terça-feira, 16 de dezembro de 2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

Eu e os bichos grilos.



Minha amiga Cristiana recordou-se com saudades do tempo em que foi hippie na chapada, depois que leu 'Um caso de malemolência nativa'. 'O povo de lá é assim mesmo, escarrado e cuspido', escreveu-me. Kitty, fico feliz em ter-lhe proporcionado este breve momento nostálgico.

Seria muito injusto de minha parte descrever de maneira folclórica só os nativos da região. E quanto aqueles que fogem da selva urbana por não a tolerarem mais, ou por nela não se encaixarem? Eles migram para estes paraísos ecológicos em busca de melhor qualidade de vida ou apenas em busca da nirvana. Algumas dessas pessoas são aquilo que se convencionou a se chamar de 'normais'. Elas buscam apenas uma vida saudável e tranqüila. Outras são o que eu chamo de 'bicho grilo'. Eu considero o atual bicho grilo uma versão moderna do hippie, sendo que estes não pretendem modificar o mundo com paz e amor, até por que nossos inimigos da atualidade são outros mais difíceis de combater. Estes personagens cultivam uma forma de vida que é como um imenso cozido de tudo o que se tem de alternativo na constelação. Amam e cultuam desde a natureza, alimentação orgânica e vegetariana, astrologia, tarô, holística, florais, biodança, duendes, fadas, hobbits, bruxas, visitantes do espaço, enfim, a porra toda! São pessoas que levam uma vida muito rica de experiências, são afáveis e interessantes. Você só não deve dizer a elas que apreciam uma boa picanha ou que pretende acimentar todo o seu jardinzinho. Elas nunca lhe agredirão verbalmente ao ouvir de você tais heresias, pois, isto fere sua filosofia e modo de vida. Mas lhe dirão um monte de coisas lhe recriminando, uma vez que elas é que estão sempre certas.

Na Chapada, pode-se encontrar um monte destes bichos grilos. Existe por lá uma cidadezinha de nome Igatu, que é conhecida por concentrar grande número de aparições de discos voadores. Por causa disso, seus moradores andam olhando para o céu e não para o chão, como seria o mais sensato. Este é o motivo que faz de Igatu ter o maior índice de topadas do planeta!

Certa vez eu estava em Lençóis conversando numa roda de moradores locais. Estávamos num bar onde era servida apenas cachaça. O proprietário, um senhor barrigudo, ficava atrás do balcão ouvindo tudo com muita atenção e para cada dose que ele servia, tomava outra. Eu não conseguia compreender quase tudo que diziam, pois era um papo elevado demais para a minha compreensão, contudo, eu posso jurar que a língua utilizada era o português. Havia um rapaz mulato rechonchudo de cabelo comprido e bem cuidado amarrado para traz, tinha uma dúzia entre brincos, piercings e tatuagens espalhadas pelo corpo, sua cara era meio de debilóide e falava algo assim arrastando com as palavras, lembrei do Obelix, parecia que ele tinha caído no caldeirão de maconha quando era bebê:

"Velho, quando eu morava no Alto da Estrela – trata-se de um bairro que fica no alto e cujo terreno é muito rochoso – eu vivia morgado, sacou? Rolava sempre umas dores de cabeça bizarras, mermão. – o seu olhar era vago e perdido. – A energia daquelas pedras é muito negativa, rei. Saí de lá, fui morar no Areal de Baixo. Lá é mais terra, é mais chão, sacou? Eu pisava na terra e me sentia numa boa, sacou? Pisar no chão faz bem, rei. Terra faz parte do mundo, é o universo, sacou? É energia positiva, broder."

Outro morador de lençóis, fugitivo de Salvador, convidou-me para conhecer a sua casinha. Fui lá tomar um café com cuscuz e bolinho de chuvisco. Ela ficava num lugar muito bonito rodeada de plantas e era bem ajeitada. Logo que entrei na casa, ele me levou para conhecer a sala de estar. Foi até um canto e me chamou.

