quinta-feira, 25 de novembro de 2010

De olho no retrovisor.

Sábado fez um bonito dia de sol primaveril e, no final da tarde, não resistindo àquele clima de chegada de verão, fui na Paciência, aqui perto, dar um mergulho. Era a primeira vez que eu voltava à praia desde que o verão se foi na ultima temporada. O mar estava sereno, formando suaves ondas que iam e vinham combinadas com uma agradável brisa que soprava em minha direção, convidando-me a cair na água. Tirei a camisa que deixei na areia e mergulhei na água de uma só vez, sendo surpreendido pela água deliciosamente fria. Um peixe grande quase se esbarrou em mim e fugiu fazendo zig-zag. Pensei que fosse um tubarão, mas como eu ainda continuava inteiro, presumi que fosse apenas um desses peixes vegetarianos. Fiquei ali na água revigorando minhas energias naquela enseada que me fazia eu me sentir num paraíso, até que a visão do sol se pondo do outro lado da praia me fez sentir em comunhão com a natureza. Havia tempos que não me sentia assim tão largado. Olhei em volta e percebi que não deveria haver mais que meia dúzia de pessoas na praia naquela hora, o que aumentou a minha satisfação.

    Quando o sol se pôs finalmente, peguei minhas coisas e fui-me embora. Havia ainda uma nesga de luz do dia, apesar do sol já ter se escondido. No caminho a pé de volta para casa, passei pela quadra de esportes e vi uma cena que me causou nostalgia dos tempos de criança. Um pai ensinava aos seus dois meninos pequenos a jogar gude. Quando foi a ultima vez que vi alguém jogando gude eu já nem mais me lembrava, mas fiquei surpreso com aquela cena que eu pensava não existir nos tempos de internet e do vídeo game. Fiquei comovido e ao mesmo tempo lisongeado de estar presenciando aquela cena de fortalecimento da relação entre pai e filhos. Era uma cena intima domestica, apesar de estar sendo praticada em espaço publico.

    Aquela cena, tão rara hoje em dia, me fez eu me perguntar aonde foram parar os peões, os ioiôs, as arraias, os carrinhos de rolimã, os carrinhos de carretel, a picula e o esconde-esconde? São brinquedos que meus sobrinhos pequenos nunca ouviram falar, deixados de lado por nossa falta de tradição e pela impossibilidade de, nos dias de hoje, os pais não mais deixarem os filhos brincarem na rua. Eu não sou um cara que vivo de olho no retrovisor, mas houve um tempo em que as crianças de classe média brincavam à vontade na rua, os muros das casas eram baixos e não existiam grades nas janelas. Estas são coisas que eu mais sinto falta do passado e que eu desejaria que um dia voltasse ao presente, e, quando isto acontecer, muito provavelmente virão juntos as bolas de gudes, os peões e tudo mais, pois, estas deixaram o cenário porque hoje em dia as únicas crianças que vemos nas ruas são aquelas que foram abandonadas pelos adultos na rua à própria sorte.

Rio Vermelho, 23 de novembro de 2010.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Atraindo o gosto da freguesia

Feliz o Sr. JR, um próspero comerciante aqui do bairro, um bem sucedido proprietário de uma loja, uma venda de frutas e verduras frescas, e pai de duas belas filhas que lhe ajudam, e como ajudam, no negócio familiar. O Sr. JR, além de ser um homem muito trabalhador é também um fiel seguidor da palavra do Senhor e, por isso, tem no Livro Sagrado os ensinamentos que conduzem a sua vida pelos caminhos da moral e dos bons costumes.

Mas, no início, o seu negócio passou por uma provação. Apesar de todas aquelas suas qualidades morais, carecia ao Sr. JR o refinamento no trato com o público. Não que ele fosse um homem grosseiro, isto ele não era, ao contrário, ele tratava sua clientela com educação, mas é que lhe faltava uma certa simpatia que a seduzisse a voltar ao seu estabelecimento mais vezes. Expressões tão mundanas e civilizadas como "bom dia!" e "obrigado e volte sempre" parecia não fazer parte de seu restrito repertório, que se resumia a informar ao cliente o valor total da compra ou emitir grunhidos em lugar de palavras, só abria a boca para falar quando inquirido. Tanto refinamento assim foi afastando aos poucos sua clientela, que preferia comprar em outra venda não muito longe dali e que, apesar de não oferecer à sua freguesia tanta variedade e qualidade, tinha em seu proprietário toda a dose de simpatia de que necessitavam para tornar o seu dia um lindo dia. E assim, o Sr. JR viu a sua clientela minguar aos poucos sem, no entanto, saber qual o motivo daquela debandada.

