segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mas como é ridículo o amor... alheio!

“Como é ridículo o amor... alheio!” versificou Quintana numa espirituosa poesia ao amor. Assim como o amor é cego, não raro, também, falta-lhe o devido juízo que nos poupe de fazer papel de tolos. Realmente, quando estamos apaixonados, somos capazes de proezas que desafiam a nossa autocritica e senso de ridículo. Mas, ainda assim, pouco importa se fazemos papel de tolo ou não, o que importa é que temos para quem faze-lo.

Nem bem a internet veio ao mundo e ela logo se tornou numa daquelas novidades que todos querem experimentar, eu mesmo embarquei logo nela. E como muita pouca gente sabia para que servia e as ofertas de entretenimento, também, ainda eram escassas, o povo, então, descobriu nas salas-de-bate-papo o modo de se divertir fazendo novos e virtuais amigos mundo afora. Pois, foi nesta época que JR, um pequeno empresário de Maceió, adquiriu o seu primeiro computador, para conectar-se logo à rede e descobrir aquela incomum forma de fazer amizades com o nariz colado na telinha, pelas madrugadas a fora. Foi numa dessas sessões noturnas que ele conheceu a “Gatinha_da_serra”, codinome para LRJ, uma agente de viagens numa pequena agencia de passagens em Petrópolis. Ele próprio tinha o seu apelido que era Gato_escaldado_baiano, apesar de ele viver um pouco mais ao norte, que codinomes agente inventa do jeito que quiser, não é lavrado em cartório e nem precisa ser batizado.

Não era que quase toda noite, lá estava ele, o Gato_escaldado_baiano, teclando animadamente nas salas-de-bate-papo e, quando a Gatinha_da_serra aparecia e vinha conversar com ele, era como se o mundo ganhasse novas cores bonitas. Era um sentimento de alegria juvenil que ele não sabia expressar, ficar assim tão feliz feito um colegial por uma mulher que ele sabia só existir em forma de letrinhas na tela de seu computador. E, como era de se esperar, tais encontros virtuais tornaram-se obrigatórios e não havia um dia que eles não conversassem noite adentro pela boca da madrugada. Feito menino, JR ficava ansioso ao longo do dia esperando a hora do relógio bater meia-noite para ligar o seu computador para encontrar a Gatinha_da_serra na sala-de-bate-papo, sentimento igualmente compartilhado por ela em igual grandeza. Assunto, era o que parecia que não lhes faltava e quando não havia um, se inventava. É bom lembrar que naquele tempo só existia a conexão discada, que ocupava a linha telefônica enquanto se estava conectado na internet e só depois da meia noite é que era quase de graça, uma inconveniência danada. E foi assim que começou uma estória de amor entre um homem e uma mulher, dois desconhecidos, que navegavam pela internet perdidos na noite. O amor tem dessas coisas que eu considero sobrenatural, como podem pessoas que nem nunca se viram cair de paixão uma pela outra?

A vontade de se conhecerem pessoalmente foi um sonho que se tornou realidade. A força do o amor é capaz de tudo, inclusive colocar um homem para viajar 36 horas de ônibus até o Rio, que JR se pelava de medo de entrar em avião. Pois foi isso que o nosso herói fez, mas como eles se reconheceriam sem nunca terem se visto antes? Para tanto, LRJ teve uma luminosa ideia, embora não muito ortodoxa, que ela era uma mulher muito romântica e brincalhona, por isso, queria que este primeiro encontro fosse o mais romântico que alguém pudesse ter e fora do comum. Embora relutante, JR aquiesceu ao pequeno capricho da amada, como testemunharão adiante.

