, tive a preocupação de pedir ao vendedor um veneno natural ou orgânico e que não fizesse mal à saúde dos bichinhos. Voltando para casa, espalhei as iscas pela casa e fora dela e, por via das duvidas, arranjei um porrete de madeira para enfrentá-los cara a cara caso cruzassem o meu caminho. Eu sou contra a violência, mas a situação requeria medidas extremas. Tenho um profundo nojo a ratos; Hollywood pode transforma-los nos seres mais fofinhos e queridinhos nas telas, mas para mim, eles sempre serão sinônimo da Peste Negra, aquela devastadora pandemia que assolou a Europa no século XIV, levando quase 75 milhões de almas a sete palmos da terra. Precisa dizer mais? Feito isto, não me restou mais nada se não esperar pelos acontecimentos. Passei o dia chateado e irritado com aquilo e só teria paz em minha alma quando despachasse os terríveis roedores em caixões para o Jardim da Saudade.
Felizmente à noite eu tinha planejado uma programação agradável que me traria alguma paz e me transportaria para um mundo de beleza. Iria com minhas sobrinhas pequenas ao concerto especial de Natal da Orquestra Sinfônica da Bahia. As meninas estavam muito animadas, pois um mês antes eu as tinha levado pela primeira vez a um concerto de musica clássica da mesma orquestra e elas gostaram tanto que pediram par ir de novo. Não era para menos, tocaram a 5ª. Sinfonia de Beethoven que impressiona qualquer marinheiro de primeira viagem. Eu acho importante incentivar os bons hábitos nas crianças como ouvir musica clássica, ler bons livros e falar mal do governo. Minha sobrinha de cinco anos começou a ler o “Guerra e Paz” que a presenteei de aniversário e ela está adorando! Enfim, às 18:30 estávamos todos banhados, perfumados e prontos para ir para o TCA e para lá rumamos. Chegamos à bilheteria uma hora antes do espetáculo e fiquei satisfeito ao perceber que não havia nenhuma fila, embora o fato de não ter fila fosse uma coisa triste de se ver, em si tratando de um espetáculo de musica clássica, significava que não haviam muitos interessados. Ao pedir os bilhetes à moça da bilheteria, ela me respondeu enfadonha que a sessão estava esgotada. Como assim esgotada? Estou falando de um concerto da OSBA, eu e minha família viemos dar uma força ao pessoal. Tudo foi vendido, os 1.800 lugares estão todos ocupados, ela explicou.
Fiquei perplexo, mas um concerto da OSBA lotado? Precisava de um plano B para minimizar frustração das meninas. Agi com rapidez, vamos ver um filme. Lembrei que no Espaço Unibanco estava passando um daqueles filmes infantis do qual tanto se fala, então estava decidido, corremos para lá a tempo de pegarmos a próxima seção. Mas ao chegarmos à bilheteria do cinema, fomos informados de que a seção começara há cinco minutos. Mas nem o meu pedido à moça da bilheteria para que o filme fosse rebobinado até o início ou que o projetista fizesse um ‘pause’ até chegarmos à sala de exibição foram acolhidos com indiferença. Compramos os ingressos e corremos para a sala e qual não foi minha surpresa ao lá chegarmos que além de nós quatro haviam mais três gatos pingados na sessão. Aquilo lá tava parecendo, sim, um concerto da OSBA! Ao me acomodar em meu assento e finalmente colocar os olhos na tela, fiquei perplexo com a visão da figura de um enorme rato falante com sotaque britânico empunhando uma espada! Aquilo só poderia ser uma praga contra mim. Não gostei do filme.
Rio Vermelho, 21 de dezembro de 2010.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
A gata serelepe e o cachorrinho
O fim de tarde contemplado da Praia de Santana é um espetáculo de maravilhar os olhos e acalentar o espírito, momento em que o sol despede-se do dia manchando o horizonte de tons alaranjados resplandecentes, ao sumir de vez no oceano. Para nossa satisfação, um por do sol jamais é igual ao outro, o que nos faz experimentar uma nova emoção a cada crepúsculo. Este final de tarde, lá estava eu mais uma vez para prestar homenagem ao astro-rei. O dia tinha sido um daqueles quentes de dezembro, mas àquela hora de fim de tarde, uma suave brisa vinda do oceano refrescava a praia indicando que a noite seria de temperatura menos severa.
Cheguei à Praia de Santana um pouco mais cedo, como de costume, e dei uma caminhada no calçadão que se estende ao longo da praia até a curva da Paciência e voltei para me sentar num banco de concreto em frente ao mar, próximo à quadra de esportes, para aguardar o grande momento. O ar cheirava a maresia e a algas. Não demorou muito e lá apareceu ela finalmente, trazendo o seu cachorrinho pela coleira, desfilando pelo calçadão toda serelepe. O que faz o por do sol na Praia de Santana tão agradável de se ver, é a chegada dessa menina desabrochando em mulher, passeando com o seu pequeno Poodle ao longo calçadão, verdadeira personificação das ninfas dos poemas gregos; menina-moça do corpo esbelto e aparência do frescor de uma flor recém colhida, cujo perfume exala juventude, e seu olhar perdido e distante não vê nada além do caminho à sua frente, ignorando a plateia que lhe assiste, talvez por insegurança da pouca idade ou autossuficiência. Para este passeio, se veste sempre com um vestidinho de cor alegre, sandálias de couro baixas e os cabelos largados que a tornam mais bela e malvada. Seu cachorrinho vai sempre à frente e parece uma composição de bolas de algodão de tamanhos variados, amaradas com um belo laço vermelho no alto da cabeça. Ela o segue logo atrás, com passos ligeirinhos de modelo desfilando na passarela.
Pois lá ia ela com o seu bonitinho nariz empinado, quando o destino pôs em seu caminho uma dessas sujeirinhas caninas desprezadas por um proprietário de cão relapso. Eu, sentado em meu banco admirando o seus passar, pude antever por fração de segundos o terrível acidente, mas não fui rápido o bastante para preveni-lo. Isso mesmo, ela pisou na merda. O seu mundo perfeito pareceu ruir, estragando o seu passeio vespertino e transformando-o num pequeno drama juvenil. Pude ver os músculos de sua linda face se contraírem e o brilho de uma lagrima surgir em seus olhos prestes a cair, segura apenas, senão, pelo seu orgulho ferido. Em seguida, a expressão de nojo fixou-se em seu semblante irradiando-se pelo resto do corpo. Como ela não vira aquela imundice? — repreendeu a si mesma, como se fosse dado a este tipo de mulher o direito de fazê-lo. E pela primeira vez ela olhou para os lados como um pedido de socorro e só então desta vez ela pareceu ser uma criatura indefesa e humana.
Reagi com instinto e meti a mão no bolso tirando de dentro um lenço de seda italiano estampado com arabescos monocromáticos, um capricho para limpar as lentes de meus óculos de armação Giorgio Armani, e, como um cavaleiro medieval, corri em seu socorro para livrar minha princesa de seus dragões imaginários. Ao aproximar-me, ela me pareceu menor vista de perto. Ofereci-lhe ajuda obsequioso, estendendo-lhe meu dispendioso lenço, mas ela pareceu não ter atinado minha intenção porque me estendeu o pezinho como um mudo pedido para que eu mesmo a livrasse daquele infortúnio. E como um humilde cervo agradecido por aquela oportunidade única de poder tocá-la, me ajoelhei diante dela e tirei delicadamente a sua sandália de couro deslizando suavemente a ponta de meus dedos sobre seu pezinho para, em seguida, limpar o dedinho sujo, o único. Só depois me ocupei da sandália e, em seguida, a pus de volta no pé que aguardava suspenso e estirado como se executasse um movimento de balé. Concluído o meu gesto de altruísmo, ela, então, me brindou com um meio sorriso e continuou o seu passeio sem desperdiçar comigo palavra, como de desconhecesse o significado da expressão "muito obrigada", com aquele seu andar e jeito de ser serelepe.
Rio Vermelho, 15 de dezembro de 2010.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Sortilégio do amor
Meu vizinho J.R. está sofrendo de paixão aguda. Há semanas, anda amuado e suspirando pelos cantos com olhar de cão abandonado que dá dó. Ao cair da noite, ele senta-se na varanda de casa na companhia de uma garrafa de uísque ordinário e do mesmo velho disco de vinil de tangos que se repete na vitrola sem parar. Olhar solitário, contempla a esmo o firmamento e, ao pousar os olhos sobre a misteriosa lua, solta uivos feito um lobo ferido e chora copiosamente a perda do grande amor. Se há algo de irônico nesta tragédia romântica, na qual ele é o protagonista, é que ele caiu numa armadilha do amor, ao provar de seu próprio veneno.
Seu calvário teve início no momento em que ele conheceu uma moça de nome Lucinda, na aula de Tai Chi Chuan que frequentava duas vezes por semana ali no Quartel de Amaralina. A criatura era desprovida de dotes físicos que atraíssem para si a cobiça masculina, não era lá o tipo que os homens olham mais de uma vez, mas, para sua sorte, J.R. não era um cara exigente e nem ligava para estas coisas de beleza. Apesar de sua feiura natural, Lucinda era talentosa na arte de virar as cabeças masculinas, quem sabe ela possuísse algum poder mágico.
J.R. e Lucinda logo se tornaram amigos e cedo descobriram que tinham muito em comum, sabe como é, aquela velha estória. Não demorou muito até que aquela saudável camaradagem fosse parar ao pé da cama. E na cama continuou com a gula de quem teme que fazer sexo fosse sair de moda. Apesar daquele furor, nenhum dos dois jamais falava em assumir algum compromisso ou coisa do tipo, pelo menos era o que J.R. lia nas entrelinhas. Mas onde já se viu mulher sair dando por aí, sem querer laçar o fulano? Para a alegria de ambos, aquela farra lasciva virou um hábito semanal como ir à missa de domingo. Toda quinta feira, depois de bater o ponto no serviço, Lucinda vinha bater o outro ponto aqui na casa dele no Rio Vermelho. No começo, aquela novidade era recebida por J.R. com entusiasmo e um largo sorriso, afinal, quem não gostaria de uma visita daquelas? Ele abria a porta para ela, e ela entrava até a manhã do dia seguinte. A vida não poderia ser mais prazerosa.
Como tudo que é bom, um dia enche o saco, depois de algum tempo curtindo aquelas visitinhas semanais, no entanto, J.R. começou a ficar incomodado e a se perguntar onde aquela farra iria chegar, se é que deveria chegar a algum lugar. Não que ele conjecturasse assumir algum compromisso com a moça. Pelo contrário, o seu interesse por Lucinda esmoreceu depois que ele lhe desvendou os segredos. Então, ele passou a não demonstrar mais tanto entusiasmo por ela, como se o encanto pela moça tivesse virado uma nuvem que se dissipou pelo espaço. No entanto, ela pareceu não ter percebido tal mudança no comportamento do rapaz e, se o fez, não deu lá a importância devida, continuou comparecendo ao endereço aqui do Rio Vermelho, religiosamente. Por outro lado, mesmo estando enjoado de Lucinda, J.R. aceitava os seus favores de bom grado, afinal, que mal haveria se ambos eram adultos e estavam se divertindo? Contudo ele não fazia nenhum esforço para ocultar que não estava mais nem aí para ela. Tratava-a com indiferença e nunca a procurava, mas jamais era rude com ela ou se quer lhe dizia coisas ruins. Será que há coisa mais maligna que um tratamento indiferente e cordial? Talvez tal ambiguidade a levou a imaginar que J.R. apenas tivesse com constipação intestinal.