Certo dia, o Sr. JR achou por bem chamar as suas duas belas filhas para trabalhar com ele na loja, convencido que estava de que seu revés relacionava-se à falta de ajudantes e não à sua completa falta de polidez a qual ele era incapaz de perceber, obviamente. As moças, que eram estudantes universitárias e levavam o estudo muito a sério, se revezavam na loja, de modo que uma ajudava o pai no período da manhã e a outra pela tarde. Havia, porém, um aspecto sobre um dom nato daquelas moças que chamava atenção. Elas eram duas mulatas deliciosas como manga roubada no quintal do vizinho, dos beiços carnudos e de modos lascivos, sem, no entanto, o pretenderem. Elas atraiam inconscientemente os olhares cobiçosos dos homens com seus formosos corpos que o Criador, generosamente, arranjou para abrigar as suas almas. Aquele seu jeito parecia uma coisa natural de berço, que a sua religião rígida não lhes permitia tais libertinagens. Seus bem talhados corpos eram verdadeira tentação, pois possuíam seios que não eram nem minguados ou fartos, na proporção exata, e que de tão duros como coco seco, espetavam a fina blusa de malha justa dando a impressão que a qualquer instante pulariam para fora. A bunda, esta sim, era um capítulo à parte. Cada banda era do formato de uma melancia, amparadas por um par de coxas roliças como berinjelas e agasalhadas por minúsculos shortinhos de pano fino que pareciam não dar conta de conte-las. Era assim que se vestiam diariamente e despretensiosamente para irem ajudar o querido pai na loja. O pai não aprovava aquele tipo de roupa, que considerava ser indecente, mas não dizia nada, pois, a final, as filhas eram mulheres adultas universitárias e não cabia mais a ele dizer-lhes o que vestir, e nem elas viam nenhum mal naquilo. Aquelas duas presenças divinas na quitanda paterna faziam o jiló ficar açucarado e o alface ser mais que uma folha insípida.

Cedo, a ajuda das filhas provou-se eficaz, não só porque o Sr. JR pôde economizar algum dinheiro ao não contratar ajuda externa, como também as duas filhas se mostraram excelentes em atrair nova freguesia apesar de que, semelhante ao pai, e talvez de forma mais branda, elas estivessem longe de ganhar qualquer concurso de Miss Simpatia. Elas simplesmente não eram de dispensar sorrisos fáceis ou de conversa fiada. Em compensação, seus corpos tentadores e suas indumentárias justíssimas nas carnes e econômicas nos panos, atraiam para dentro do estabelecimento uma clientela assídua de marmanjos que se comprazia em escolher demoradamente molhos de temperos ou meia dúzia de frutas. Mas tal frequência não incomodava as moças, que eram rápidas e se movimentavam de um lado para o outro da loja remexendo aqueles quadris ou se abaixando ou se esticando para pegar mercadorias em prateleiras rentes ao chão ou acima de suas cabeças, oferecendo um espetáculo de encher os olhos de gula, arrancar suspiros e até de levantar defunto! O pai, por sua vez, só tinha os olhos para o movimento do caixa, que se resumia num pequeno saco plástico cheio com notas de dinheiro dobradas e moedas que tirava e metia de volta no bolso conforme a necessidade.

Como o trabalho árduo traz seus bons frutos, não demorou muito até que a clientela voltasse a encher a loja como nos bons tempos de fartura. No entanto, desta vez, esta se compunha desmedidamente de homens; homens de todos os tipos, velhos, jovens, trabalhadores, aposentados bonitos e feios, gordos e magros. Mesmo assim, o Sr. JR estava tão feliz com a melhora dos negócios que não deu importância àquele detalhe. Contudo, satisfeito com o retorno da saúde de sua loja, não demorou muito até que mandasse as filhas de volta para casa, para que se dedicassem aos estudos e, também, porque não as queria se expondo mais àquela corja de homens. Substituiu a ajuda das agradáveis filhas por um funcionário de tempo integral uma vez que já podia pagar por ele. Contratou, portanto, uma moça da mesma idade das filhas e que frequentava a mesma igreja que a sua.