- Venha até aqui. Olhe só, sinta aqui essa vibração – falou levando a mão em forma de concha até o ouvido como se estivesse tentando escutar alguma coisa. – Está sentindo uma vibração neste canto?

Meio sem jeito, fui até perto dele. Fiz como ele, tentando ouvir alguma coisa. Fiz uma expressão de quem estava me concentrando. Eu mesmo que iria contrariar um anfitrião!

- É... acho que sim... estou sentindo alguma coisa diferente, sim. – disse tentando ser simpático.

Foi lá, também, que eu conheci uma paulistinha linda com quem tive um namorico. Ela era muito inteligente e talentosa. Escrevia uns poemas eróticos que fariam Bocage corar de vergonha! A menina era meio esquisitinha, mas como estávamos em Lençóis, eu considerava isso normal. Logo de início, ela me contou que uma vez surtara e fora parar num manicômio por meses. Mas ela era uma gracinha e não quis deixar que isso interferisse em minhas intenções com ela. Uma vez, ela me convidou para acompanhá-la num tipo de retiro espiritual no qual as pessoas presentes abandonariam seus corpos e flutuariam no ar, olhariam para seus corpos de lá de cima, não sei com que intenção. Achei a idéia interessante, mas expliquei-lhe que eu era um típico capricorniano, muito apegado ao meu corpo e a coisas materiais, e que eu não gostaria de flutuar por que a minha natureza capricorniana era a de uma pessoa que gostava sempre de ter os pés no chão, etc. Eu sempre tenho uma resposta razoável para tudo.

Quando eu a conheci numa bela noite de lua cheia, ela estava sentada sozinha numa mesa de bar bebendo uísque. Eu ia passando e ela sorriu para mim. Dei meia volta e voltei para abordá-la.

- Você está sozinha? – perguntei antes de puxar uma cadeira e me convidar a sentar.

- Não, eu estou comigo mesma. – respondeu com um belo sorriso.

- Eu também estou comigo. Vamos conversar nós quatro? – sentei à mesa.

Nunca mais tive notícias dessa criatura. Mas era linda, a menina. Depois daquela louca, houve outras em minha vida. Foi então que compreendi que eu tinha uma atração doentia pelo gênero. Deveria ter seguido a psiquiatria!

Mas o extremo das crenças em maluquices alternativas aconteceu com um querido personagem de Lençóis. Protegerei seu nome porque ele ainda anda por lá. Mas digo que ele é um estrangeiro e não um ser de outro planeta, embora aparente ser tal. Este rapaz sempre nos pareceu, para os padrões da Chapada, ser um cara equilibrado, bom esposo e pai de família. Até que um dia, resolveu que não iria mais comer. Alimentar-se-ia apenas da luz do sol e água. Se era bom para uma plantinha, porque não seria para si próprio? Ele era branquelo e passava horas tomando sol deitado sobre uma pedra como se fosse um lagarto. As semanas se passaram e ele quase evaporou de tanto que perdeu peso. Mal se agüentava em pé, apesar da nutritiva refeição. Mas como não era verde e nem possuía clorofila na pele, quase transcendeu para a dimensão além vida. Felizmente, alguém teve juízo e internou-o num hospital para tomar soro. Nunca mais quis encher a barriga de sol.

Apesar de todas estas excentricidades e esquisitices, continuo indo a Lençóis, apreciando o lugar e suas pessoas, afinal, nem eu e nem ninguém somos tão perfeitos!

Rio Vermelho, 13 de dezembro de 2008.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Casos de preguiça crônica.


A preguiça, como vocês sabem, é um estado físico e mental do ser humano que atinge pessoas de todos os sexos e idades, sejam elas moradoras de grandes ou pequenas cidades. Não é uma doença, portanto não existe vacina contra isto. Não há conhecimento que ela atinja animais, embora cães e gatos domésticos possam facilmente assimilá-la de seus mestres. Creio que, no fundo, a preguiça seja uma questão cultural. A preguiça já foi cantada em prosa e em versos por poetas populares nacionais. Já foi tema de músicas conhecidas. Mereceu dissertação em tese de doutorado. Ela é tida com orgulho como uma criação do brasileiro, embora ela exista em outras culturas, umas a valorizam mais que outras, e no caso da brasileira, ela tem peso de outro.

