sábado, 17 de dezembro de 2011

Na vida como na arte.

Ir ao cinema é minha diversão favorita. Não passo uma semana sem ir. No entanto, prefiro não saber muito sobre o filme além de seu horário e local de exibição, porque, para mim, faz parte da diversão a surpresa de ir tomando conhecimento da estória à medida que ela vai se revelando na tela prateada. Tenho só o cuidado de não ir a filmes de terror, que os de hoje em dia mais causam nojo que medo. Filmes de pacientes terminais, também não me agradam, pois o final é bastante obvio e está estampado na cara do moribundo principal. Há, também, aqueles apocalípticos cuja trama é um mirabolante plano para mandar o mundo para o quinto dos infernos, cheios de efeitos especiais e cenários fantásticos, estes me entediam e me fazem ficar questionando porque alguém está se dando tanto ao trabalho de acabar com o mundo e porque é que apenas um homem vai impedir que isto aconteça. E filmes cujo tema é a violência contra crianças ou mulheres, nem pensar, afinal eu vou ao cinema é para me divertir.

Ontem fui num cinema cuja sala só vende assentos marcados, e como a plateia era apenas de meia dúzia de gatos pingados, me rebelei, sentei em qualquer lugar. Os primeiros quarenta e cinco minutos do filme descreviam a rotina de um jovem e feliz casal, e lá pelas tantas, quando aquilo já estava ficando tedioso, a mulher conhece outro homem e, não satisfeita em ir apenas uma vez para a cama com ele, fez disso um hábito, transformando-o num tórrido romance. O marido, por sua vez, não fez diferente, desconhecendo os malfeitos da esposa, começa também a ter um caso extraconjugal, no entanto, como ele andava meio confuso, foi parar nos braços de outro de seu gênero, porque ele queria experimentar esta coisa diferente de que tanto falam. A partir daquele ponto do filme, a estória, que parecia um daqueles patéticos casos de duplo adultério, adquire contornos bizarros, quando a esposa descobre que seu querido marido a estava traindo justamente com o seu amante. Para complicar mais ainda o imbróglio, a mulher aparece grávida e como se isto não fosse o bastante, era de gêmeos e, neste momento, a trama insinua que talvez cada criança pertencesse a um pai diferente, o que dificilmente saberemos por que este era um daqueles filmes europeus que não tem fim. Para quem ficou curioso por saber em que pé ficou o triangulo amoroso, digo que o amante ficou prestando assistência à esposa e ao marido concomitantemente, seguindo ao pé da letra aquele preceito bíblico que diz que marido e mulher devem compartilhar de tudo na alegria e na tristeza. E esta é uma das desventuras de se ir num filme sem ler a sinopse previamente.

Esta inverossímil estória me fez lembrar de outra que certa vez me contaram. Uma jovem moça tinha a satisfação de “sair” com dois belos rapazes sem que um soubesse da existência do outro. Tudo ia muito bem até que certo dia ela engravidou. E como naqueles áureos tempos paternidade era mais uma presunção que uma informação científica confiável, a moça resolveu comunicar o fato aos dois rapazes, dando-lhes a palavra que um deles era o pai embora não soubesse precisar qual dos dois. Foi nesta oportunidade, também, que ambos foram apresentados, e como eles eram dois homens de boa índole e bom senso, não faltaram com solidariedade à moça e se comprometeram a dar toda a assistência a ela e à criança, inclusive até a sua idade adulta

De fato eles cumpriram o prometido. Durante toda a gravidez, não deixaram que nada faltasse à gestante. No mês previsto para a criança desembarcar no mundo, um deles precisou viajar a trabalho ficando fora algumas poucas semanas, até que certo dia este recebeu um telegrama que informava suscintamente: “Lívia deu a luz. Nasceram gêmeos. O meu, infelizmente, morreu. Parabéns!

Rio Vermelho, 15 de dezembro de 2011.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Que azar danado.

Já escrevi aqui sobre minhas caminhadas na orla do Rio Vermelho nos finais de tarde, mas não devo ter contado que, na verdade, estou treinando para as olimpíadas, pois vou competir na modalidade “devagar se vai ao longe”. Este exercício tem me feito muito bem, embora eu não saiba precisar exatamente em quê. Mas depois que o verão começou para valer derretendo-nos feito picolé, tenho saído de casa só depois que o sol se põe por completo porque uma brisa suave e fresca começa a soprar na orla tornando a atividade de caminhar num exercício agradável e revigorante.

No domingo passado, fui dar minha caminhada no início da noite, mesmo sabendo que as ruas estavam desertas àquela hora, o que não deixava de ser uma imprudência minha, pois Salvador, nesta época do ano, está entregue aos bandidos, movidos pelo espírito natalino. Estas festas de fim de ano realmente movimentam a economia em todos os setores e por isso não é de surpreender o aumento da ação dos criminosos que não querem ficar à margem dos acontecimentos. Pois lá ia eu, tranquilamente em minha caminhada, gozando da brisa do mar e absorto em meus pensamentos quando um negão surgiu armado à minha frente e me mandou passar tudo que eu tinha e que não era quase nada, pois não carrego coisa alguma comigo além das chaves de casa. Insatisfeito com a minha penúria, levou-me o único bem de valor que achou, um velho relógio de pulso comprado num camelô no centro da cidade e que me custou, depois de barganhar o preço, exatos oito Reais. Não estivesse ele visivelmente apressado, pois tinha em mente outras vítimas mais abonadas, poderia ter levado meu par de tênis que era de grife e me custara os olhos da cara. Depois de ter praticado o “malfeito”, o bandido se foi correndo para os lados da praia e sumindo no breu dos rochedos que dá acesso para uma favela nas proximidades e onde provavelmente ele fixara residência. E eu segui o meu caminho, continuando o meu exercício mesmo assim, pois a probabilidade de eu ser assaltado aquela noite já se concretizara e só por muito azar mesmo isso aconteceria duas vezes seguidas em pouco espaço de tempo. Preferi esquecer aquele incidente desagradável e deixá-lo para trás, pois o que estava feito, já estava feito.

Quis o destino que naquela mesma noite, mais tarde, eu fosse ao Cinema do Museu, que se gaba de ter uma clientela diferenciada e educada. Educada uma ova, pois durante o filme alguns representantes dessa elite aproveitavam para conversar entre si, fazer ligações ou recebê-las como se todos na plateia fossem obrigados a aturar a sua completa falta de educação. Agora que desabafei, continuo minha narrativa dizendo que depois do filme voltei para casa e no caminho dei uma parada no Porto da Barra para tomar uma água de coco gelada porque o calor estava de matar. Enquanto me refrescava com a salutar bebia, encostei-me à balaustrada observando na praia lá embaixo um grupo animado que fazia um luau, alguns casais namorando deitados na areia e alguns gatos pingados aventurado-se a cair na água que estava serena e presumivelmente tépida. Enquanto eu me deleitava com aquele cenário, um rapaz se aproximou de mim para me abordar e como o seu rosto me fosse familiar, estendi-lhe a mão para cumprimentá-lo. Ele apertou minha mão e, para minha surpresa, pediu-me dinheiro e, como lhe neguei, pediu-me um cigarro e, como eu não tinha nenhum porque não fumo, ele foi-se embora. Enquanto ele se distanciava eu tentava puxar pela memória de onde eu o conhecia até que tive um sobressalto ao lembrar que ele era o cara que me assaltara algumas horas antes!

Rio Vermelho, 11 de dezembro de 2011.