Nosso rapaz se enfiou num ônibus e rumou na jornada ao encontro da amada pela estrada afora, contando cada minuto que se passava até chegar ao seu destino que parecia estar do outro lado do mundo, enquanto assistia, pouco interessado, a paisagem se revelar através da janela ao seu lado. Ela, por sua vez, nos dias que antecederam à sua chegada, não falava em outra coisa com as amigas e na loja de passagens onde trabalhava, até os clientes já estavam casados de ouvir a estória de como se conheceram pela internet e que ele estava a caminho para encontra-la finalmente. E só demorou um dia e meio para que ele chegasse na rodoviária do Rio e embarcasse em outro ônibus para Petrópolis na sequencia. Chovia muito naquela tarde, uma neblina espessa cobria as serras no caminho para a Cidade Imperial como um imenso manto de vapor frio transformando o dia numa noite fora de hora. O ônibus serpenteava a estrada abrindo caminho com os seus potentes faróis. JR não via mais a hora de chegar.

Ao desembarcar em Petrópolis, chovia aos cântaros, mas isto não intimidou JR que foi parar direto na agência de passagens onde LRJ ainda trabalhava àquela hora do final do dia e como era de se imaginar ele chegou lá feito um gato molhado carregando sua bagagem. Ao entrar na loja, ninguém prestou muita atenção nele que ficou lá parado de costas para a porta esperando ser recebido. E como ninguém lhe deu atenção, ele então soltou um tímido miado. Isto mesmo, um miau pouco convincente... mas nada aconteceu como esperado! Ainda assim, ninguém lhe prestou atenção, por isso miou novamente e um pouco mais alto soando como uma pergunta, miau? Foi então que algumas pessoas se voltaram para a porta de entrada e notaram aquela figura de um homem de meia idade, forte e alto, com roupas encharcadas da chuva, parado lá de pé carregando uma sacola pesada e miando! Ah, o namorado virtual chegou, pensaram, mas porque ele estaria miando? Neste instante, LJR viu seu homem pela primeira vez e finalmente percebeu como era ridícula aquela cena daquele homenzarrão ali de pé diante de todos miando feito um palerma. Ela mesmo quis se esconder de vergonha pois jamais imaginara que ele fosse pagar aquele mico ainda que fosse sua ideia. E como ela ficara muda, JR, então, largou a sacola no chão, encheu os pulmões e, em seguida, soltou um vigoroso e alto miauuuu! Estou aqui oras, cadê você, minha gata. E, detrás de uma tela de computador, de onde se escondia LJR, ouviu-se um tímido e agudo miau, ao que foi correspondido com outro miau de JR, miau! LJR soltou outro miau, desta vez mais animada ao que JR miou de novo feliz. Miiiau! Ambos caminharam até o meio da sala, um estudando a fisionomia do outro e gostando do que viam e ao parem um diante do outro, se abraçaram amorosamente sob os aplausos da plateia encantada!

Rua Paissandu, 24 de março de 2011.

domingo, 17 de abril de 2011

O bom senso pode estar à sua frente.

O presente texto passou pelo tempo de gaveta. Explico: depois de escrito, é de boa prática literária deixar o texto passar por um breve período de maturação numa gaveta, assim como se faz com o vinho, envelhecido no barril de carvalho. Depois, é retirá-lo e revisá-lo, dando a sua forma final, tendo as ideias do autor curtidas e amadurecidas. Este é um bom método para quem escreve e, se você aí me lendo, costuma escrever e tiver uma gaveta velha em casa, sugiro fazer a experiência!

Eu contava que tinha voltado à Cidade Maravilhosa. No mesmo dia em que aportei no Rio, fui almoçar na rotisseria árabe do Largo do Machado, que minha doce amiga Daniela, uma paulista de berço e carioca por vocação, também é uma habitué. Eu já falei antes das qualidades gastronômicas do lugar em outra crônica, por isso mesmo, me eximirei de repeti-las, apesar de que o lugar merece mesmo. Eu não sentia tanta fome assim, pois eu tivera um farto e rico café da manhã de batas fritas, amendoins, biscoitos e suco de laranja em caixa durante o vôo para o Rio, mas, por hábito, fui fazer minha refeição do meio dia, para não precisar fazê-la mais tarde.