Finalmente, um dia o amor próprio da moça a fez despertar de sua cegueira, levando-a a perceber o descaso do amante. Não disse nada, sofreu resignada, calou o pranto. Lucinda, ferida em seu orgulho, então, resolveu vingar-se. Longe do que imaginou J.R., ela estava, sim, era muito apaixonada por ele. Homem é que é mesmo um bicho burro, não se apercebe de nada. Pois, como uma verdadeira bruxa, imagino que ela deve ter lhe preparado alguma porção mágica que secretamente pôs em sua comida; não duvido, também, que tenha lhe jogado um feitiço, eu mesmo já fui vitima desses sortilégios e sei que eles existem fora dos livros de contos de fadas. O fato é que Lucinda serviu a J.R. o prato frio da vingança, deixando-o em estado lastimável.
O plano de Lucinda teve início quando ela começou por não passar mais a noite sob os lençóis de J.R. Em seguida, reduziu a frequência de suas visitas até, finalmente, sumir do mapa. Ele, então, intrigado com aquela sua súbita mudança de atitude da generosa moça, passou a procurá-la, ao que ouvia de sua boca a mesma surrada e velha desculpa de que ela andava muito ocupada — será que esta ainda cola? Desejava muito ir vê-lo, mas estava tão ocupadinha, dizia. Sua vida era tão ocupada...
Ao invés de se dar por satisfeito com o sumiço da moça —não era isso, mesmo, que ele almejava? — J.R. teve uma reação contrária, ficou inquieto e passou a criar caraminholas na cabeça por causa do comportamento de Lucinda. Estes seu pensamentos nebulosos passaram a lhe atormentar as ideias e a lhe tirar o sossego. Lucinda passou a povoar os seus pensamentos dia e noite sem parar feito alguma moléstia. Todas as manhãs, ela lá já estava para lhe atormentar o juízo quando ele despertava, e, também, estava igualmente presente, antes de ele cair no sono à noite, quando ela lhe visitava em seus sonhos noturnos como uma assombração. Não havia um segundo do dia que ele não parasse de pensar naquela mulher diabólica, a coisa tinha virado uma verdadeira obsessão. Seja lá o que Lucinda aprontou para J.R., a coisa funcionou.
Lucinda sumiu para todo o sempre, que ela não estava blefando só para ganhar o amor de J.R. Provavelmente ela encontrou o homem dos seus sonhos, e agora o visitava todas as sextas-feiras ou outros dias santos da semana. Mas J.R. ainda tem esperança de que um dia ela venha bater à sua porta tal como fazia antigamente. Quem imaginou ver um final feliz de tudo isso, aviso que este não é nenhum conto de fadas.
Rio Vermelho, 3 de dezembro de 2010.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
De olho no retrovisor.
Sábado fez um bonito dia de sol primaveril e, no final da tarde, não resistindo àquele clima de chegada de verão, fui na Paciência, aqui perto, dar um mergulho. Era a primeira vez que eu voltava à praia desde que o verão se foi na ultima temporada. O mar estava sereno, formando suaves ondas que iam e vinham combinadas com uma agradável brisa que soprava em minha direção, convidando-me a cair na água. Tirei a camisa que deixei na areia e mergulhei na água de uma só vez, sendo surpreendido pela água deliciosamente fria. Um peixe grande quase se esbarrou em mim e fugiu fazendo zig-zag. Pensei que fosse um tubarão, mas como eu ainda continuava inteiro, presumi que fosse apenas um desses peixes vegetarianos. Fiquei ali na água revigorando minhas energias naquela enseada que me fazia eu me sentir num paraíso, até que a visão do sol se pondo do outro lado da praia me fez sentir em comunhão com a natureza. Havia tempos que não me sentia assim tão largado. Olhei em volta e percebi que não deveria haver mais que meia dúzia de pessoas na praia naquela hora, o que aumentou a minha satisfação.
Quando o sol se pôs finalmente, peguei minhas coisas e fui-me embora. Havia ainda uma nesga de luz do dia, apesar do sol já ter se escondido. No caminho a pé de volta para casa, passei pela quadra de esportes e vi uma cena que me causou nostalgia dos tempos de criança. Um pai ensinava aos seus dois meninos pequenos a jogar gude. Quando foi a ultima vez que vi alguém jogando gude eu já nem mais me lembrava, mas fiquei surpreso com aquela cena que eu pensava não existir nos tempos de internet e do vídeo game. Fiquei comovido e ao mesmo tempo lisongeado de estar presenciando aquela cena de fortalecimento da relação entre pai e filhos. Era uma cena intima domestica, apesar de estar sendo praticada em espaço publico.
Aquela cena, tão rara hoje em dia, me fez eu me perguntar aonde foram parar os peões, os ioiôs, as arraias, os carrinhos de rolimã, os carrinhos de carretel, a picula e o esconde-esconde? São brinquedos que meus sobrinhos pequenos nunca ouviram falar, deixados de lado por nossa falta de tradição e pela impossibilidade de, nos dias de hoje, os pais não mais deixarem os filhos brincarem na rua. Eu não sou um cara que vivo de olho no retrovisor, mas houve um tempo em que as crianças de classe média brincavam à vontade na rua, os muros das casas eram baixos e não existiam grades nas janelas. Estas são coisas que eu mais sinto falta do passado e que eu desejaria que um dia voltasse ao presente, e, quando isto acontecer, muito provavelmente virão juntos as bolas de gudes, os peões e tudo mais, pois, estas deixaram o cenário porque hoje em dia as únicas crianças que vemos nas ruas são aquelas que foram abandonadas pelos adultos na rua à própria sorte.
Rio Vermelho, 23 de novembro de 2010.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Atraindo o gosto da freguesia
Feliz o Sr. JR, um próspero comerciante aqui do bairro, um bem sucedido proprietário de uma loja, uma venda de frutas e verduras frescas, e pai de duas belas filhas que lhe ajudam, e como ajudam, no negócio familiar. O Sr. JR, além de ser um homem muito trabalhador é também um fiel seguidor da palavra do Senhor e, por isso, tem no Livro Sagrado os ensinamentos que conduzem a sua vida pelos caminhos da moral e dos bons costumes.
Mas, no início, o seu negócio passou por uma provação. Apesar de todas aquelas suas qualidades morais, carecia ao Sr. JR o refinamento no trato com o público. Não que ele fosse um homem grosseiro, isto ele não era, ao contrário, ele tratava sua clientela com educação, mas é que lhe faltava uma certa simpatia que a seduzisse a voltar ao seu estabelecimento mais vezes. Expressões tão mundanas e civilizadas como "bom dia!" e "obrigado e volte sempre" parecia não fazer parte de seu restrito repertório, que se resumia a informar ao cliente o valor total da compra ou emitir grunhidos em lugar de palavras, só abria a boca para falar quando inquirido. Tanto refinamento assim foi afastando aos poucos sua clientela, que preferia comprar em outra venda não muito longe dali e que, apesar de não oferecer à sua freguesia tanta variedade e qualidade, tinha em seu proprietário toda a dose de simpatia de que necessitavam para tornar o seu dia um lindo dia. E assim, o Sr. JR viu a sua clientela minguar aos poucos sem, no entanto, saber qual o motivo daquela debandada.
Certo dia, o Sr. JR achou por bem chamar as suas duas belas filhas para trabalhar com ele na loja, convencido que estava de que seu revés relacionava-se à falta de ajudantes e não à sua completa falta de polidez a qual ele era incapaz de perceber, obviamente. As moças, que eram estudantes universitárias e levavam o estudo muito a sério, se revezavam na loja, de modo que uma ajudava o pai no período da manhã e a outra pela tarde. Havia, porém, um aspecto sobre um dom nato daquelas moças que chamava atenção. Elas eram duas mulatas deliciosas como manga roubada no quintal do vizinho, dos beiços carnudos e de modos lascivos, sem, no entanto, o pretenderem. Elas atraiam inconscientemente os olhares cobiçosos dos homens com seus formosos corpos que o Criador, generosamente, arranjou para abrigar as suas almas. Aquele seu jeito parecia uma coisa natural de berço, que a sua religião rígida não lhes permitia tais libertinagens. Seus bem talhados corpos eram verdadeira tentação, pois possuíam seios que não eram nem minguados ou fartos, na proporção exata, e que de tão duros como coco seco, espetavam a fina blusa de malha justa dando a impressão que a qualquer instante pulariam para fora. A bunda, esta sim, era um capítulo à parte. Cada banda era do formato de uma melancia, amparadas por um par de coxas roliças como berinjelas e agasalhadas por minúsculos shortinhos de pano fino que pareciam não dar conta de conte-las. Era assim que se vestiam diariamente e despretensiosamente para irem ajudar o querido pai na loja. O pai não aprovava aquele tipo de roupa, que considerava ser indecente, mas não dizia nada, pois, a final, as filhas eram mulheres adultas universitárias e não cabia mais a ele dizer-lhes o que vestir, e nem elas viam nenhum mal naquilo. Aquelas duas presenças divinas na quitanda paterna faziam o jiló ficar açucarado e o alface ser mais que uma folha insípida.
Cedo, a ajuda das filhas provou-se eficaz, não só porque o Sr. JR pôde economizar algum dinheiro ao não contratar ajuda externa, como também as duas filhas se mostraram excelentes em atrair nova freguesia apesar de que, semelhante ao pai, e talvez de forma mais branda, elas estivessem longe de ganhar qualquer concurso de Miss Simpatia. Elas simplesmente não eram de dispensar sorrisos fáceis ou de conversa fiada. Em compensação, seus corpos tentadores e suas indumentárias justíssimas nas carnes e econômicas nos panos, atraiam para dentro do estabelecimento uma clientela assídua de marmanjos que se comprazia em escolher demoradamente molhos de temperos ou meia dúzia de frutas. Mas tal frequência não incomodava as moças, que eram rápidas e se movimentavam de um lado para o outro da loja remexendo aqueles quadris ou se abaixando ou se esticando para pegar mercadorias em prateleiras rentes ao chão ou acima de suas cabeças, oferecendo um espetáculo de encher os olhos de gula, arrancar suspiros e até de levantar defunto! O pai, por sua vez, só tinha os olhos para o movimento do caixa, que se resumia num pequeno saco plástico cheio com notas de dinheiro dobradas e moedas que tirava e metia de volta no bolso conforme a necessidade.
Como o trabalho árduo traz seus bons frutos, não demorou muito até que a clientela voltasse a encher a loja como nos bons tempos de fartura. No entanto, desta vez, esta se compunha desmedidamente de homens; homens de todos os tipos, velhos, jovens, trabalhadores, aposentados bonitos e feios, gordos e magros. Mesmo assim, o Sr. JR estava tão feliz com a melhora dos negócios que não deu importância àquele detalhe. Contudo, satisfeito com o retorno da saúde de sua loja, não demorou muito até que mandasse as filhas de volta para casa, para que se dedicassem aos estudos e, também, porque não as queria se expondo mais àquela corja de homens. Substituiu a ajuda das agradáveis filhas por um funcionário de tempo integral uma vez que já podia pagar por ele. Contratou, portanto, uma moça da mesma idade das filhas e que frequentava a mesma igreja que a sua.
Embora a moça contratada não tivesse os mesmos dotes físicos que as suas filhas, no quesito simpatia, se mostrava mais qualificada que elas e, também, ao contrario das filhas, era mais comedida em sua indumentária de trabalho, indo para o serviço vestindo uma blusa antiquada que lhe cobria quase à altura do pescoço, mas que lhe deixava à mostra os gordos braços. Usava, também, uma saia azul de tecido grosso que chegava até quase ao tornozelo. Seus longos cabelos negros eram presos no alto da cabeça por um coque, lembrando a avó de alguém. De imediato, a clientela sentiu aquela brusca mudança no staff da loja como uma traição. Subitamente, para a marmanjada, comprar frutas, verduras e hortaliças já não era assim mais tão agradável. E, mais uma vez, a clientela foi batendo em retirada. Quando inquirido sobre suas filhas, o comerciante respondia vagamente que elas estavam em casa estudando. Desapontados, os homens não mais voltavam.