Meu amigo Zé aposentou-se mais cedo. Passava o dia em casa sem ter o que fazer. Ou melhor dizendo, resolvera por conta própria que não faria mais nada na vida. Encarou a sua situação de aposentado como uma coisa seríssima a ponto de não querer mais mover uma única palha. Ocasionalmente, quando ele acordava bem disposto e com vontade de fazer alguma coisa, ele ia ficar sentadinho e caladinho num canto até a vontade passar! Vez por outra, a patroa o mandava para a rua comprar tempero, tarefa que ele fazia com aquela má vontade. A coitada, na condição de dona de casa, não pôde se aposentar. Zé se deitava no sofá da sala depois do café da manhã que era ingerido sem pressa alguma quase como num ritual religioso, lia o jornal de cabo a rabo e, ao final, virava-se para o lado e tirava uma soneca até a hora do almoço. Era uma vida de sacrifícios, mas alguém tinha de fazê-los. À tarde, tomava coragem e saía para jogar xadrez na casa de um amigo – que não era a minha pessoa - quando este, também, não tinha coragem de ir até sua casa. À noite, via um pouco de TV e depois ia dormir cedo. Essa era a sua estafante rotina depois que recebera o relógio de ouro. Enquanto isso, a mulher dava o maior duro em casa, cozinhando, limpando e saindo para as compras. Aquele estado do marido aposentado já estava lhe dando nos nervos. O imprestável não era capaz de mover uma palha para ajudar em nada. Ela lhe pedia as coisas, mas ele gemia tanto de preguiça e demorava tanto em tomar coragem para fazê-las, que terminava ela mesma cumprindo a tarefa. Como bem já dizia meu pai, 'quem quer vai e quem não quer manda'. Um dia ela ficou farta daquilo e marcou para ele consulta médica para saber o que diacho havia de errado com o marido.

O Zé foi sozinho, a contra gosto, pois nunca se sentira tão bem na vida, ver o médico num dia de tarde. Depois de examinar muito e fazer alguns exames o doutor disse-lhe suas conclusões.

- Seu Zé, o que o senhor tem é muita preguiça – disse-lhe pesaroso.

Zé meditou por um instante aliviado e lhe perguntou em seguida:

- Sim, mas qual é o nome científico disso para que eu diga a minha esposa?

Este foi um caso em que a preguiça consome a alma do desocupado. Aos pouquinhos ele vai virando algum tipo de musgo de difícil remoção de redes, sofás ou poltronas muito confortáveis. Por uma questão de orgulho próprio e auto-estima, eles nunca ficam deitados em camas. Ficar na cama o dia todo é coisa para doentes!

Existem também os casos de preguiça que atinge o caráter da pessoa. O personagem tem uma preguiça mental, recusa-se a aprender novas coisas para não ter trabalho a mais. Nunca evolui profissionalmente ou como ser humano. É uma lástima e vergonha para a espécie. Está ocupando o lugar neste planeta de alguém que poderia ser útil. Temos um típico caso desses no Planalto.

Houve um tempo aqui em casa, que as empregadas domésticas eram trocadas mais que fraldas sujas de bebê recém nascido. Quando finalmente conseguíamos aprender o nome de uma, a criatura já era substituída por outra. Havia muito trabalho e pouco salário, mas pelo menos minha mãe nunca foi uma patroa exigente. Ela sempre soube que o serviço aqui era inglório devido à superpopulação da casa e, por isso, não exigia muito. Minha mãe sempre foi uma pessoa afável e meu pai um brincalhão com elas. Pelo fato de meu pai ser uma artista plástico de renome, uma celebridade, por assim dizer, outras celebridades apareciam aqui em casa vez por outra. Isto era uma satisfação para nós e uma alegria para as domésticas. Certa vez, ouvi de uma delas que acabara de servir cafezinho, ganhar autógrafo e tirar fotos ao lado das visitas Tarcísio Meiras e Glória Menezes:

- Aqui se ganha pouco, mas se diverte muito!