Este é um daqueles lugares de se comer de pé encostado no balcão de vidro, aquecendo a barriga no calor que emana dos quitutes mornos expostos do lado de dentro ou em estreitas mesas de pernas altas desprovidas de cadeiras, inventadas tão somente para o propósito de o cidadão não esquentar assento. É pedir, comer e ir embora. Eu gosto de comer no balcão porque é uma feliz oportunidade para incitar conversa com a pessoa ao lado, porque me dá prazer em conversar com estranhos que, não são mais tão estranhos assim depois de alguns minutos de conversa fiada. Eu faço assim no Rio porque o carioca é um tipo de pessoa aberta a tais intromissões. Alguns de vocês aí me lendo me conheceram nestas circunstancias e sabem do que estou falando. E se eu não fizer assim, de onde mais vou tirar material para minha lavra? Certa vez, para a minha surpresa, uma bela moça me confidenciou, entre uma mordida e outra num quibe, que estava de jejum de sexo há mais de um ano, o que me fez supor que ela pretendia terminar ali aquela sofrida dieta. No entanto, naquele dia ensolarado, resolvi fazer diferente, e fui comer sentado.

Existe, nos fundos do lugar, um conjunto de 12 pequenas mesas com cadeiras dispostas em três fileiras onde poucas pessoas se dão ao trabalho de sentar e fazer o pedido, e foi para lá que eu fui. Acomodei-me na ultima mesa, numa cadeira que me dava uma ampla visão do salão que, àquela hora do dia, já fervilhava de comensais que se entupiam de quibes, esfirras, caftas e outras delicias. É comum pessoas estranhas compartilharem a mesma mesa neste tipo de restaurante, o que atesta a forma cosmopolita de ser do carioca. À minha frente havia uma mesa ocupada por duas moças sentadas uma de frente para outra e, pela completa ausência de comunicação entre ambas, deduzi que elas não se conheciam e nem estavam afim de papo. Vestiam roupas elegantes e sóbrias de escritório e tinham o olhar distante e perdido. Mas não deixei de perceber que a moça que estava sentada de costas para mim, pagou a conta e foi-se embora rapidamente, deixando em seu lugar uma cafta em perfeitas condições e mais de meia porção de arroz com lentinhas com rodelas de cebolas douradas por cima e que ainda exalavam fumaça e um adocicado perfume. Achei aquilo um desperdício, uma falta de consciência. Onde já se viu jogar comida fora quando existe tanta gente no mundo passando fome? Me incomodou ver aquele monte de boa comida largada ali para acabar no lixo, ou, na melhor das hipóteses, ser reciclada para ir parar no prato de outro freguês desavisado. Eu não conseguia aceitar aquilo e me veio logo a ideia ir até aquela mesa e confiscar as sobras! No entanto, o pudor me reprimia de agir. Fui dominado pela vergonha de tomar uma atitude aparentemente insólita, mas que eu a considerava ser a mais sensata. O caro leitor deve estar me reprovando por esta insensatez, pois, onde já se viu uma pessoa de recursos e em perfeito estado de juízo se apoderar da sobra alheia num restaurante? Para mim, no entanto, aquilo era uma questão de justiça, ou uma atitude ecologicamente correta, para aqueles que veem ecologia em tudo. Fiquei ruminando aquela vontade e me controlando para eu não ter um comportamento que por certo seria condenável aos olhos dos outros fregueses do árabe. Será que a minha atitude seria tão ruim assim? Eu poderia justificar a todos que eu tinha um peixe dourado em meu aquário que este era louco por comida árabe, especialmente de caftas com arroz com lentilhas e que tudo iria para ele. Isto, sim, me parecia ser uma explicação razoável. Mas para meu desapontamento, enquanto eu me perdia naquelas hesitações, o garçom veio e pelo que eu presumi ter sido um pedido da moça que ficara, pois não tenho ouvidos de tuberculoso para ouvir o que lhe dizia, o garçom recolheu toda a sobra que a outra moça desnaturada largara para trás. Tudo iria parar no lixo, lamentei. Voltei-me, desconsolado, para o meu prato e comecei a comer o meu pedido que o meu garçom acabara de por à minha frente, duas esfirras, uma de ricota com espinafre e outra de carne, acompanhadas de um espesso suco de manga. Nem se passaram cinco minutos e eis que o garçom que atendia a mesa da frente voltou diligentemente trazendo consigo uma quentinha que entregou à moça que ficara e que provavelmente continha as sobras de comida da outra que fora se embora e que eu tanto hesitara em me apoderar! Estava claro que minha ideia não era um absurdo tanto assim, foi apenas a minha educação pequena burguesa que falara mais forte pois, alguém tomara a minha dianteira e agira sem nenhum constrangimento.