Não demorou muito até que a situação da loja voltasse aos tempos de penúria, e para que o Sr. JR percebesse, desapontado, que ao final do dia, o seu saco de dinheiro estava minguado. Isto o fez matutar para encontrar o erro. Coçou a cabeça andando de um lado ao outro da loja e terminou se rendendo aos fatos que preferira nega-los. Chamou suas duas meninas e seus shortinhos mais uma vez para o trabalho e dispensou a recatada ajudante. Agora sim, a loja vai bem, obrigado. Este é um daqueles casos que negam o bom senso e comprovam o pragmatismo nos negócios, ao usar a carne como isca para atrair a freguesia para dentro de uma loja de vegetais, ainda que os prazeres da carne contrariem as Palavras Sagradas. Nunca o Sr. JR nunca imaginara que para vender mais frutas e verduras teria, também, de mostrar um pouco de carne!
Rio Vermelho, 11 de novembro de 2010.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Nunca te vi antes, cara pálida.
Uma dentre as muitas coisas que me intrigam no peculiar comportamento das mulheres, é a súbita perda de memória a que, algumas, são acometidas quando elas se encontram casualmente com um amigo, estando elas acompanhadas de outro homem, obviamente. Aquele amigo, repentinamente tem o seu status rebaixado para a condição de um mero conhecido, que pode até se tornar um completo desconhecido, no caso de o pimpolho ao seu lado for um cara cismado. Isto quando elas não o ignoram completamente. Por que será que isto acontece?, fico matutando. Lembro de já ter visto coisa parecida na minha adolescência, mas será que algumas mulheres adultas continuam sendo ainda tão imaturas como nos tempos de escola?
Na ultima sexta-feira, resolvi dar uma volta pela noite do Rio Vermelho; eu que quase nunca saio de casa à noite, confirmei aquilo que já sabia de antemão: não estou perdendo nada ficando em casa. Imaginem que os passeios, aquelas vias destinadas exclusivamente aos pedestres, estavam ferozmente transformados por automóveis em estacionamento, não nos deixando outra alternativa se não a de fazer malabarismos no meio rua em meio ao interminável congestionamento do bairro, causado por sua fama boemia. Em alguns pontos dos mesmos antiquados passeios, proprietários de bares e restaurantes jogam ali o lixo produzido em seus estabelecimentos. Imagine como devem ser suas cozinhas! Como se não bastasse tal demonstração da civilidade baiana, ruas e largos onde os boêmios se concentram, cheiravam terrivelmente a excremento humano, levando-me à incomoda conclusão de que eles se aliviam ali mesmo onde estão, enquanto conversam animadamente entre amigos. Some-se a isto latas de bebidas, copos descartáveis e restos de comida que encontram o seu lugar cativo no chão em meio ao publico. Isto é aquela qualidade que o baiano tanto se orgulha de possuir e a que chamam de "espontaneidade". Se deu vontade, então porque perder tempo procurando esta coisa tão démodé como um banheiro, se podem fazer ali mesmo enquanto confraternizam? Nada mais pitoresco.
Pois bem, e lá ia eu por uma ruazinha curtindo a agradável brisa de uma noite de outono com o firmamento estrelado e o odor da espontaneidade baiana por todos os lados, quando encontrei com JR. Eu e JR não somos exatamente grandes amigos ou mesmo amigos, destes de sairmos juntos ou de nos telefonarmos para jogar conversa fora. Eu, particularmente, não gastaria nenhum dos meus créditos telefonando para ela — por completa falta de assunto — assim como ela certamente não o faria comigo. Quando muito ela está entre os meus "amigos" do Facebook — e não adianta procurar por lá por uma JR pois não vai encontra-la! Não importa como viemos a trocar palavras pela primeira vez, mas é fato que sempre que nos encontramos nestas raras ocasiões em que faço um périplo pelo bairro, sempre nos cumprimentamos efusivamente com beijos e abraços e toda sorte de conversa fiada tão comum para quem não tem exatamente nada mais para dizer um para o outro. Mas desta vez, no entanto, ela não pareceu lá muito entusiasmada em me ver, nem me chamou de "Cris" como das outras vezes. Foi uma recepção glacial com um seco aperto de mão, daqueles que faz agente pensar que a mão do outro talvez esteja contaminada pelo vírus da hipocrisia e que ela estivesse receosa em passar aquilo para mim. Fiquei intrigado com aquele tratamento, mas logo percebi a presença de um sujeitinho ao seu lado. Já estava explicado, ela estava "acompanhada". E alguma coisa em sua mente equivocada lhe dizia que não deveria falar com "estranhos". Aquela atitude me pareceu cômica, quando é que eu me tornei ameaça para algum outro homem? Logo eu, que a cada ano fico mais careca e barrigudo e quase um invisível para as mulheres? Aquela breve sensação de ser um concorrente para alguém foi uma massagem em minha autoestima mas, no entanto, deixou-me intrigado. O que será que se passa na cabeça de uma mulher numa hora destas?
Eu gostaria que alguém me explicasse mais este comportamento incompreensível entre os sexos. Será que passa pela cabeça da mulher que nós homens vamos justamente aproveitar a oportunidade que ela está acompanhada para saltar em seu pescoço feito um vampiro? Ou que pretendemos revelar ao seu acompanhante algum segredinho de sua vida pregressa, se por acaso soubéssemos de algum? Ou, na pior das hipóteses, — longe de ser o meu caso — que vamos roubar o seu namoradinho? Seja lá o que for, provavelmente uma mulher adulta e segura de si cumprimentaria o seu amigo ou conhecido e até o apresentaria ao seu acompanhante. Sem dúvida, uma demonstração de que ela sabe se relacionar com pessoas e tem muitos conhecidos e amigos. Parece-me que esta é a atitude mais civilizada e evoluída.
Uma querida amiga carioca, no entanto, uma mulher resolvida e sensata, e que guia o seu destino e o de outros pelos astros, disse-me que já viveu situação semelhante, mas que não deixou por menos. Conta ela que quando se batia casualmente com uma certa amiga, e esta estava acompanhada de seu esposo, um sujeito de aparência cansada e olhar enfadonho, ela simplesmente a ignorava! Fingia que não a conhecia, nunca a vira antes em toda a sua vida. Certa vez, conta ela, estava num boteco em Ipanema alegremente com amigos e eis que esta sua amiga veio lhe falar, porque, obviamente o marido tinha sido deixado em casa e por isso ela se sentia segura para falar com "estranhos", ao que ela indagou-lhe mostrando sua indignação: "porque quando você está com o seu marido você não fala comigo? Vê se cresce, garota, pois eu tenho mais o que fazer! Vê se me esquece e não fala mais comigo, tá?" Choquei-me com aquele seu comportamento grosseiro, por saber dela ser uma mulher refinada e educada, apesar de não lhe negar a razão. Ela me explicou: "Quando eu sou boa, eu sou muito boa. Mas quando sou má, sou melhor ainda!"
Rio Vermelho, 4 de novembro de 2010.
domingo, 17 de outubro de 2010
Dos Meus Direitos de Encher o Saco.
Inventei que precisava de um roteador novo. Um mais potente, sabe; um que levasse um sinal mais forte da internet de meu escritório, no segundo pavimento da casa, até o meu quarto, que fica no térreo, e onde costumo escrever pelas manhãs bem cedo logo que levanto. Para quem não sabe, o roteador é como um aparelho de radio que, conectado ao modem, envia o sinal da internet para o notebook, dispensando o uso de fios ou cabos. E, para quem esqueceu para que serve um modem, se você pode me ler agora, é porque deve ter um ligando o seu computador à internet!
Depois de pesquisar por um bom roteador que não fosse muito caro e atendesse às minhas ambições, fui encontrá-lo numa loja do Shopping Paralela. A vendedora, econômica nas palavras, logo informou que em caso de troca, eu teria de ligar para o fabricante e pedir-lhe um numero de protocolo. Tudo agora envolve um numero de protocolo e não se consegue fazer nada sem um! Tava na cara que aquela moça nunca ouvira falar do Código de Defesa do Consumidor e, por isso, ignorava que eu podia voltar com a mercadoria no dia seguinte e pedir minha grana de volta. Mas mesmo assim, não dei ouvidos a ela. O que poderia dar errado, afinal? Comprei o bicho.
Um amigo, um fera nesses assuntos, veio aqui em casa para fazer a geringonça funcionar. Mexe daqui, mexe dali, troca de posição aculá e nada do aparelho se mostrar melhor do que aquele que eu já tinha e que era inferior em potencia em relação ao novo, ao contrario, este era uma carroça. Nem as orientações dadas pela assistência técnica do fabricante — sim, ligamos para a fábrica —melhoraram o desempenho da coisa. Não tinha jeito, aqui em casa ele não funcionou como esperado, apesar de não apresentar nenhum defeito de fabricação. Seu sinal era barrado pelas paredes que ia encontrando pelo caminho até chegar em meu quarto. É que, o maluco que construiu a nossa casa fez questão de fazer as paredes tão duras e grossas que nem um prego entra à marteladas, quem dirá uma coisa tão delicada como as ondas magnéticas de um roteador! Me senti frustrado, já imaginando a dor de cabeça que seria voltar à loja para devolver o aparelho.
Quem já leu algumas de minhas crônicas anteriores já tem conhecimento de que sou um brigão de carteirinha, não resisto a uma boa briga quando o que está jogo são os meus direitos de consumidor e de cidadão. Parto para cima do "agressor" com unhas e dentes, munido de minha razão e de minha lábia. Nunca desisto, a ideia de me deixar vencer é algo que me embrulha o estomago e me tira do sério. No dia seguinte, fui até a loja disposto a não sair de lá sem antes devolver a geringonça e ter o meu dinheiro de volta. Já até havia planejado investi-lo num bom almoço na churrascaria da moda. Eu precisava de algum tipo consolo para a minha frustração e um monte de carne vermelha e saladas, me parecia um consolo razoável. Um cardápio equilibrado, as saladas rebateriam o efeito da picanha com uma boa tira de gordura em minhas coronárias!
Entrei na loja e fui direto até a vendedora do dia anterior. O roteador não funcionou lá em casa, falei pra vendedora. Não quero outro em troca, disse firme. Não devolvemos dinheiro, ela ameaçou. Ah, é? Será? Chame aqui o seu gerente, vou apresentar a ele um negócio chamado de Código de Defesa do Consumidor. A moça foi lá dentro e voltou logo em seguida. O gerente veio logo atrás. Era uma morena bonita dos lábios grossos e sorridente. Em que posso ajudá-lo, perguntou solicita e simpática. Apresentei-lhe o problema com toda a dramaticidade exigida para a ocasião. Ela ouviu-me atentamente e, em seguida, tomou a palavra. O que se seguiu depois foi algo impensado que me deixou desconcertado. Eu fora até lá preparado para uma tradicional briga entre consumidor e vendedor e mas aquilo não estava no meu script. Com um sorriso sinistro, a mulherzinha sacou de uma gaveta do balcão um talão de formulário que o preencheu rapidamente. Vamos devolver o seu dinheiro neste instante, anunciou educadamente. Fiquei engasgado. Pera ai, não assim, tão fácil. O que será que aquela mulher diabólica estava tramando? Olha, não é assim que se faz. Primeiro agente briga e depois vocês jogam a toalha. Estas são as normas, vamos segui-las. Isto é uma falta de consideração com o consumidor. Vocês não podem tomar tal atitude assim a seco. Não vai ter nenhuma discussão? Ninguém ai vai duvidar de minha palavra? E se eu for um cara com más intenções, um terrorista? Eu não estava acreditando que eu estava sendo tratado daquela maneira, tão acostumado com todo tipo de falta de respeito do governo, da prefeitura, da empresa telefônica, do bar em frente à minha casa, da justiça divina, enfim. E logo aquela lojinha presunçosa vinha gozar com a minha cara me tratando com todo o respeito? Quem eles pensam que são? Um total desacordo às normas, um verdadeiro atentado à tudo que se faz neste país. Peguei o meu dinheiro com um sorriso amarelo e agradeci. Pensei em dar uma gorjeta à gerente ou convidá-la para comermos junto aquela picanha gordurosa, quem sabe ela não teve uma queda por mim e quis me seduzir mostrando que conhecia meus direitos de consumidor? Dei meia volta e fui embora indignado, nunca mais volto lá!