Embora a moça contratada não tivesse os mesmos dotes físicos que as suas filhas, no quesito simpatia, se mostrava mais qualificada que elas e, também, ao contrario das filhas, era mais comedida em sua indumentária de trabalho, indo para o serviço vestindo uma blusa antiquada que lhe cobria quase à altura do pescoço, mas que lhe deixava à mostra os gordos braços. Usava, também, uma saia azul de tecido grosso que chegava até quase ao tornozelo. Seus longos cabelos negros eram presos no alto da cabeça por um coque, lembrando a avó de alguém. De imediato, a clientela sentiu aquela brusca mudança no staff da loja como uma traição. Subitamente, para a marmanjada, comprar frutas, verduras e hortaliças já não era assim mais tão agradável. E, mais uma vez, a clientela foi batendo em retirada. Quando inquirido sobre suas filhas, o comerciante respondia vagamente que elas estavam em casa estudando. Desapontados, os homens não mais voltavam.

Não demorou muito até que a situação da loja voltasse aos tempos de penúria, e para que o Sr. JR percebesse, desapontado, que ao final do dia, o seu saco de dinheiro estava minguado. Isto o fez matutar para encontrar o erro. Coçou a cabeça andando de um lado ao outro da loja e terminou se rendendo aos fatos que preferira nega-los. Chamou suas duas meninas e seus shortinhos mais uma vez para o trabalho e dispensou a recatada ajudante. Agora sim, a loja vai bem, obrigado. Este é um daqueles casos que negam o bom senso e comprovam o pragmatismo nos negócios, ao usar a carne como isca para atrair a freguesia para dentro de uma loja de vegetais, ainda que os prazeres da carne contrariem as Palavras Sagradas. Nunca o Sr. JR nunca imaginara que para vender mais frutas e verduras teria, também, de mostrar um pouco de carne!

Rio Vermelho, 11 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Nunca te vi antes, cara pálida.

Uma dentre as muitas coisas que me intrigam no peculiar comportamento das mulheres, é a súbita perda de memória a que, algumas, são acometidas quando elas se encontram casualmente com um amigo, estando elas acompanhadas de outro homem, obviamente. Aquele amigo, repentinamente tem o seu status rebaixado para a condição de um mero conhecido, que pode até se tornar um completo desconhecido, no caso de o pimpolho ao seu lado for um cara cismado. Isto quando elas não o ignoram completamente. Por que será que isto acontece?, fico matutando. Lembro de já ter visto coisa parecida na minha adolescência, mas será que algumas mulheres adultas continuam sendo ainda tão imaturas como nos tempos de escola?

Na ultima sexta-feira, resolvi dar uma volta pela noite do Rio Vermelho; eu que quase nunca saio de casa à noite, confirmei aquilo que já sabia de antemão: não estou perdendo nada ficando em casa. Imaginem que os passeios, aquelas vias destinadas exclusivamente aos pedestres, estavam ferozmente transformados por automóveis em estacionamento, não nos deixando outra alternativa se não a de fazer malabarismos no meio rua em meio ao interminável congestionamento do bairro, causado por sua fama boemia. Em alguns pontos dos mesmos antiquados passeios, proprietários de bares e restaurantes jogam ali o lixo produzido em seus estabelecimentos. Imagine como devem ser suas cozinhas! Como se não bastasse tal demonstração da civilidade baiana, ruas e largos onde os boêmios se concentram, cheiravam terrivelmente a excremento humano, levando-me à incomoda conclusão de que eles se aliviam ali mesmo onde estão, enquanto conversam animadamente entre amigos. Some-se a isto latas de bebidas, copos descartáveis e restos de comida que encontram o seu lugar cativo no chão em meio ao publico. Isto é aquela qualidade que o baiano tanto se orgulha de possuir e a que chamam de "espontaneidade". Se deu vontade, então porque perder tempo procurando esta coisa tão démodé como um banheiro, se podem fazer ali mesmo enquanto confraternizam? Nada mais pitoresco.