Rua Paissandu, 21 de março de 2011.

sábado, 9 de abril de 2011

Sobre a verdade e a mentira ou de como consegui espantar a preguiça.

É verdade que andei meio sumido. Foi por conta de uma preguiça renitente, feito uma gripe mal curada, e de um notebook novinho em folha que teimava em não trabalhar. Está claro que eu e a geringonça compartilhamos de algo em comum, mas as semelhanças terminam por aí. O notebook foi e voltou para a UTI e continuará por lá até que eu volte de viagem, e a preguiça, esta não desencarna nem com creolina, mas devo fazer-lhe justiça, pois sem o ócio não haveria a criatividade. Neste meio tempo, voltei ao Rio que tanto amo e, ainda no aeroporto de Salvador, fui lembrado de que estava na “Terra da Felicidade” ao ir ao banheiro do aeroporto internacional e constatar que o do terminal rodoviário é bem mais limpo. Seja lá quem esteja fazendo uso da formidável grana de manutenção e administração do aeroporto, espero que esteja aproveitando bastante porque, certamente, na sua limpeza é que não está.
O meu vôo estava programado para partir às 4:15 da matina, por precaução, cheguei duas horas antes. Eu prefiro viajar a esta hora porque o espaço aéreo ainda não está congestionado, pois, se há uma coisa que me causa aflição, é um engarrafamento lá em cima. Fui diretamente ao balcão da companhia aérea deixar minha bagagem, sendo atendido por uma sorridente e bem humorada funcionária que, ao marcar o meu assento, sugeri-lhe que me acomodasse ao lado de uma moça bonita e bem comportada. Terminada a formalidade, dirigi-me à loja de livros e revistas para pegar uma leitura que me ajudasse a passar o tempo e, qual não foi a minha surpresa ao dar de cara com a loja fechada. É uma satisfação saber que os negócios vão indo tão bem que o dono da loja se dá ao luxo de não abrir o seu comércio de madrugada, deixando a sua clientela a ver navios – ou aviões, se preferir. Provavelmente este cidadão nunca esteve no aeroporto de madrugada e, por isso, desconhece que o lugar funciona também neste horário, com voos que chegam e se vão a toda hora.
Aborrecido, eu aguardava sentado pela hora do meu vôo próximo ao portão de embarque, quando fui surpreendido pela chegada de uma moça que chamava a atenção pelos seus predicados físicos, e que não eram poucos. Ela era uma dessas morenas altas e voluptuosas que provocam em nós homens fantasias inconfessáveis. O corpo era aquela perfeição escultural bonita de se olhar e que enchem os olhos e dá água na boca, moldado por algum cirurgião plástico, exímio na arte do silicone e do botox. Seus peitos eram duas delícias duras que apontavam para o céu louvando o Criador e pareciam querer se libertar do sutiã minúsculo pulando para fora. Fixei meu olhar no seu belo rosto de pele limpa e fresca e fiquei consternado quando este assumiu, subitamente, uma expressão de preocupação e dúvida ao olhar em volta procurando por um assento, o que, felizmente, havia em demasia. Terminou sentando-se logo à minha frente, para minha satisfação. Em seguida, enfiou a mão numa dessas bolsas que as mulheres carregam hoje em dia e que de tão enormes parecem caber um corpo inteiro dentro e, de lá, tirou um livro de capa verde e entregou-se à leitura esquecendo-se de nós mortais à sua volta. Notei que outros homens tinham o mesmo olhar de peixe morto sobre ela. Invejei-a pela precaução de trazer de casa a própria leitura. Fiquei imaginando qual seria o seu gosto literário, talvez aquele fosse um livro de auto-ajuda ou algum romance psicografado. Ou quem sabe a biografia de alguma celebridade do show business ou um livro de romance vampiresco, tão populares hoje em dia. Poderia ser, também, um manual de como se comportar em vôos econômicos que partem de madrugada. Definitivamente aquele não seria um livro de culinária pois, para mim, estava claro que o seu interesse não parecia estar nas panelas. E, naquele jogo de adivinhações, ocupei meu tempo naquela noite modorrenta cujo silencio do saguão do aeroporto era quebrado com os ocasionais avisos de chegadas e partidas de vôos para terras longínquas, por uma voz feminina grave e imperturbável.