Rio Vermelho, 17 de outubro de 2010.
domingo, 3 de outubro de 2010
Bagagem desacompanhada.
Voltei ao Rio depois de longa ausência. Vim passear. Uma amiga de infância, que não via desde a infância, ai você pode imaginar quanto tempo não nos víamos, gentilmente ofereceu-me o seu confortável sofá cama para pouso. Fiquei instalado no escritório de seu apartamento numa rua tranquila, no Flamengo. Me senti em casa, rodeado de bons livros e boa música. O Rio de Janeiro continua lindo, enquanto a velha Salvador cai aos pedaços, abandonada por quem deveria se cuidar dela.
O voo até o Rio foi muito rápido, como geralmente são todos os voos de avião, e graças a Deus não foi preciso parar no meio do caminho para abastecer, calibrar pneus ou ir ao toalete. O avião pousou no Santos Dumont antes do prometido pela empresa aérea, que é de propriedade de um pastor mórmon, o que me fez concluir que a palavra de Deus tem lá mesmo os seus poderes. Outra amiga de infância já me aguardava lá no desembarque com um caloroso abraço e me levar de carro a meu destino. É mera coincidência o fato de duas amigas de infância morarem no Rio, mas cresci e me criei em outro Rio, que é o Vermelho, embora eu tenha morado na capital carioca algum tempo atrás, sem que ela nunca tivesse abandonado meus pensamentos. É bacana reencontrar amigos de infância depois de tanto tempo sem se ver, ai agente percebe que, fora estarmos mais gordos e encarquilhados, continuamos as mesmas crianças de sempre. Pensando bem, as amizades dos tempos de criança são as mais genuínas, plantadas na inocência da infância, e puras de preconceitos ou de interesses, por isso duram tanto.
Pois bem, do aeroporto fui deixado em minha morada temporária na Rua Paissandu, no Flamengo. É uma rua comprida de mão única em linha reta, ladeada por duas extensas fileiras de centenárias palmeiras imperiais, plantadas em cada lado do passeio. Inicia-se em frente ao palácio Guanabara e vai morrer na praia. Outrora, o palácio serviu de residência para a princesa Isabel e sua família e, em frente a este, foi aberta a Rua Paissandu, para que a monarca pudesse ir tomar seu banho de mar sem precisar dar tantas voltas. As palmeiras imperiais, portanto, remetem àquela época, foram plantadas ali para dar um ar de majestade ao caminho da princesa. No lugar das antigas mansões aristocráticas que existiam ladeando a rua, foram construídos modernos prédios de apartamento, mas ainda assim, a rua conserva o seu antigo charme e sossego. Fazia um frio agradável naquela tarde, mas não o bastante para eu por um agasalho. A rua, como, aliás, toda zona sul do Rio, recendia suavemente a gás encanado.
Eram pouco depois das duas da tarde quando cheguei em casa e mal pus a mala no chão, sai para comer de tão faminto que estava, uma vez que havia passado a biscoito e água no voo do pastor. Quem ai já comeu filé-mignon e tomou vinho francês em voo domestico, sabe bem do que estou falando. Lembrei que a poucas quadras dali, em frente ao Largo do Machado, havia, na Galeria Condor, dois restaurantes de comidas árabes. Já havia decidido qual seria o meu primeiro almoço no Rio.
As comidas árabes merecem a sua fama. Quando bem feitas, e quase sempre o são, são de lamber os beiços. Parei no primeiro árabe que encontrei na Galeria Condor. Era um restaurante de esquina com um balcão de vidro em forma de "u" e sobre o qual se debruçavam dezenas de comedores de quibes, esfirras, charutos de repolho e outras delícias. Come-se ali de pé, não há mesas para sentar e esperar, até porque o serviço é tão rápido que nem dá tempo de esquentar a cadeira. O garçom anota o pedido com uma mão e com a outra o põe à sua frente. Sua agilidade faz com que as pessoas comam mais e saiam satisfeitas e, é lógico, o dono do estabelecimento é que agradece. Ali não há chance para a irritante e folclórica malemolência baiana. Estes garçons sabem que não estão fazendo nenhum favor, e sim prestando um serviço. Pedi, falando lerdo feito um baiano, duas esfirras de carne e um suco de manga que era grosso feito um milk shake. Mal recobrei o fôlego pelo esforço feito, surgiu à minha frente, num pires branco, duas esfirras e o suco.
Para quem nunca viu ou provou das esfirras cariocas, acredite, elas são deliciosas e diferentes de minhas conterrâneas baianas. Elas são semelhantes em forma, triangular, mas não possuem aquele miolo de pão, isto porque sua massa não cresce ao ir ao forno, o que as torna leves e nos dá vontade de comer sempre outra. Comi e fui dar uma volta pelas redondezas, observando o movimento daquela parte da cidade que é uma mistura de zona comercial e residencial com prédios modernos e antigos.
Vim sozinho ao Rio. Muitas pessoas não gostam de viajar desacompanhadas, especialmente quando se trata de viagem de lazer como esta que estou fazendo. Sentem-se envergonhadas de ter de sentar sozinhas na mesa de um restaurante e fazer um pedido. Como sou eu mesmo que geralmente pago a minha conta ao final da refeição, não vejo pecado algum em comer sozinho. Uma certa amiga, que anda sofrendo de solidão aguda por não ter encontrado ainda o homem de sua vida, sonha um dia ir à romântica Veneza. Poderia fazer isto agora mesmo se quisesse, pois, grana é o que não lhe falta. Mas é que ela só quer ir à cidade das gôndolas com a pessoa amada, assim como a donzela que se resguarda para o dia em que encontrar seu príncipe encantado. Vai logo, sua boba, eu lhe disse, há centenas de cidades românticas pelo mundo afora. Mas, e se eu estiver lá em Veneza e ver uma coisa linda? Pra quem é que eu vou dizer 'que coisa linda!', se eu estiver sozinha? Ora, menina, você vê com os seus olhos e sente com o seu coração, respondi. Além do mais, pode acontecer de o seu príncipe encantado ficar mais emocionado ao ver um boi no pasto do que olhar para a insossa Ponte dos Suspiros!
Rua Paissandu, 21 de setembro de 2010.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
As coisas simples da vida ou uma manhã de sábado inusitada.
Aproveitei a bonita manhã de sábado e saí com destino à Perine da Vasco da Gama. A semana tinha sido uma daquelas de muitas chuvas e frio que faz baiano usar casaco de pele na Estação da Lapa e ir de bote para o trabalho. Ventou muito também, e o mar cinzento e revolto era um espetáculo à parte bonito de ser ver. Para quem nunca ouviu falar, a Perine é uma espécie de mercado chique onde a burguesia satisfaz a gula por produtos alimentícios importados ou iguarias de primeira qualidade. Encontra-se lá desde o melhor vinho francês ao simples pão feito de trigo de verdade, como não existe em nenhuma outra padaria de Salvador. O motivo de minha ida até esta Meca da gula foi o de comprar tâmaras secas que minha mãe tanto gosta, e como ela é uma octogenária muito querida, faço-lhe com prazer este pequeno mimo.
Sempre que vou fazer compras na Perine tenho o cuidado de passar antes em sua lanchonete para comer um salgado, observando a orientação de experts em compras que nos aconselham a nunca ir ao mercado de estomago vazio, pois, do contrario, corre-se o sério risco de comprar coisas demais! E quando se trata da Perine, é sempre bom tomar cuidado redobrado! Mal sabe a direção da casa, no entanto, que aquela lanchonete está prejudicando o faturamento da loja! Depois da merenda, fui até a seção de bebidas procurar um bom licor para presentear uma querida amiga de infância que vai me receber em sua casa no Rio por alguns dias. Eu gosto muito de dar presentes, e muitas vezes sem motivo algum. Tem gente que acha estranho recebê-los fora de data comemorativa e veem nisso uma intenção oculta, algum tipo de conspiração! Depois de não encontrar o licor que eu queria, fui às tâmaras secas.
As tâmaras são um alimento completo, rico em vitaminas e proteínas vegetais que é cultivada em países da Ásia e África. Contam que Haile Selassie I, um antigo imperador etíope que viveu até os 83 anos, creditava à dieta de tâmaras com leite de leoa a razão de sua longevidade. E os colonizadores ingleses na Índia, ignoravam as qualidades alimentícias das tâmaras e, por isso, não sabiam que Gandhi enfrentava os seus famosos e longos jejuns contra o domínio do Império Britânico alimentando-se discretamente com duas tâmaras e um pouco de leite de cabra! Ao pedir por tâmaras à funcionaria, ela abriu um grande pote de acrílico onde elas eram acondicionadas e, com uma cara de nojo, disse: 'É só o que temos'. Olhei para dentro do pote e tudo que vi foi uma maçaroca de aspecto duvidoso que lembrava alguma coisa parecida com tâmaras. Fiquei desapontado que o meu motivo de minha ida à Perine parecia ter sido pisoteada por um trator. Fiz uma cara feia também e desisti delas. Para não perder a viagem, dei uma volta pela loja e passei diante de uma outra funcionária de pé ao lado de uma mesa com frios e outros quitutes oferecendo degustações. 'O senhor deseja provar a nova salsicha petisco da S.?' Perguntou educadamente. Aceitei com um largo sorriso, como algum tipo de compensação pelas tâmaras amassadas. Eu sempre me perguntei porque que nessas degustações de salgados eles nunca oferecem uma cerveja para acompanhar, sabe, para o consumidor ter uma ideia de como o produto cai bem com uma bebidinha.... 'Uma cervejinha importada?' Ofereceu a moça. 'E tem?' Perguntei levantando as sobrancelhas. Logo em seguida ela encheu um copo de vidro que me deu. Estava geladinha, era uma cerveja holandesa muito leve e saborosa. Comecei a ficar alegrinho. 'Quer provar um patêsinho?' 'Ô meu Deus...' Eu bem que queria comprar uns croissants, uns petit fours e umas frutas, mas depois daquela comilança não pude pensar em comprar mais nada! Fui embora de mãos vazias. Mas como eu estava decidido mesmo a não chegar em casa sem as tais tâmaras, rumei para a CEASA do Rio Vermelho, onde eu sabia que opções era o que não me faltariam.
Ao pousar na CEASA, encarei uma multidão de clientes de fim de semana que só tem no sábado a oportunidade para fazer as compras da semana inteira. Era um burburinho de feira em volta das barracas abastecidas de frutas e verduras frescas acabadas de sair das hortas. Fui direto na Natureza, que é uma barraca que tem de tudo e de qualidade. Uma funcionária me ofereceu uma degustação de tomates secos ao que recusei. 'Não obrigado, mas aceito o numero de telefone daquela moça ali, se você tiver.' Disse-lhe admirando uma cliente muito linda que comprazia-se enfiando delicadamente na boquinha de vedete um bago de jaca dura. 'Isso eu não tenho, não senhor.' Respondeu a funcionaria com um sorriso maroto. Um rapaz de avental sorridente aproximou-se para me atender. Ao meu pedido, encheu pela metade um saco com tâmaras que deixavam a famosa Perine no chinelo. Estavam novinhas e soltas, provei uma para confirmar se estavam saborosas como eu imaginava, e realmente estavam uma delicia. Peguei uns sequilhos e figos cristalizado que aprecio muito. Em seguida, me dirigi à fila do caixa que, para o meu espanto, estava longa demais. Não gosto de filas de nenhum tipo, nem para receber ou dar dinheiro, e muito menos para conseguir uma mesa em restaurante. Acho que deveria ser o contrário, eles é que deveriam fazer fila para me servir! Como o mundo não é perfeito, fui resignado para o final da fila, aguardar feito um cordeiro pela minha vez. Mal cheguei carregando os meus embrulhos, um funcionário, um rapaz alto com uma touca no alto da cabeça, aproximou-se de mim gentilmente e pediu para calcular o total de minhas compras. Imaginei que isto era para facilitar o serviço do caixa que estava abafado com uma fila tão grande. Mas ao terminar de somar as coisas ele disse-me o valor e ficou parado ali ao meu lado como que esperando. 'Mais alguma coisa?' Perguntei. 'O dinheiro.' Respondeu. E eu que estava ali, o ultimo da fila e ia poder pagar minhas compras sem precisar esperar até chegar ao caixa! Pensei que havia algum engano, mas era isto mesmo confirmou o rapaz. Dei uma nota de vinte e fui embora sorrindo. Não precisei de muito para começar bem o dia!