Pois bem, e lá ia eu por uma ruazinha curtindo a agradável brisa de uma noite de outono com o firmamento estrelado e o odor da espontaneidade baiana por todos os lados, quando encontrei com JR. Eu e JR não somos exatamente grandes amigos ou mesmo amigos, destes de sairmos juntos ou de nos telefonarmos para jogar conversa fora. Eu, particularmente, não gastaria nenhum dos meus créditos telefonando para ela — por completa falta de assunto — assim como ela certamente não o faria comigo. Quando muito ela está entre os meus "amigos" do Facebook — e não adianta procurar por lá por uma JR pois não vai encontra-la! Não importa como viemos a trocar palavras pela primeira vez, mas é fato que sempre que nos encontramos nestas raras ocasiões em que faço um périplo pelo bairro, sempre nos cumprimentamos efusivamente com beijos e abraços e toda sorte de conversa fiada tão comum para quem não tem exatamente nada mais para dizer um para o outro. Mas desta vez, no entanto, ela não pareceu lá muito entusiasmada em me ver, nem me chamou de "Cris" como das outras vezes. Foi uma recepção glacial com um seco aperto de mão, daqueles que faz agente pensar que a mão do outro talvez esteja contaminada pelo vírus da hipocrisia e que ela estivesse receosa em passar aquilo para mim. Fiquei intrigado com aquele tratamento, mas logo percebi a presença de um sujeitinho ao seu lado. Já estava explicado, ela estava "acompanhada". E alguma coisa em sua mente equivocada lhe dizia que não deveria falar com "estranhos". Aquela atitude me pareceu cômica, quando é que eu me tornei ameaça para algum outro homem? Logo eu, que a cada ano fico mais careca e barrigudo e quase um invisível para as mulheres? Aquela breve sensação de ser um concorrente para alguém foi uma massagem em minha autoestima mas, no entanto, deixou-me intrigado. O que será que se passa na cabeça de uma mulher numa hora destas?

Eu gostaria que alguém me explicasse mais este comportamento incompreensível entre os sexos. Será que passa pela cabeça da mulher que nós homens vamos justamente aproveitar a oportunidade que ela está acompanhada para saltar em seu pescoço feito um vampiro? Ou que pretendemos revelar ao seu acompanhante algum segredinho de sua vida pregressa, se por acaso soubéssemos de algum? Ou, na pior das hipóteses, — longe de ser o meu caso — que vamos roubar o seu namoradinho? Seja lá o que for, provavelmente uma mulher adulta e segura de si cumprimentaria o seu amigo ou conhecido e até o apresentaria ao seu acompanhante. Sem dúvida, uma demonstração de que ela sabe se relacionar com pessoas e tem muitos conhecidos e amigos. Parece-me que esta é a atitude mais civilizada e evoluída.

Uma querida amiga carioca, no entanto, uma mulher resolvida e sensata, e que guia o seu destino e o de outros pelos astros, disse-me que já viveu situação semelhante, mas que não deixou por menos. Conta ela que quando se batia casualmente com uma certa amiga, e esta estava acompanhada de seu esposo, um sujeito de aparência cansada e olhar enfadonho, ela simplesmente a ignorava! Fingia que não a conhecia, nunca a vira antes em toda a sua vida. Certa vez, conta ela, estava num boteco em Ipanema alegremente com amigos e eis que esta sua amiga veio lhe falar, porque, obviamente o marido tinha sido deixado em casa e por isso ela se sentia segura para falar com "estranhos", ao que ela indagou-lhe mostrando sua indignação: "porque quando você está com o seu marido você não fala comigo? Vê se cresce, garota, pois eu tenho mais o que fazer! Vê se me esquece e não fala mais comigo, tá?" Choquei-me com aquele seu comportamento grosseiro, por saber dela ser uma mulher refinada e educada, apesar de não lhe negar a razão. Ela me explicou: "Quando eu sou boa, eu sou muito boa. Mas quando sou má, sou melhor ainda!"

Rio Vermelho, 4 de novembro de 2010.