Quando, finalmente, veio a hora do meu voo, corri para o início da fila mesmo tendo meu lugar guardado, que eu não sou afeito a filas de qualquer tipo, embora eu reconheça que elas sejam ótimas situações para conhecer pessoas, jogar conversa fora e falar mal do governo. Quando, finalmente, entrei na aeronave me sentei confortavelmente em meu acento e logo apertei os cintos, para o caso de o comandante decidisse zarpar imediatamente. Para minha grata surpresa, no entanto, aquela criatura esplêndida e feminina da sala de espera apareceu no corredor da nave e veio em minha direção assumindo o assento logo ao meu lado. Fiquei grato à companhia aérea por esta cortesia. Sorri para ela e ela sorriu de volta, sem termos muito o que dizer um ao outro, mas um sorriso sempre já é um bom começo. Mas é claro que não demorou muito para começarmos uma conversinha despretensiosa sobre coisa alguma e em pouco tempo eu ainda não sabia a sua graça, mas já tinha notícia de que ela fora passar o carnaval em Salvador e se acabara de pular e beijar bocas e já planejava voltar no ano que vem, residia em São Paulo e que era uma dançarina numa casa noturna cuja principal clientela era masculina, o que não me deixou dúvida sobre que tipo exatamente de dança ela fazia. Logo me veio à mente a imagem de sua deliciosa figura em cima do palco, metida em um minúsculo biquíni de tecido brilhante e ordinário fazendo contorcionismos e voltas mirabolantes de corar as cadeiras da boate, com aquele corpo de tirar o fôlego da plateia e levantar defunto, sob os aplausos e assovios de um monte de marmanjos no cio. Como não poderia deixar de ser, perguntei-lhe se lhe agradava a leitura, ao que ela respondeu que amava, que não podia passar sem um livro, lia sempre que podia até mesmo de pé no trem do metrô. Mais uma vez a minha imaginação foi povoada por imagens de seu esplendido corpo se rebolando no palco e, ao mesmo tempo, entretida na leitura de um livrinho. E o que a senhorita anda lendo ultimamente, queria saber se eu adivinhara o seu tipo de leitura lá no meu joguinho na espera. Estou lendo Nietzsche, um ensaio “Sobre a Verdade e a Mentira”. O disse com tanta espontaneidade e propriedade que me causou a impressão de que ela imaginasse estar conversando com algum estudioso do filósofo. Eram os óculos Armani, eles me fazem parecer um doutor em alguma coisa, certa vez justificou-se uma moça ao me rejeitar, sério e intelectual demais. Por um instante duvidei das palavras da dançarina, me veio aquele julgamento preconceituoso “mas uma striper lendo Nietzsche? Não creio.”, mas logo em seguida recobrei o meu bom senso.
A dançarina de boate masculina sentadinha ao meu lado me faz ter por ela o mesmo julgamento equivocado a que já fui submetido certa vez. Desde quando a uma striper é vetada leituras sofisticadas? E quem foi que disse que os intelectuais são pessoas sisudas e geralmente com problemas oculares? Infelizmente vivemos num mundo de estereótipos e clichês como numa imensa novela do horário nobre e, por mais que eu tente, nunca consigo mudar de canal. O importante neste episódio é que tomei coragem, espantei a preguiça e dias depois voltei a escrever, mas sem a pretensão de ter a sabedoria de Nietzsche, certamente.

Rua Paissandu, 18 de março de 2011.