Antes do almoço, fui na casa do vizinho tomar a costumeira cerveja de sábado na companhia de amigos e falar mal do governo. Contei-lhes a minha ida à Perine e à CEASA e eles, invejosos, ralharam: 'Mas como tu mente, Cristiano!'
Rio Vermelho, 1º. de setembro de 2010.
domingo, 25 de julho de 2010
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Estórias para quem tem pouco tempo.
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Valeu!
O caso do carro roubado
Um de meus queridos amigos é um jovem octogenário, um sujeito parrudo de gosto refinado e que possui uma respeitável pança da circunferência de um barril de carvalho, cevada na cerveja em abundancia e quitutes finos e caros. Aos sábados pela manhã, ele abre o seu sobrado para receber, religiosamente, não só a minha visita para a costumeira cervejinha geladíssima como a de um tio, um senhor de mais de 95 anos, o Sr. FF. São momentos agradáveis estes e que eu aguardo com muito prazer. E é admirável de ver como nesta família, chega-se com facilidade aos cem anos com boa saúde e cabeça. Por conta de ter vivido tanto tempo e de amealhar tantas experiências, vez por outra o velho Sr. FF. nos brinda com uma estória interessante. Recentemente ouvi uma delas tomando uma cervejinha gelada e comendo amendoins cozidos, e por acha-la tão curiosa, não resisti a reconta-la aqui.
Nos idos dos anos 80, o Sr. FF. resolveu por bem aposentar seu velho Chevrolet e comprar um carro novinho em folha para o seu uso próprio e de sua amada esposa. O Sr. FF. foi, então, até um parente que era um capitão de uma fabrica de carros e este lhe vendeu um modelo de luxo quase que ao preço de custo. São raros os casos em que pessoas têm a grata satisfação de possuir como parente próximo um chefão da indústria automobilística, ainda mais quando este é tão generoso a ponto de lhes vender um de seus melhores modelos a preço de banana. O Sr. FF. levou, então, o veículo novinho para casa e o guardou em sua garagem no fundo do quintal. Foi um caso de amor à primeira vista, nunca tivera um automóvel tão sofisticado, elegante e macio de dirigir. Ele era visto com frequência pelas redondezas, todo final de tarde, dirigindo-o sorridente como se estivesse passeando com uma moça bonita. Estando muito satisfeito com o seu novo automóvel, certo dia ele o usou para conduzi-lo ate um casamento. Ao chegar ao local, teve o cuidado de estaciona-lo logo abaixo de um poste, imaginado que a luz seria o suficiente para afugentar o seu bem precioso da cobiça de puxadores. Ao sair do automóvel, quase como por um passe de mágica, um desses guardadores de carro surgiu à sua frente soprando o seu apito e informando-lhe que não se preocupasse pois estaria de olho no veículo. Mas que guardador que nada, o Sr. FF. ao voltar da igreja onde se dera o casório, verificou que seu automóvel novinho em folha sumira. Evaporara-se! Não obstante, o guardador de pronto surgiu do nada para receber a remuneração pelo seu serviço. 'Você guardou meu carro onde, seu filho de uma égua? Ele sumiu!' Bradou o Sr. FF. com os dentes cerrados de raiva.
Como geralmente se faz neste tipo de situação, o Sr. FF. se dirigiu a uma delegacia onde prestou queixa do roubo de seu veículo, e não tendo mais nenhum negócio a fazer ali, voltou para a sua casa desalentado, para aguardar pelos acontecimentos. Passou-se um dia, dois, uma semana e nenhuma notícia de seu carro roubado. As semanas de angustiosa espera se tornaram em meses e no primeiro ano de aniversário do desaparecimento do veículo, o Sr. FF. já tinha há muito dado o caso como perdido, ate adquirira outro automóvel com o dinheiro do seguro, desta vez, escolheu um modelo mais modesto e menos chamativo. Vivemos numa sociedade onde quem tem coisas boas corre o risco de perdê-las para os larápios sem que estes jamais saibam o que é o sol nascer quadrado. O Sr. FF. trabalhou duro para comprar o sonhado automóvel de luxo e, embora tenha pago barato por ele, graças à generosidade de um parente, ainda assim aquele propriedade era fruto de seu esforço.
Mas como nesta vida nada é certo e definitivo e muitas vezes somos surpreendidos pelo improvável, cinco anos se passaram até que certo dia o Sr. FF. recebe um sinistro telefonema. 'É o Sr. FF. que está falando?' Perguntou a voz do outro lado da linha. 'O senhor teve um veiculo roubado assim, assim?' A princípio, o velho nem lembrava mais da tal estória, que acontecimentos aborrecidos como aquele é bom apagá-los da memória. 'Tive sim, mas isto foi há muitos anos.' Respondeu o velho assustado com o telefonema. 'Encontramos o seu carro, ele esta aqui na porta da delegacia, pode vir buscá-lo.'
Não é que cinco anos depois do carro ter sido roubado, ele foi encontrado numa cidadezinha próxima? Curioso, o velho lançou-se na empreitada de ir lá buscá-lo, ou melhor, dar fim no que havia restado dele depois de todos aqueles anos. Ao chegar até o local informado onde encontraria o seu carro, numa garagem de propriedade da polícia, qual não foi o seu espanto ao por os olhos no veículo que, apesar de estar todo empoeirado, encontrava-se igualzinho do jeito como o vira da ultima vez! Mas sua surpresa não parava por ai, ao verificar o velocímetro, pouco mais que oitenta quilômetros haviam sido rodados durante todo aquele tempo. Mas tem gente que tem muita sorte, mesmo!
Rio Vermelho, 24 de julho de 2010.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
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Estórias para quem tem pouco tempo.
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O caso do colchão
Que tempos de tanta sofisticação. Há uma variedade de ofertas para um mesmo bem de consumo e que desafia o nosso poder de decisão a cada escolha. E cada escolha se torna quase que um martírio. Não me refiro à grande quantidade de fabricantes e sim às diferentes opções para um mesmo gênero. Assim é com um alimento tão simples como a manteiga, para exemplificar. Quem nunca foi ao mercado e ficou em duvida em escolher entre a manteiga com ou sem sal, light ou diet, orgânica ou não, de leite de vaca, cabra, búfala ou de onça, e por assim vai. Já não basta termos de escolher um entre uma infinidade de fabricantes que nos promete que o seu produto é o melhor e que estamos fazendo a escolha certa ao levá-lo para casa, ainda temos de optar por uma entre as diversas variações deste mesmo produto. É mole?
Esta semana resolvi que já era hora de aposentar de vez o meu velho colchão e trocá-lo por um novinho em folha. Uma tarefa bem simples, imaginei. Eu só teria de ir até a loja aqui do bairro e comprar um colchão do tamanho de meu orçamento. Eu nunca havia antes comprado um colchão para o meu uso próprio e, para minha surpresa, descobri que comprar um colchão pode ser um negócio mais complicado do que eu supunha. Eu não fazia ideia de que havia tantos tipos diferentes e tantos fabricantes, o que eu só descobri à medida que fui me dedicando mais ao assunto e pesquisando em lojas especializadas e na internet. Alguns de vocês podem considerar até que é um exagero de minha parte dar tanta importância para comprar um artigo que só usamos uma vez por dia, mas se consideramos que um colchão ruim pode arruinar o dia seguinte, então vale apena investir em tempo e paciência para encontramos aquele que nos proporcionará o sono dos justos. E foi isto mesmo o que eu fiz.
Minha primeira tentativa foi numa loja aqui do bairro, exclusiva de um notório fabricante de colchões que nos informa que 1/3 de nossa vida é passado sobre eles. O inconveniente dessas lojas de franquia é que os vendedores são treinados para fazer uma venda a qualquer custo e sua primeira tentativa é nos mostrar o que tem de mais caro. Talvez eu tenha me acostumado tanto ao meu colchão de espuma velhinho e macio que terminei rejeitando todos os que experimentei. Duros demais. Lembro-me que, na infância, eu dormia num colchão de palha com forro listrado porque não existiam colchões de espuma ainda, e agente tinha de se contentar com o que havia. A vida parecia ser tão mais simples, então.
Depois de algumas tentativas deitando-me sobre colchões de espuma de diferentes fabricantes e variados graus de maciez, cheguei à conclusão de que ou eu estava muito exigente ou todos os colchões de espuma eram tudo a mesma coisa, não importando quem o fabricasse. Desisti dos colchões de espuma. Como não se fabricam mais os velhos colchões de palha, que hoje em dia seriam, com certeza, considerados ecologicamente corretos, resolvi tentar os colchões de mola, que levam a vantagem de durar mais. E lá fui eu novamente repetir a maratona. Você pode se questionar por que diabos eu não fiz isso antes. É, não fiz. Não me passou pela cabeça comprar um colchão de molas. Os colchões de mola foram a parte divertida desta empreitada.
Há colchões de molas para todos os confortos e bolsos. Desde aqueles que rangem as molas cada vez que nos movimentamos na cama até os que são o Rolls Royse dos colchões, que só faltam falar e andar e que chegam fácil ao preço de um carro zero quilometro. Testei todos. Alguns eram tão duros quanto os colchões de espuma - como podem alguém dormir naquilo – e outros que sacolejam tanto que parecem um caminhão velho correndo em estrada esburacada. Num deles deitei e pedi para o vendedor "cair" ao meu lado e isto me fez quase ser cuspido fora da cama, provocado pela brusca reação das molas! Deitei, virei de lado, fechei os olhos, pulei em cima. Terminei escolhendo um que era satisfatório embora balançasse as molas um pouco demais da conta. Uma dica. Se você estiver planejando comprar um colchão, não o compre pela internet - que é sempre mais barato - sem antes encontra-lo em alguma loja onde você possa experimentá-lo antes. Algumas fotos de internet são tão duvidosas como um político honesto e dão a impressão de que você está fazendo um ótimo negócio, quando, na verdade, você está entrando numa tremenda fria. Bem, escolhi finalmente o colchão e prometi à vendedora voltar em dois dias. Isto mesmo, eu precisava de mais um tempinho para digerir a ideia. No caminho de volta para casa, passei casualmente numa loja de eletrodomésticos para procurar um destes fornos elétricos que são tão práticos e gastam tanta energia. Vi num canto da loja alguns colchões e fui lá conferir, já que estava ali mesmo. O primeiro colchão que sentei era um cujas molas eram firmes e não rangiam e mal se percebia que haviam molas lá dentro. Sua espuma era macia e confortável. Deitei e gostei. Fechei negocio na hora. Estes dias tem sido difícil sair da cama!
Rio Vermelho, 6 de julho de 2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Dias com cara de inverno europeu.
Os dias andam com aquela cara de inverno europeu aqui no Rio Vermelho. A temperatura é gostosa como em ar de Shopping Center e o dia é cinzento, mas quase não chove. E quando chove é aquele caos de sempre, água por todos os lados e congestionamentos que nunca terminam. A chuva é uma aporrinhação em cidade grande, mas uma benção no campo.
