quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O Presente de Aniversário

A moça estava feliz porque era uma linda manhã e porque era bom estar naquele estado de contentamento. Ela sentia que era possível que as coisas dessem certo apenas com um sorriso sincero e pensamentos positivos, era como se todo o universo conspirasse a seu favor. No entanto, era mais provável que o real motivo de tanta felicidade fosse o fato de ela estar apaixonada e na noite anterior o namorado a ter levado para comemorarem juntos o dia do seu aniversário. Ele a levou para jantar num restaurante chique e a presenteou com um smartphone caro, seguido de uma noite maravilhosa num hotel cinco estrelas. Naquela manhã ensolarada, ela acordou mais tarde, como era de se esperar, e foi para a faculdade tentar assistir a última aula. Durante a viagem de ônibus, ela ainda enviou uma mensagem de texto para o namorado de seu novo smartphone para lhe agradecer pela noite inesquecível e pelo presente de aniversário.

Ao começar a aula, ela percebeu que tinha sido bobagem ter ido à faculdade, porque os seus pensamentos estavam longe, nos acontecimentos da noite anterior e o seu corpo ainda continuava embriagado pelo estado de languidez que o namorado tinha deixado e que a impedia de se concentrar na aula. Cada detalhe da noite anterior se repetia em sua mente como num filme, o jantar delicioso, o vinho excelente, o presente embrulhado num papel fino com um laço cor de rosa, acompanhado de um cartão no qual ele escreveu uma poesia para ela, o resto da noite fazendo amor. Ela estava convencida de que o seu namorado era um homem maravilhoso e ela estava a cada dia mais louca por ele.

Mesmo não conseguindo prestar atenção à aula, ela ficou até o fim, perdida em recordações e, em seguida, voltou para casa planejando dormir o resto da tarde. Caminhou até o ponto de ônibus debaixo do sol abrasador, mas nem se importou porque tudo estava maravilhoso para ela. Uma pequena aglomeração de pessoas que aguardava no ponto tentava se proteger dos raios solares buscando sombra debaixo do abrigo e ela tentou arranjar um cantinho entre elas. Ela sentiu vontade de dizer mais uma vez ao namorado que o amava e resolveu enviar-lhe outra mensagem. Enquanto digitava aquele texto, um rapaz aproximou-se e pediu as horas. Ela teve a impressão de reconhecê-lo, talvez da faculdade, e sorriu para ele amistosamente, depois buscou na tela do aparelho pelas horas. E antes de ela lhe responder, ele encostou um objeto contundente entre suas costelas que lhe provocou dor e ordenou que lhe entregasse o aparelho sem fazer alarde.

Ela teve um sobressalto e conteve o gemido. Apenas deixou que o rapaz tirasse de sua mão o aparelho, pois o seu estado de choque a tinha desprovido de reação. Em seguida, ele sumiu na multidão do mesmo modo inesperado com que surgiu, e ela ficou ali, de pé, com as pernas trêmulas.
Quando o ônibus veio finalmente, o que lhe pareceu durar uma eternidade, ela correu na frente de todos e foi a primeira a entrar na condução. Seu coração ainda palpitava e ela soluçava sufocando o choro. Um senhor que estava de pé logo atrás enquanto ela pagava a passagem, percebendo o seu mal-estar perguntou se ela estava passando bem. Ao que ela respondeu que tinha acabado de ser assaltada no ponto do ônibus – em plana luz do dia e em meio à multidão. Foi quando não contendo as lágrimas, ela desabou a chorar convulsivamente. Levaram o celular que meu namorado me deu, ela disse atraindo olhares de simpatia e consternação. Alguém se levantou e ofereceu-lhe o lugar e ela sentou ainda um pouco trêmula. Em seguida, cobriu o rosto com as mãos escondendo o sofrimento e abafando o choro. Passados alguns instantes, depois de se controlar, levantou a cabeça olhando para o vazio com um olhar de desilusão e derrota.


Rio Vermelho, 24 de janeiro de 2016

sábado, 9 de janeiro de 2016

Uma Indireta

Era a hora do almoço. E a moça, pedindo licença educadamente, sentou-se à mesa trazendo uma bandeja. O restaurante comercial ainda estava vazio, por isso ela bem poderia ter escolhido qualquer uma das mesas desocupadas disponíveis, mas ela preferiu justamente aquela em que também sentava-se um belo rapaz. Este estava tão entretido com a sua comida que mal percebeu quando ela sentou-se na cadeira à sua frente.

Com uma mão, ela brincava com a comida com a ajuda do garfo e com a outra conversava ao aparelho celular. “Acho que não vou a lugar algum, – ela dizia com uma expressão de desapontamento. – não tenho companhia para ir, eu simplesmente não tenho com quem ir. Eu queria tanto ir ao show na Praça Cairú, mas não consigo encontrar nenhuma companhia. ...Nãooo, não querida, eu não consegui encontrar um homem para ir comigo, todos viajaram este final de ano.”

Conversas ao celular em locais públicos são como se confessar ao padre em transmissão em cadeia nacional, deveria ser um momento privado, mas todo mundo participa quer queira ou não. E pelo tom de voz da moça, ela parecia não ter a menor intenção de fazer daquele seu infortúnio um segredo guardado a sete chaves. O rapaz não pôde deixar de ouvir aquela história e deu uma olhada na moça pelo canto do olho, rápida o bastante para não ser percebida. A moça repetiu mais uma vez que não tinha companhia masculina para a virada do ano e lamentava ter de ficar em casa sozinha.