Esta mesma senhora tinha uns pensamentos estranhos. Minha mãe sempre teve o hábito de oferecer uma merenda para suas ajudantes no meio da manhã. Certa vez, ela lhe deu um pedaço de goiabada cascão. A moça aceitou agradecida. Quando minha mãe deu as costas, jogou tudo no lixo. Não demorou muito para que minha mãe descobrisse e lhe perguntasse indignada.

- Porque jogou o doce no lixo?

- Não gosto de doce.

- Se não gostava, então porque aceitou?

- Ah! Para a senhora não perder o hábito de me oferecer!

Mas as surpresas não paravam por ai. Certo dia, minha mãe chegou à cozinha com uma receita nova e quis ensiná-la a dona menina.

- Dona Chica, olha que receita fácil de fazer – ela mostrou o papel.

Dona Chica ficou muda, assuntando com os braços cruzados, olhando-o desconfiada.

- Vou te ensinar a fazer esta receita. Você vai ver como é fácil.

- Não me ensine não, dona Alice.

- Mas porque, menina?

- Isso só vai me dar mais trabalho...


Rio Vermelho, 10 de dezembro de 2008.


domingo, 7 de dezembro de 2008


Monet

Um caso de malemolência nativa.


Pessoas como eu, que tem o infortúnio de morar em áreas urbanas onde reina o caos, aproveitam férias e feriados para refugiar-se em pequenos paraísos ecológicos em busca de um pouco de paz, sossego e um cenário praiano ou bucólico. Não há nada melhor que curtir uma praia distante sem precisar disputar a areia com ruidosos farofeiros. Ou deliciar-se com banhos de cachoeira ou rio no meio no mato. Fico até com saudades só de pensar.

Meu destino preferido é a cidade de Lençóis, incrustada no meio da chapada Diamantina. Caso você, nem nunca tenha ouvido falar do lugar, Lençóis foi erguida nos tempos áureos do garimpo na região, numa época de muita riqueza. Era conhecida como a Capital do Diamante. Tudo isso é passado agora. Os diamantes sumiram. Mas cidade teve a sorte de ter sido construída num vale, cercada de florestas exuberantes, rios e cachoeiras caudalosos que atraem amantes da natureza de todos os cantos do mundo, tornando-a a mais cosmopolita das cidades do interior.

Todas as férias de verão e feriados, a pequena cidade é invadida por turistas vindos de metrópole em busca de um encontro com a natureza. São freqüentes as situações inusitadas que se criam deste encontro entre o urbano e o bucólico. Imagine que o visitante da grande cidade, geralmente um cidadão exigente e sofisticado, está habituado a padrões de serviço que primam pela rapidez e profissionalismo. Por outro lado, o nativo da região, procurando aproveitar a maré turística, oferece seus préstimos ao visitante com a mesma atitude de quem estivesse fazendo um favor. Desconhecem os protocolos geralmente criados pela demanda urbana. As coisas são levadas na tranqüilidade e sem pressa, usando os seus próprios métodos e conceitos. É a sua natureza malemolente. E eles estão certos, para quê toda essa pressa e exigência se as pessoas estão lá justamente para relaxar e esquecer o stress da cidade grande? Algo semelhante aconteceu na China de Mao ao abrir as portas para o ocidente, embora lá não seja nenhum pequeno reduto ecológico, muito pelo contrário, mas é ilustrativo. Os costumes dos visitantes demoraram em ser assimilados. Um recepcionista de um dos poucos hotéis que recebiam turistas estrangeiros achou estranho o pedido de um americano. O ianque pediu à telefonista que o acordasse cedo em determinado horário. A telefonista chinesa não entendeu porque o hóspede tinha lhe feito tal pedido e porque ele mesmo não se acordava sozinho, já que este era o costume na China. Mas aceitou a solicitação mesmo assim. No horário combinado, o telefone tocou ao lado do americano. Em seguida, o pobre coitado ouviu uma voz mal humorada gritando com ele do outro lado da linha: 'Acorda!'