Tinha uns dez anos quando fui passar as férias numa fazenda no cafundó do Judas, lá no interior do Ceará. Meus pais não tinham dinheiro para irmos passear na Disney, e o melhor que podiam oferecer era uma estadia em plena seca do sertão nordestino! O lugar, apesar de bonito, pitoresco e cheio de bichos de fazenda, não chovia há meses, para aflição do fazendeiro amigo e compadre do papai. Só no que se falava todos os dias era na bendita falta de chuva, e até eu comecei a ficar preocupado com aquilo. O único açude da fazenda tinha uma água verde lodosa quase já mostrando o fundo do poço. Era uma situação de romance a la Graciliano, só faltava a cachorra Baleia. Tinha dias que assistíamos, com a mão no coração, a chuva se aproximando no horizonte, vindo forte com toda força e parando na fazenda vizinha! Parecia coisa de maldição. Finalmente um dia ela atravessou a cerca do vizinho e fez agente fazer a festa. Nunca vi tanta alegria por causa de uma chuva. Nunca vi tanta fartura de água e pingos tão grossos. Todo mundo foi para lado de fora tomar banho de chuva. Os empregados, os filhos dos empregados, os anfitriões, meus pais, e, é claro, até eu mesmo. O chão batido em frente à sede da fazenda logo virou lama e ninguém se importava em se sujar. Pulávamos e gritávamos de alegria com os braços estendidos para o céu e com o rosto virado para cima levando água na cara. Foi um dia para se lembrar por toda a vida.
Nós tínhamos uma empregada que morava aqui em casa e que tinha o mesmo nome de minha mãe, Alice. De modo todos aqui em casa a chamávamos de dona Alice. Ela namorava um camarada que quase todo dia ligava aqui em casa procurando por ela. E quando acontecia de meu pai atender ao telefone e o homem do outro lado da linha perguntava por dona Alice, meu pai lhe perguntava, 'você quer falar com a minha ou com a sua?' Pois bem, a dona Alice era uma daquelas pessoas intuitivas que olhava para o céu e dizia se ia chover ou não. Eu não saía para a rua sem um guarda chuva sem antes consulta-la sobre o tempo. Ela dava uma chegada até o quintal olhava para o céu e dava seu prognóstico. Nunca errou. Tinha dias de sol que ela ia até o quintal e recolhia toda a roupa do varal dizendo que ia chover. Minutos depois, caía um pé d'água!
Personagens que possuem a habilidade de fazer, sem nenhum conhecimento cientifico, a previsão do tempo não são raros. Alguns sabem se vai chover ou não apenas apalpando as costelas. Outros sentem um frio na ponta do nariz em dia de chuva. Seu Brasilianino, um caboco da roça, tinha lá os seus dotes também. Ao questioná-lo se iria chover, ele olhava pensativo para o céu e depois com olhar grave respondia, 'seu Cristiano, ou chove ou não chove'!
Rio Vermelho, 15 de junho de 2010.
sexta-feira, 4 de junho de 2010
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Estórias para quem tem pouco tempo.
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Valeu!
O caso do sofá italiano.
João dos Prazeres foi maquinista da Leste Brasileiro até se aposentar. Se dependesse dele, passaria o resto da vida dentro de uma locomotiva, puxando vagões de carga e passageiros mundo afora. Como ele amava ser maquinista, sentia-se um homem livre sobre os trilhos quebrando fronteiras. Desde meninote quis ser maquinista, então você pode imaginar como ele se sentia um homem realizado.
Quando a aposentadoria veio finalmente, ele não achou que isso fosse o fim do mundo, ao contrário, resolveu que também já era hora de aprender a gostar de fazer outras coisas, teria novas experiências, ainda que longe dos trilhos. Em seu primeiro dia gozando da sua nova vida, foi até a Conceição da Praia, no Comercio, e comprou uma vara de bambu novinha, alguns anzóis, linha e um molinete. Sempre quis pescar. Ali do lado da igreja de Santana, aqui no Rio Vermelho, sempre via uma turma de homens nas pedras jogando os anzóis. Não sabia manejar uma vara, mas imaginou que deveria ser mais simples que conduzir um trem. Juntou-se ao grupo. Foi bem recebido.
João morava com a esposa Maria Rita numa bela casinha em São Gonçalo. Para quem não sabe, São Gonçalo é aquela parte do Rio Vermelho que fica acima, subindo a ladeira ao lado do Colégio Medalha Milagrosa. Um lugar cheio de casinhas que lembra uma cidade do interior. Ele se orgulhava de ter de tudo em sua casa. 'Comprei tudo lá em casa pagando fiado. Adoro comprar fiado! Olhe, eu gosto é de comprar fiado.' Dizia com um largo sorriso de satisfação. João era um cara bem-apessoado e grande prosador. Seduzia as pessoas com o seu sorriso fácil e talvez fosse esse seu jeito amigável que fazia com que os comerciantes confiassem nele para fazer negócios.
'Minha ultima aquisição foi antes de eu me aposentar; comprei um sofá italiano na mão do judeu.' Disse satisfeito. 'Como é macio aquele sofá, dá vontade de sentar e não se levantar mais. Minha mulher é que fica implicando. Toda vez que me vê sentado no sofá grita da cozinha: 'Sai daí, João. Este é o sofá das visitas.' Temos outro sofá mais velho, mas é duro e desconfortável.' Deu uma risada gostosa e balançou a cabeça. 'Mas não tem jeito, todo dia eu sento lá um pouquinho. Eu chego da rua cansado, sabe, tomo aquele banho. Passo um talquinho, uma colônia, visto uma roupa limpinha e vou direto sentar no sofá novo. Não tem coisa mais gostosa do quer sentar naquele sofá pra descansar as pernas. Eu não sei do que aquele diacho é feito, mas que é macio e confortável, isso lá ele é. Minha velha quer que aquele sofá seja só pras visitas, veja se isso tem cabimento. Visita tem de sentar é em cadeira dura, pra não demorar muito na visita! Um sofá bom daqueles deixar só pras visitas, é um desproposito. Olha, eu vou ter uma conversa com minha velha, isso não está certo. Agente é que tem de gozar do sofá. Ela tem de compreender que agente merece esse prazer.'
Um dia João veio da pescaria. O sambaqui vazio. Os peixes pareciam que não gostavam de iniciantes. Puro preconceito. Ele foi lá nos fundos guardar suas coisas. Depois foi tomar seu banho, vestiu roupa limpa e foi para o dito sofá. A velha não gostou de vê-lo lá sentado, já estava perdendo a paciência com aquela insistência. João parecia criança, tinha de falar a mesma coisa todo santo dia. 'João, o que foi que eu disse? Deixa este sofá pras visitas, meu velho.' Falou docemente. Maria Rita nunca foi de levantar a voz.
Mas daquela vez o João achou que já era hora de ter aquela conversinha. Iria falar com jeito, explicar tudo direitinho, e no final ela lhe daria a razão. 'Vem cá minha velha, vamos conversar um pouquinho.' Maria Rita foi até a sala. 'Qui'é João, não tá vendo que ainda tô preparando o almoço? Fale logo, meu velho.' João continuava sentado no sofá e falou-lhe baixinho e dengoso puxando-lhe pela mão para que sentasse. 'Venha cá, sente aqui comigo. Sinta como este sofá é macio.' Maria Rita sentou-se ao seu lado desconfiada. 'Eu sei que é macio, João, por isso mesmo fica pras visitas. Eu quero que as pessoas saiam daqui com boa impressão de nossa casinha.' João colocou o forte braço ao seu redor apertando-a, como nos tempos que fazia quando namoravam na casa dos pais dela. O pai ficava na outra sala fingindo que lia o jornal e tossia vez por outra para lembrá-los que ele estava ali de olho. Ele foi alisando as costas dela. Deu-lhe um beijo no pescoço. 'Deixe disso João, eu tenho o que fazer.' João enfiou a mão entre as coxas dela e apertou-lhe a buceta. 'Uai, pare com isso João. Deixe de ósadia.' João nem dava ouvidos, parecia que o demônio tinha tomado conta dele. Foi apalpando Maria Rita e sufocando-lhe de beijos e ela, sob protestos, foi dando-se por vencida. João deitou-a no sofá italiano e comeu-la. Ele tava retado mesmo naquele dia, deu duas; uma seguida da outra. Maria Rita ficou tonta, quase não acertou o caminha de volta para a cozinha.
João chegou da rua de sua pescaria mais cedo que de costume, no dia seguinte. Cumpriu o seu ritual. Banho, roupa limpa e sofá. Maria Rita desta vez não implicou. Lembrou-se do dia anterior e calou. 'Maria Rita, chegue aqui.' Maria Rita foi. João mostrou-lhe como eles poderiam aproveitar melhor aquele sofá italiano mais do que as vistas. Mostrou a ela a outras utilidades do braço do sofá. 'Assim não, meu velho, isso ai é pecado, ui, ui! Misericórdia, mas que homem safado!' Deu uma gargalhada.
No dia seguinte, quando veio da rua, João notou uma colcha de pano bonita cobrindo o sofá. 'Minha velha, deixa o meu prato no forno que eu vou ali na pracinha jogar uma partida de dominó que os meninos estão me esperando.' Saiu depois do banho. Maria Rita ficou intrigada. No dia seguinte, João também não foi no sofá. Desta vez foi concertar a torneira do tanque que Maria Rita se queixava fazia duas semanas. Almoçou e foi se deitar. 'Será que meu velho desistiu do sofá?' Matutou Maria Rita.
No outro dia, João veio da rua com sua vara e anzóis e foi tomar seu banho. Talquinho, roupa limpa. Ao sair do quarto, Maria Rita estava sentada no sofá italiano esperando por ele. 'Meu velho, chegue aqui.' Disse com um olhar languido.
Rio Vermelho, 1º. de junho de 2010.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
A dama e os cachorrinhos.
Todo fim de tarde, observo passar em frente à minha porta uma dama que mora num prédio aqui da vizinhança. A distinta senhora possui um par de bem cuidados poodles brancos. Parecem duas bolas de algodão redondas que de tão alvas deveriam ser estrelas em comercial de detergente em pó ou de amaciante. Para enfeita-los para o habitual passeio, cada um ganha um vistoso laço de fita vermelho em torno do pescoço. Sua proprietária também não faz por menos, emperiquita-se dos pés à cabeça e põe no alto do cocuruto um bonito laço que combina em cor com os dos cães. A cena toda é algo interessante de se ver. Tanto pela sua trivialidade como pela satisfação visível nos três companheiros em estarem juntos naquele momento especial do dia. Nada mais banal que uma dona sair com seus amiguinhos para um passeio num final de tarde, não fosse pelo fato de ela ter o cuidado de levar na mão um saco plástico com o qual vai recolhendo delicadamente as proezas que os seus animaizinhos vão deixando pelo trajeto. Um comportamento tão simples e louvável.
Não muito longe daqui, existe uma pracinha cujo esforço de alguns vizinhos, incluindo a minha pessoa, evitou que ela fosse transformada em estacionamento. Em rara demonstração de bom senso, a prefeitura deu-se por convencida, ajeitou a pracinha que ficara tantos anos em completo abandono e esquecimento. Depois da plástica a que foi submetida com sucesso, na qual foram incluídos equipamentos novos de recreação, a vizinhança aplaudiu de pé e se animou a frequenta-la nos fins de tarde. Levam a criançada ruidosa para brincar na areia, no balanço e no escorregador quando o sol está mais fresco. Tudo seria um daqueles "momentos Kodak" não fosse o fato de alguns cidadãos entenderem que o local é perfeito também para uso como latrina para cães, apesar de placas de aviso informando do contrario estarem bem à vista.
Eu fico me perguntando o que deu de errado. Por que é tão difícil obedecer às benditas placas. Talvez estes donos de cães sofram de dislexia ou apenas consideram que é uma caretice dar importância a placas educativas, pois, seus animais tem todo o direito de fazer o seu serviço sujo no mesmo espaço onde brincam inocentes crianças. Por outro lado, nenhum dos pais jamais esboçou qualquer reação de reprovação, o que me leva a crer que eles apenas não se importam.