— Mas que coisa, – disse o rapaz ao perceber que a conversa terminou. — uma mulher tão bonita como você, da sua qualidade, deveria era estar esnobando convites.

— Pois, é. – ela disse fazendo ares de vítima.

— Se eu não fosse um homem casado e fiel à minha mulher, eu ia passar esta virada do ano com você e a gente ia se divertir muito!

— Nossa, fiquei até curiosa. – ela disse com um brilho de esperança nos olhos.

Mas o rapaz se levantou da mesa, pois já tinha terminado de comer. Desejou boa sorte à moça com um sorriso encorajador que a fez se derreter e foi embora. Ela, entretanto, não esmoreceu, estava decidida a virar o ano nos braços de um homem, qualquer um que valesse a pena. A sorte parecia que estava ao seu lado, entretanto. Mal o rapaz foi embora, outro ocupou o seu lugar cumprimentando-a educadamente.

A moça, que não desgrudava do aparelho celular, conversava novamente. “Acho que não vou a lugar algum, – ela dizia com uma expressão de desapontamento. – não tenho companhia para ir, eu simplesmente não tenho com quem ir. Eu queria tanto ir ao show na Praça Cairú, mas não consigo encontrar nenhuma companhia. ...Nãooo, não querida, eu não consegui encontrar um homem para ir comigo, todos viajaram este final de ano.”

O rapaz à sua frente tirou os olhos de seu prato e observou atentamente aquela bela moça que parecia largada no mundo. Ouviu cada palavra daquela conversa e, ao final, ele se dirigiu a ela:

— Sabe, eu trabalho na assistência técnica da marca deste seu celular e nunca tinha visto antes alguém conseguir conversar com o aparelho desligado. – ele disse com um sorriso maroto que pegou a moça de surpresa. – Mas eu aceito o seu convite para passarmos a virada de ano juntos!


Rio Vermelho, 6 de janeiro de 2016.




sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O Desejo de Ano Novo

Carmela tinha um importante compromisso no final daquela tarde e isto explicava a sua inquietação à medida que a hora se aproximava. Depois do trabalho, ela tinha uma hora marcada com mãe Joelma, cujas habilidades para ler os búzios, as cartas e o tarô, tirar mau-olhado, trazer a pessoa amada, trazer fortuna, resolver brigas de família ou no trabalho e muitas outras maravilhas eram anunciadas pelos postes e muros do bairro. Como fazia sempre às vésperas do ano novo, a caixa da Farmácia Pague-Bem queria ouvir da mãe-de-santo o que o futuro lhe reservava.

Mãe Joelma, que tinha uma memória de elefante, não apenas lembrava-se de Carmela, como também do futuro que lhe enxergara no ano anterior. Por isso, ela tinha sempre o cuidado de não repetir a mesma “visão” ao mesmo cliente. Assim sendo, quando a caixa sentou-se à sua frente com ares de quem aguardava boas notícias, apesar das manchetes dos jornais pintarem uma visão sombria do novo ano que batia à porta, ela já tinha uma ideia do que lhe diria.

No ano anterior, Joelma previu que Carmela ia ter muita saúde e que ela ia conhecer o homem de seus sonhos. De fato, tirando a dengue que pegou e a bursite que apareceu no braço esquerdo, no item saúde, tudo foi perfeito em 2015. Quanto ao homem de seus sonhos, há três anos que ela sonhava com ele, mas este nunca se materializava em carne e osso. O único espécimen do sexo oposto que lhe causou – e ainda lhe causava – alguma emoção naquele ano foi um assaltante que, ao  lhe apontar a arma, levou-lhe o caríssimo smartphone. Todo santo mês, quando pagava mais uma prestação do aparelho que nem mais era seu, não tinha jeito, lembrava-se do miserável com fúria no coração.

Naquele dia, Joelma foi mais cautelosa, disse à moça que ela continuaria trabalhando na farmácia, apesar do crescente aumento do desemprego no país e que ela dedicaria aquele ano para o seu crescimento interior. Não falou de homem dos sonhos algum desta vez, no entanto. Carmela ficou desapontada com aquela predição, ficaria mais contente em conhecer o homem de seus sonhos e dispensava de bom grado o crescimento interior. Pagou pela consulta e foi-se embora.

Antes de ir para casa, Carmela foi ao Shopping comprar um pijama, não que ela realmente precisasse de um. O motivo daquela despesa desnecessária era por uma razão maior: iria tentar uma simpatia que uma amiga lhe ensinara. Se dormisse todas as noites, a partir do primeiro dia do ano, com um pijama masculino, era garantido que arranjasse logo um homem.

Talvez o destino quisesse pregar uma pequena peça em Carmela ao conduzi-la para a única loja onde havia pijamas masculinos, mas que, para sua surpresa, só havia uma única peça disponível na prateleira. No instante em que ela pôs a mão no artigo, uma outra fez o mesmo rapidamente. Eu vi primeiro, o belo rapaz protestou. Eu só vou querer a parte de cima, ela disse. E eu só a de baixo, ele falou num tom de quem fechava um acordo pacificador. Bem, quem já viu filme assim, é capaz de imaginar o desfecho desta história.

Mal o ano começara e o sonho de Carmela se realizava graças a um pijama com o qual dividia com o homem de sua vida. E aquela história de crescimento interior que lhe disse mãe Joelma, foi uma “visão” mal interpretada pela mãe de santo ao ler os búzios, o que aconteceu realmente foi que o rapaz faturou Carmela logo de primeira e lhe fez um filho na virada do ano novo, foi este o seu crescimento interior!

Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2016.