Mas voltando ao pequeno paraíso ecológico da Chapada, os seus nativos nem sempre conseguem compreender o estilo de vida dos visitantes e nem estes tentam ver o lado dos nativos. Eles invadem a pequena cidade e querem encontrar o mesmo conforto que deixaram em casa. Por outro lado, os moradores destas localidades são geralmente pessoas hospitaleiras e prestativas, apenas levam um ritmo de vida diferente e possuem seus próprios hábitos e conceitos.

Verão passado fui passar algumas semanas em Lençóis. O calor na cidade é infernal nesta época, pois ela fica localizada numa baixada cercada de florestas e rochas. Ironicamente, dentro da cidade quase não existem árvores. O calor é insuportável de dia e tolerável à noite. O que faz de Lençóis especial é que ao seu redor existem muitas possibilidades de banhos de rio ou cachoeira com água incrivelmente gelada! Existem também as caminhadas pelo mato, mas nada é comparável a ficar o dia inteiro com o corpo mergulhado na água gelada, embora eu saiba flutuar igual a um saco de areia!

Encontrei um amigo de Salvador, o Zé Luiz. Tinha alugado para a temporada uma casa na Rua da Baderna. Eu também fiz o mesmo. Aluguei uma longe do burburinho da cidade. Ficava numa pequena colina quase dentro do mato. De minha janela, podia ver a floresta exuberante à minha frente, coberta pela serragem das manhãs e, à noite, dormia ouvindo os ruídos dos grilos e da água de um riacho batendo sobre as pedras logo adiante. A casinha era confortável. Seu telhado era de telha de cerâmica e sem forro. Algumas vezes choveu tanto na madrugada que senti os respingos da chuva cair sobre o meu rosto, deitado na cama. Para um sujeito da cidade, isto é assustador, mas para os moradores deste tipo de casa isto é natural. Achei pitoresco, embora não quisesse esta maravilha para minha casa de Salvador. Combinei com o Zé de ir tomar um banho do Ribeirão de Baixo, meu lugar preferido. Só vai quem é da cidade, e chegar até lá, envolve uma bela caminhada de três quilômetros e meio. Lá em lençóis é assim, as pessoas combinam para ir tomar um banho de cachoeira ou dar um passeio no mato, assim como em Salvador combinamos para ir ao shopping ou à praia. Estava combinado, passaria em sua casa depois das 9 e não antes, pois um certo Sr. João iria aparecer para tirar uma goteira do telhado da cozinha. Era coisa simples é rápida, ele apenas subiria lá em cima e recolocaria no lugar algumas telhas.

Acordei cedo e fui tomar um café reforçado na Da. Joaninha. Pedi o completo: suco, frutas, bolo, cuscuz de milho, mingau de tapioca, beiju, avoante, pão, queijo, bolinho de chuvisco, ovos fritos na manteiga de garrafa, aipim, banana frita e, é lógico, café com leite. Com um café desses, eu só iria almoçar no final da tarde quando viesse do passeio. Depois de me refestelar de comida, fui lá para a casa do Zé. Encontrei-o desolado à janela. A casa era umas daquelas geminadas de porta e janela que dão para a rua. O Sr. João não tinha ainda aparecido para concertar o telhado conforme fora combinado. Esperei com ele. O acertado fora às 7:30 e já passavam longe das 9 quando o avistamos subindo rua acima distraído do outro lado da calçada. Vinha sem pressa alguma e se o Zé não tivesse gritado por ele, teria seguido adiante e desaparecido ao virar a esquina.

- Seu João, ô seu João. – gritou acenando com o braço.