É esta atitude de desinteresse e apatia que me intriga. Ninguém parece se importar muito com coisa alguma. Qualquer infração por maior ou menor que seja é tolerada. Embora este pareça ser um delito menor, é bem revelador de como é o cotidiano das coisas por aqui. Todo dia, praticam-se pequenos delitos como este a que me refiro e acostuma-se com isto como se fosse algo perfeitamente normal em nossa sociedade. Coisa do cotidiano. Ninguém percebe, ninguém se importa o bastante para fazer algo a respeito. É neste vazio, na apatia e descumprimento das leis que chega o aproveitador, geralmente um meliante que alcança a posição de político pelo voto universal e, como ninguém é dono de nada por aqui, ele se apossa da coisa pública em proveito próprio. Ninguém liga para ele, afinal, a política é mesmo o reduto de larápios e não há nada que se possa fazer a respeito. Eles chegaram lá e criaram leis e transformaram o sistema para poder protegê-los e manterem tudo exatamente como está.
Vivemos num país onde as leis são como novas gírias, tem umas que pegam e outras que não. Mesmo se não existisse a tal lei que proíba proprietários de cães permitirem que seus bichos façam suas necessidades em ruas e praças públicas, falta o bom senso dos mesmos em não recolhe-las. Curiosamente, algumas destas pessoas são aquelas mesmas que são tão conscientes quando defendem os direitos dos animais. Claro que não se esperam nenhum tipo de responsabilidade do animal, refiro-me ao cachorro, e nem mesmo consciência social, mesmo que alguns estudos científicos provem que alguns deles 'pensam' mais que muitos bípedes que usam o dedo opositor. São estes pequenos delitos do cotidiano que tornam o brasileiro permissivo. Muitos deles são aqueles mesmos cidadãos que não entendem porque o dinheiro do imposto não foi parar nos hospitais, escolas, estradas e segurança. Este é o resultado de um ciclo que começa nas pequenas coisas do cotidiano. Vai tomando vulto à medida que não encontra resistências e, quando nos damos conta, o pequeno delinquente já ocupou um assento cativo no parlamento. E pensar que todas estas mazelas tem origem no coco do cachorro largado no meio do caminho! Felizmente a coisa só não é pior porque há milhares de donos de cachorros como a dama que mora aqui perto, que leva à mão um saco plástico quando passeia com os seus animais e com o qual vai prevenindo que o pais se torne numa imensa montanha de excrementos.
Rio Vermelho, 08 de maio de 2010.
domingo, 2 de maio de 2010
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Estórias para quem tem pouco tempo.
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Valeu!
Amantes numa rua deserta.
Muito de nós raramente nos damos conta de que estar em um relacionamento é como jogar desconhecendo as regras do jogo; que querendo ou não, joga-se às cegas. Não há duvidas de que vivemos, agimos e reagimos uns com os outros, mas existimos a sós. Não sabemos realmente como o outro sente ou o que sente. E o mesmo se aplica sobre ele em relação a nós. É que o nosso conhecimento do efeito de nossas atitudes e comportamentos sobre o outro acontece de forma limitada e baseia-se apenas em nossas próprias experiências e em muita intuição. Apenas presumimos o que se passa no intimo do outro, o que ele pode sentir se fizermos isto ou aquilo, o que, na maioria das vezes, o fazemos com certa dose de acertos, em parte, graças ao que chamamos de empatia. Aquele que não viveu bastante corre o risco de errar mais e sofrer mais também. Isso faz parte do duro aprendizado da vida.
Não faz muito tempo, numa solitária tarde de sábado, eu perambulava pelas ruas do Rio Vermelho. Era um daqueles dias bonitos que nos chama a sair de casa para esticar as pernas numa caminhada. Algumas ruas por aqui ficam desertas e nos dão a impressão de que somos os donos da cidade, de que os passeios nos pertencem e que não faz diferença alguma se temos ou não algum dinheiro no bolso. Sinto-me seguro como se estivesse andando em minha própria casa. Ao seguir pela Rua do Canal, cruzei com um jovem casal. Instintivamente pus meus olhos sobre a moça que era um colírio de se ver. Vestia shorts jeans justo e uma camisa de malha que revelava a beleza de suas formas e me provocava bobagens na cabeça; nos pés, um par de tênis novinho. O cabelo era bem cuidado e preso com um grande laço vermelho como há muito eu não via. A moça parecia tão fresca quanto pão quente quando sai do forno. Já o rapaz, era a autoconfiança em pessoa demonstrada pelo seu desleixo. Vestia uma dessas bermudas que revelam o rego da bunda ao dar a incomoda impressão que vão cair a qualquer instante. A camisa de malha servia como um acessório de mão. Não olhei seu rosto. O corpo musculoso tatuado em excesso chamava a atenção como rabo de pavão e indicava que o seu segundo lar era alguma academia, o que justificaria as horas que ele passava em frente ao espelho se admirando. Imaginei que tantos músculos assim deveriam chegar até o interior da cabeça roubando o lugar do cérebro.
Embora eu aparente ser muito distraído, eu sei exatamente o que se passa ao meu redor. Sou capaz de interpretar uma situação sem precisar ouvir uma única palavra, ainda que, às vezes, tudo não passe de pura imaginação. Ouvi a moça, sua voz próxima ao pranto em tom de súplica, perguntar ao rapaz: "Me diz o que é que eu tenho de fazer pra você gostar de mim?" Não ouvi resposta, até porque o rapaz preferiu fazer uma expressão de enfado no rosto obtuso. Quantas vezes ele já não deveria ter ouvido aquele drama, imaginei. Continuei no meu caminho e não ouvi mais nada, mas pensei bastante sobre assunto, já que eu não estava fazendo coisa alguma.
Imaginei que ela talvez já tivesse feito de tudo ou, quem sabe até, dado de tudo. Talvez fosse este o problema, ela estava se esforçando demais. Nós humanos, somos incrivelmente estranhos, para não dizer masoquistas, ao desejarmos muito justamente aquele que nos despreza. Quanto mais somos ignorados mais desejamos a pessoa. E, tristemente, viramos as costas para aqueles que nos tratam com dignidade. Simples assim. O mundo parece que funciona ao contrário. A moça quer o amor de um cara que passa mais tempo amando a si próprio e contra quem ela não consegue competir.
Lamentei todo aquele seu sofrimento, pobrezinha, e fiquei me perguntando se ela não estaria provando do próprio veneno. Quantos pobres coitados ela já não teria tratado da mesma forma, com tamanha indiferença? Provavelmente ali não era o fim de tudo. Era apenas a rotina. Ela terminaria submetendo-se a ele como de costume. E depois, esperaria dele algum tipo de recompensa, como sempre o fizera com o próprio pai, embora este também agisse com a mesma insensibilidade. E, em seguida, ela lhe faria cobranças mais uma vez como estava fazendo naquele instante. A desiludida e apaixonada moça não sabia como terminar aquele circulo vicioso. Ele era provavelmente o seu maior vício. Eu gostaria de dizer-lhe que ela sempre poderia seguir o seu próprio caminho andando para o lado oposto ao dele, e começar tudo de novo, que a vida serve é para isto, para que agente comece tudo de novo. Segui meu caminho.
Rio Vermelho, 1º. de maio de 2010.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
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Valeu!
A despedida numa tarde de chuva
Esta semana, uma querida amiga despediu-se deste mundo no meio da tempestade. Chovia muito ao ouvir a notícia pela manhã. Foi uma conversa breve e emocionada. Era coisa já esperada. Despedi-me mentalmente, recordando de momentos de nossas vidas. Há algum tempo estávamos distantes fisicamente, apesar de morarmos no mesmo Rio Vermelho, mas, nem por isso ausentes. Além de considera-la uma amiga, ela era também a mãe de amigos de infância. Uma daquelas mães que, por estar tão presentes, vira amiga dos amigos dos filhos, também. Foi uma saída de cena dramática, como, aliás, são dramáticas todas as mães. Não poderia ter sido de outro modo. Marcou em vida, e marcou na partida. Não foi vítima de nenhuma catástrofe como as que vimos estarrecidos pela TV nos últimos dias, mas de uma moléstia que por si só já é uma catástrofe. Que vem silenciosamente sem se anunciar e corroí a vítima até que ela se transforme em apenas uma sombra. Meses se passaram até o inevitável e doloroso desfecho. Enquanto isto, eu procurava os filhos para o consolo e pedir por uma boa notícia. A doença fez mais de uma vítima, enfim.
Caia uma chuva fina no final da tarde quando fui ao Cemitério dos Estrangeiros dizer o meu adeus. Ironicamente, dias antes, eu havia passado em frente ao mesmo lugar, e ao ver os seus portões trancados, me veio a sombria curiosidade de saber como era lá por dentro, embora já soubesse como são estes lugares. E lá estava eu finalmente, debaixo de uma chuva fina e intermitente, de sapatos de couro encharcados de água e mudo de palavras. Nunca sei o que dizer em momentos como este, limito-me a dar um abraço. É o melhor de calor humano que posso oferecer. Era um cemitério tão pequeno que as duas enormes mangueiras centenárias plantadas em seu terreno eram o suficiente para cobrir com suas frondosas copas toda a sua extensão. Um tapete verde e macio de musgo cobria seus troncos e heras pendiam de seus galhos como longas cordas verdes de cipós. Parecia mais um quintal, comentou um amigo. Era um lugar triste e úmido com cara de cemitério, mas estranhamente aconchegante e ultrapassado.
É doloroso despedir-se da mãe da gente, ainda mais quando se trata de uma mãe que soube honrar o significado da palavra. Uma, cujo modo de agir a cada sol, moldou os filhos em homens e mulheres de bem. O coração aperta, o choro fica sufocado, reprimido pelo espanto. Quem não gostaria de ter a mãe a vida inteira? Ou de lhe ter dito antes da partida aquelas palavras que só agora ao pé da sepultura lhe veem à mente? Ao morrer, as mães deveriam ir direto para o céu, carregadas por anjos, saírem flutuando como por um encanto mágico. Mas a realidade é bem mais dura, que nos faz fechar o seu esquife, relutantes em dizer adeus; carregar curvados o seu peso até a beirada do destino final barrento e ajudar o coveiro em seu serviço. É um ritual doloroso que não se passa procuração. Que descanse em paz. Ela se foi, ficam-se as lembranças, os ensinamentos ditos no comportamento correto e de forma despretensiosa e o privilégio de tê-la conhecido. Eu fico me perguntando o que estará fazendo agora onde estiver. Será que nos assiste e continua cuidando de nós? Ou apenas está descansando, descansando em paz?
Rio Vermelho, 16 de abril de 2010.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Cada um se dá a importância que pode.
Já faz tempo que venho reparando o modo com que algumas pessoas repetem que andam muito ocupadas. Virou um lugar comum este hábito que ora surge como um queixume ou como apenas uma simples desculpa. Todas elas andam muito ocupadas, como se ninguém mais fizesse coisa alguma além delas. Creio que há um vírus solto no ar infectando as pessoas com esse mal que aflige desde o vagabundo que dorme debaixo da árvore aqui na porta de casa até ao presidente da república! De onde vem tanta ocupação? "Agora não posso falar, estou muito ocupado!" Disse "o muito ocupado" ao atender ao telefone. Pra que atendeu, então? Onde será que arranjou tempo pra isso?! Em conversas sociais, não se fala mais do tempo — vai chover? Não vai. Mas tá calor, é sinal que lá vem chuva. — e sim de como se anda ocupado, mas sem se especificar exatamente com o quê. Talvez porque o "com o quê" não importe tanto quanto "o como".