Seu João olhou para o Zé com uma expressão de quem lembrara alguma coisa. Atravessou a rua e veio falar com ele.

- Bom dia, Dr. Zé. – saudou com uma voz preguiçosa.

- O que houve, seu João? Esqueceu que tínhamos combinado? – cobrou Zé, impaciente.

- Esqueci, não. – respondeu seu João sem jeito.

- Então vai fazer o serviço agora? – insistiu.

- Vou não, Dr. Zé. – deu um sorriso amarelo.

- Mas por quê? – quis saber surpreso.

Seu João deu um suspiro e depois falou devagar arrastando as palavras.

- Ah... eu tô com uma preguiça!


Rio Vermelho, 7 de dezembro de 2008.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2008


Victor Hugo
(1802-1885)

As incertezas e certezas da vida.



Cartões de crédito e empréstimos bancários são invenções do demônio. O digo com conhecimento de causa. Geralmente são fáceis de obtê-los e difíceis de ver-se livre deles. Possuí-los, é como vender a alma ao diabo.

Anos atrás quase perdi a pouca sanidade que me restava ao me endividar com o cartão de crédito e com o banco. Tudo não passava de apenas uma pequena dívida bancária e um atraso de pagamento do cartão, mas algum tempo depois, se transformou numa besta fera. A princípio, a situação estava sob controle, pois, negócios em perspectiva iriam facilmente resolver o meu problema de 'fluxo de caixa', usando o jargão financeiro para o popularmente 'estar duro'.

Contrariando minhas previsões, meus negócios não se realizaram da forma como eu imaginava. O dinheiro não veio. O prazo de encarar meus credores se aproximava, e eu me sentia como condenado em véspera de execução. Minhas noites tranqüilas de sono se foram, a incerteza de poder pagar as minhas dívidas estava me incomodando feito calo em tênis velho. Não há coisa pior na vida do que viver incertezas, elas nos confundem e corroem nossa sanidade e alma. Ao chegar o dia D, eu estava completamente quebrado e como era previsível, não paguei as ditas dívidas. Triste tormento.

Como tudo em minha vida, uma desgraça vem seguida de outra, meu negócio, também, desceu por ladeira a baixo tornado minha situação financeira que já era difícil, bem difícil. O tempo foi passando e as minhas dívidas foram crescendo como fermento em massa de pão. Durante algum tempo, os pensamentos me consumiram de preocupação, como iria pagar minhas dívidas? Tentei acordo com o banco, mas nenhuma das alternativas propostas eram realistas. Por falta de um acordo que satisfizesse o tamanho de meu bolso, apesar de meu banco ter eu seu slogan que eles são do jeito que agente precisa, ficamos sem um acordo e, conseqüentemente, a dívida ficou em aberto. Triste tormento.

O tempo foi passando e minha tenebrosa dívida chegou a se transformar no dobro meu peso em ouro, vitaminada por tantos juros. Nem mesmo as seguidas propostas de 80% de desconto e prazos de 36 meses para pagá-las ainda estavam aquém das minhas posses. O valor de minha dívida se tornou em algo impagável por mim nesta ou em qualquer outra vida. Nunca terei tanto dinheiro. Agora tenho certeza de que jamais poderei pagá-la. O fato de ter esta certeza já é muito tranqüilizador. Voltei a dormir melhor e serenamente. Não tenho mais pesadelos nos quais divido a cela com o juiz Lalau, Paulo Maluf, Daniel Dantas, Celso Pitta e outros ilustres. Não há coisa melhor na vida do que se ter certeza sobre alguma coisa, mesmo que seja a infeliz certeza de que jamais pagarei uma dívida de banco.

PS.: Recentemente tomei conhecimento pelos jornais de que o governo dará dinheiro a bancos em dificuldade. Olha o estrago que causou a minha dívida! E como é doce ter amigos neste governo.


Rio Vermelho, 1 de dezembro de 2008.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008


To Love

The absence of you

leaves me shivering cold

so darling rise

bring heat to my soul.


By Gunnar Boe.