De tanto ouvi-las, decidi refletir melhor sobre o porquê de tanta ocupação. Deixei de lado as pessoas que andam realmente ocupadas. Estas nunca se queixam, até porque estão por demais ocupadas para tanto. Resolvi me ocupar das que se dizem ocupadas por falta do que ter melhor o que fazer. Observei que algumas pessoas apenas andam estressadas e, por isso, se consideram mais ocupadas que outras. Elas provavelmente estão associando o seu estado emocional às suas responsabilidades. Há uma clara confusão entre estresse e estar ocupado. Desde quando estar estressado e estar ocupado são o mesmo? Quem sabe elas estão neste estado de estresse porque não estão fazendo nada de tão importante quanto gostariam e, por isso, se sentem culpadas por terem a falsa impressão de estarem perdendo tempo? De tanto ouvir os amigos se gabar dos próprios feitos, por exemplo, terminam imaginando que estão perdendo alguma coisa. Não fazer nada, para alguns, é o fim do mundo. Algumas pessoas simplesmente não conseguem conviver com isto, porque não foram condicionadas para tanto. Melhor dizer que andam muito ocupadas, então.
É verdade que muitas pessoas associam a ideia de estarem ocupadas ao fato de estarem correndo de um lado para o outro, ou de estarem sempre ao telefone ou estarem com as mãos ocupadas num teclado e os olhos fixos na tela do computador. Ao contrario de toda esta demonstração óbvia de ocupação, eu lembro que trabalhei num lugar onde o fato de tirar apenas uma hora do dia para pensar e não fazer mais nada, fazia parte do serviço. "Não posso falar agora, estou no meu horário de ócio."
Minha amiga C.C. disse-me, certa vez, que geralmente as pessoas estão ocupadas com coisas inúteis. Alguém aí anda fuçando muito o Orkut?! O que ela diz pode ter um fundo de verdade, porem, levanta uma discussão sobre o sentido das coisas. O que pode ser útil para uns, parece inútil a outros, pano lá pra muita conversa de bar. Fico imaginando, porem, pessoas repetindo a si mesmas que estão ocupadas como uma forma convencerem a si mesmas que a vida está fazendo sentido. Vivemos numa época em que muitos buscam ser algum tipo de celebridade e sair do anonimato, provocado pelo inchaço das grandes metrópoles. Cada um faz o que pode para aparecer. Tatuam-se até a raiz do cabelo, pintam o cabelo de verde, modificam a própria anatomia com implantes exagerados que vão desde silicones nos seios até a colocação de chifres na testa, assumem atitudes irreverentes que chocam a sociedade, agrupam-se com seus semelhantes em de diversas formas, escrevem blogs, como eu, ou apenas dizem que andam muito ocupadas. Para estas ultimas, falta-lhes senso de humor e criatividade para curtir o momento de ócio. Elas parecem gostar de dizer que estão ocupadas. Sentem-se mais úteis, engajadas em alguma coisa importante. Fazem parte de um mundo que produz, que vai para algum lugar, mas não se sabe exatamente para onde. Querem fazer parte daquele grupo de pessoas ocupadas, sabe. "Olha, agora não posso lhe dar atenção, estou ocupado." Mas porque será que elas fazem tanta questão em dizer que vivem ocupadas? O que há de errado elas terem algum tempo dedicado a não fazer exatamente nada?
Rio Vermelho, 4 de abril de 2010.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Mamãe passou açúcar nele.
Em meus périplos pelo Rio Vermelho, a ida ao supermercado é um dos meus lugares preferidos. Tenho gostos estranhos, ir ao supermercado é um deles. Gosto de passear entre as gôndolas e ver as novidades. Até já desenvolvi algumas técnicas de como comprar. A primeira delas é nunca ir às compras de estomago vazio, do contrário, corre-se o risco de comprar demais, principalmente bobagens. O mesmo acontece se estiver aborrecido. Comprar mais, não vai resolver o problema. A menos que você aí leitora, seja uma esposa querendo se vingar do marido na conta do cartão de crédito! Ao colocar no carrinho produtos de validade curta, como pão de fôrma e ovos, sempre pegue o pacote do fundo da prateleira ou na prateleira debaixo, são os mais recentes. Fique atento às promoções, principalmente aquelas cujos preços são irresistíveis. Estas generosidades geralmente estão com os prazos de validade quase vencidos! Ao escolher entre marcas diferentes numa mesma gôndola, tenha em mente o seguinte: as mais baratas e pouco conhecidas ficam nas prateleiras lá de baixo, um ardil para aqueles não agüentam se flexionar de gôndola em gôndola. Os produtos com preços mais caros ou as promoções que o mercado quer que você leve, ficam colocados confortavelmente à altura de seus olhos e de suas mãos. E boas compras!
Depois de encher o carrinho, fui procurar uma fila pequena, o que não é lá uma tarefa assim tão fácil, não num sábado de manhã. Geralmente vou ao mercado às sextas pela tarde, mas, naquela semana, preferi ir ao cinema, para variar. — Recentemente adquiri o mau hábito de ir ao cinema no meio da tarde, o que me dá uma agradável sensação de estar desocupado. — Escolhi ficar logo atrás de uma senhora carregando apenas, além de sua bengala, uma cesta com um pacote de pão de forma, uma lata de leite em pó e um saco de alguma coisa. Eu era o terceiro da vez. Aquela velha bem poderia estar na fila especial para idosos, que apesar de parecer mais comprida, tinha a vantagem de ter um banco com cadeiras sobrando onde ela poderia esperar confortavelmente sentada e dar um descanso à sua bengala. Na verdade, eu queria mesmo era me livrar dela, ou melhor, que ela saísse de minha frente para eu fosse logo atendido. A parte que eu não gosto do mercado é justamente a fila, com suas caixas de olhar enfadonho, pondo à prova a minha paciência.
"A senhora não gostaria de ir para a fila dos idosos que é mais rápida e tem um banco pra sentar?" Perguntei. "Não" Respondeu com um sorriso doce. Talvez ela não se achasse tão idosa assim. Eu, pelo contrário, não me incomodaria nem um pouco de ir para a fila dos deficientes, já que ainda não sou idoso. Descobri outro dia que tenho deficiência de vitamina A. Suficiente para ir para a tal fila? Enquanto aguardava, peguei um exemplar da "Veja", a única revista que não é lacrada. Deve ser alguma cortesia do mercado para a clientela, nada como aproveitar para por os assuntos em dia, enquanto aguardo de pé na fila. Depois, é só devolve-la à prateleira onde estava!
Em menos tempo previsto, chegou, finalmente, a vez da velha. Digo, para ser atendida no caixa. A cena seguinte surpreendeu-me. O caixa, um rapaz jovem com um corte de cabelo estiloso, levantou-se de sua cadeira e abraçou a idosa carinhosamente por cima do balcão. A velha beijou-lhe no rosto e ele retribuiu-lhe o beijo com outro e os dois continuaram assim abraçados por tempo o suficiente para eu ficar enjoado. Alguém ai quer um abraço? Nem o Lula beijou e abraçou o Fidel Castro tanto, na ultima vez que esteve em Cuba! Estava explicada a sua preferência por aquela fila, ela queria dar um abraço no netinho, concluí.
Aquela lambança não parou por ali. Outras quatro velhinhas apareceram do nada, tagarelando feito matracas. Queriam dar um beijo e um abraço no rapaz. Não podiam deixar de ir ao mercado sem passar para dar um beijo no caixa mais querido delas. E tome-lhe beijos e abraços apertados e elogios açucarados. A velha e o caixa nem eram parentes, então. Fiquei ali na fila assistindo aquela cena inusitada, na qual as avós de alguém beijavam um neto que não as pertenciam. Imaginando a solidão que é envelhecer sem o afeto dos filhos e dos netos, e de como é triste ter de ir buscá-lo com estranhos num supermercado. Aquelas velhinhas são como milhares de tantas outras que dedicaram suas vidas às famílias, e, no final, carecem do afeto que dispensaram a elas.
Quando chegou a minha vez, foi tudo muito rápido, como geralmente acontece quando não estamos lá na fila observando e esperando ansiosos. Me senti rejeitado pelo caixa não ter vindo me dar os meus beijos e abraços. Quebrei o gelo dizendo, "Já sei. Mamãe passou açúcar em você quando bebê." Ele pareceu não ter gostado da piadinha, pois não esboçou sorriso algum. Ao contrário, olhou-me seriamente e respondeu. "Não é nada disso. Acontece que eu tenho sorte de encontrar pessoas maravilhosas na minha vida." Não quis levar o assunto adiante, sei que este meu jeito de levar tudo na piada pode ser engraçado para os que possuem um senso de humor refinado, mas soa como uma ofensa aos que carecem dele. Minha amiga Yara diz que tenho um humor mordaz, mas acho que ele não morde tanto assim não.
Eu sou um daqueles que vão ao mercado levando aquelas sacolas de pano, temos um monte delas aqui em casa. Acho que esta é a minha única contribuição ao meio ambiente. Ensacolei eu mesmo minhas compras, surpreso de estar pagando tanto para levar tão pouco. Toda semana gasto o mesmo valor no mercado e volto com as sacolas mais vazias. Ainda bem que não temos inflação! Paguei e depois disse sorridente ao caixa. "Não vai me dar meu beijo e abraço?" Estendi-lhe os braços.
Rio Vermelho, 21 de março de 2010.
quarta-feira, 3 de março de 2010
Like a Capra Film
While it is strange, though not impossible, to be surprised by acts of solidarity or generosity when we are struck with adverse situations—we are even more surprised when these acts of benevolence come from the people we least expect, or complete strangers. I can be moved to tears when I hear about such situations; it's like watching a Capra film or admiring a Rockwell painting. For those who have never heard of the American film director who made comedies from the 1920's through the 1960's, Capra's films offer a generally clear and optimistic message about the good side of human nature, and the value of altruism and hard work. Norman Rockwell was of the same vein—an American illustrator who drew portraits of innocent daily life in small town America.
Recently, my friend B.H. who lives in a small chilly town near New York City, was brave enough to leave her house after one of those long snowy nights. [It is snowing cats and dogs in the land of Uncle Sam; could it be the greenhouse effect?] She planned an outing to the grocery store to buy some staples and a hot soup to eat while she sat in front of her computer fooling around on Facebook. So, she slipped a long-sleeve plaid flannel shirt on top of her turtleneck. Over this she donned an orange fine merino wool sweater, covered by a green virgin wool coat from New Zealand. As a finishing touch, she got into a red nylon jacket, lined with fuchsia polyester fleece, accompanied by her lined purple leather gloves, wool-lined pants, black rubber boots with fake-wool lining, thick wool gloves, and a horrible green chlorophyll-colored wool hat from Siberia—something shocking enough to frighten a young child. She pretty much looked like a tie-dyed Pillsbury doughboy. So, off she went to the grocery store.
Staggering inside from the chill, she wandered past the many aisles of produce, putting things in her little cart, including a flat tin of guava jelly, her favorite from Pacajus, Ceara a northeastern Brazilian state, which was on sale. She moved on to the prepared foods section and asked for a hot chicken soup. Making sure she had everything in her cart, she headed over to the checkout contended that she had remembered all of her essentials. Then, much to her surprise, she realized that she had forgotten something—her wallet! She stood there imagining, quite deflated in fact, how sad her walk home would be with empty hands, that morning where the thermometers were at -1ºF outside. Where had her head been to forget her wallet? She was embarrassed with her situation, with the people in line witnessing her shame. She didn't have a cent in her purse, not even enough to take home her hot soup that was going to taste so good on that wintery day. All she could do to relieve her self-consciousness was to return everything to the shelves. At that point, the clerk calmed her down, told her she didn't have to bother, that they would do that for her.
As she skirted out through the automatic doors still embarrassed, a gentlemen appeared, unknown to her, offering to pay her grocery bill. At the same time, a woman on her other side waved her credit card also offering to take care of her financial drama. And to complete the festival of benevolence, another clerk ran out of the store offering her the hot soup on the house, telling B.H. she couldn't go home without her lunch. She accepted the good will and the loan from the stranger, seeing in him a chance to meet him again, since he looked like he had been in an ad for Marlboro, and that he had the type of genes that she had been looking for, for her future children.
She politely declined the woman's credit card. She accepted the soup, and paid her bill as the manager insisted on driving her home. Some might say that this was a true expression of goodwill, but others will insist that everyone was afraid of her big ridiculous get-up!
Salvador, February, 25th 2010
Versão original em portugues logo abaixo.