terça-feira, 24 de abril de 2012

Desculpas esfarrapadas.

Quem nunca teve a experiência de telefonar para aquele amigo que andava meio sumido e ouvi-lo dizer surpreso, do outro lado da linha, que estava justamente pensando em você e já ia te ligar? Verdade ou não, tais fenômenos de premonição são frequentes no Brasil, embora soem como uma habilidade paranormal, para mim não passam de uma desculpa esfarrapada para simplesmente dizer “esqueci de você”. No lugar de dizermos a verdade, inventamos desculpas para tudo, para desmarcamos um compromisso combinado que não queremos ir, “vou ter de ficar de babá dos meus sobrinhos hoje e por isso não vou poder mais ir”; para o remetente de um e-mail a quem não queremos responder, “não recebi coisa alguma”; pelas nossas falhas, “não foi minha culpa”, enfim, damos desculpas para tudo com a cara mais limpa do mundo!
Nós brasileiros somos mestres em inventar desculpas porque temos dificuldade em assumir os nossos erros. Criamos até entidades para pormos a culpa em nossas mancadas. “O senhor desculpe o meu atraso, mas “a moça” só me avisou nesse instante que a reunião era agora pela manhã.” Estas moças parecem que nunca fazem o serviço direito. “O senhor não repare na bagunça, “o rapaz” da limpeza não veio hoje.” Felizmente não são apenas “as moças” que são incompetentes, sobram para “os rapazes” também! “Eu espero que vocês compreendam, não é culpa minha.” Não é responsabilidade dele e nem de ninguém. Vivam com isto!
É que vivemos numa cultura onde a franqueza é considerada uma indelicadeza e aí mentimos para não ferirmos o sentimento alheio, uma nobre atitude que faz com que os mal-entendidos vão se acumulando, pois não é raro uma desculpa ser inventada para encobrir outra. Ou mentimos para evitarmos conflitos, porque o brasileiro é de natureza afável e pouco afeito a confrontos pessoais. A coisa fica mais evidente quando a dita ligação é uma cobrança daquela grana que foi emprestada ao amigo em apuros financeiros que jurou devolvê-la na semana seguinte e lá já se passaram seis meses! “Velho, ainda bem que você ligou, eu ia te ligar hoje mesmo pra devolver aquela grana!” Alguns amigos são realmente uns caras de pau. Mas aí, na sequência, ele diz, “mas minha mãe passou mal, velho, levei na emergência do Aliança e me custou uma grana preta. Resultado, tive de usar a grana que ia te devolver”. Intrigado com a súbita reencarnação da mãe do amigo o outro indaga: “Mas tua mãe não é falecida?” Quem tem o hábito de mentir, tem uma rapidez de raciocínio extraordinária. “Isso, velho, você não está me entendendo, eu estou falando de minha mãezinha de criação, a que cuidou de mim de verdade.” E quando não se quer perder uma amizade por causa do vil metal, engole-se tudo quanto é tipo de desculpa. Esta mãe de criação já tinha, inclusive, morrido uma outra vez, para livrá-lo do assédio de uma moça insistente. Por que simplesmente não ter dito à dita cuja que ele não estava interessado nela?
Inventar uma boa desculpa dá mais trabalho que dizer a verdade e, também, de ter que enfrentar as consequências. Muitas vezes tais desculpas, embora aparentemente inocentes, podem trazer sérios transtornos profissionais e até incidentes diplomáticos. Acostumado a usar deste expediente aqui no Brasil sem sofrer nenhuma consequência, um diplomata brasileiro servindo em nossa embaixada em Londres, certa vez, recebeu um convite pelo correio para assistir uma palestra que resolveu não comparecer porque considerava uma chatice. Dias depois, ao se encontrar casualmente com o funcionário do governo inglês responsável pela organização do evento, desculpou-se por não ter ido, pois não recebera o convite. Intrigado com o episódio, o cavalheiro inglês fez uma queixa formal aos Correios por este não ter entregado o convite ao diplomata brasileiro, ao que ele foi informado que o convite fora entregue sim, inclusive havia a sua assinatura no comprovante. A consequência pela leviandade foi que o nosso diplomata foi convidado a se retirar da Inglaterra, uma vez que ele tinha posto em dúvida a eficiência dos Correios de Sua Majestade!
Meu amigo J.R. que era mestre em inventar desculpas e se gabar de sua proezas, nos fazia se sentir pequenos às vezes com suas bazófias. Os seus feitos eram sempre os melhores e as suas aquisições eram também as melhores e mais caras. Contudo, um dia casou-se com uma bela e jovem moça de educação tradicional que só se entregaria a ele depois de casados, ela condicionou. Apaixonado por ela e desejando-a fervorosamente, ele se casou com ela no civil e religioso, comemorando o enlace com uma festa de fazer inveja. Na intimidade da alcova na noite de núpcias, no entanto, ele terminou desapontando a jovem esposa e deu a ela foi a maior desculpa!

Rio Vermelho, 24 de abril de 2012.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sobre a amizade ou o curioso caso do médico e a paciente.

A amizade é a forma mais simples e comum de amor. Embora esta simples frase carregue em suas palavras tintas de lugar comum, raramente nos damos ao trabalho de refletir sobre um assunto que nos parece tão familiar. Mas se dedicarmos um tempinho pensando a respeito, concluiremos que a amizade é realmente um caso de amor, e este é tão sincero e transparente que transcende no tempo e no espaço aquele experimentado por um casal de amantes, que a amizade é um caso de amor que nunca morre. É um mistério a razão que une duas pessoas pela amizade, mesmo sendo ambas, às vezes, tão díspares uma da outra. Bem escreveu o genial Quintana, para demonstrar o quão forte e paradoxal podem ser os laços de uma boa amizade: “há dois tipos de chatos: os chatos propriamente ditos... e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.”

A noite da última quarta-feira prometia ser uma noite mágica e especial. Eu estava transbordando de energias positivas e de confiança, pois minha querida amiga G.D. estava, naquele momento, bem longe aqui de mim, tentando reescrever a sua história dando um pulo no desconhecido, em busca da felicidade e da realização pessoal e profissional. E como ela me pedira que lhe enviasse energias positivas, eu estava me sentindo uma verdadeira usina elétrica! Seguindo o seu bom e sábio conselho, assim ela me disse “Cris, vai dar uma saída de casa para dar uma chance de a vida te surpreender”, e foi exatamente isto que aconteceu naquela noite singular.

Então, estava eu numa de minhas frequentes e solitárias visitas às salas de cinema; aguardava pela sessão tomando uma fumegante xícara de café com leite no bar do foyer, quando uma distinta senhora idosa adentrou o recinto se fazendo acompanhada de um jovem cavalheiro e uma linda moça. A idosa era uma daquelas velhinhas bem arrumadas e fresquinhas cheirando a alfazema e que nos faz lembrar da nossa avozinha. A moça era um pitéu, uma delícia de se admirar com os olhos. O rapaz era elegante e tinha os modos de um verdadeiro gentleman.

A senhora veio ao meu encontro e pediu polidamente para sentar numa das cadeiras vazias da mesa em que eu estava, pois todas as outras estavam ocupadas. Fique à vontade, respondi com um sorriso hospitaleiro. A moça bonita e o rapaz ficaram de pé com as mãos dadas. O rapaz, solícito e educado, perguntou à velha se ela gostaria de um café, ao que esta respondeu que não. Ele insistiu: Um chá? Um refrigerante? Um pedaço de torta? Nem água? Ela não queria nada mesmo, estava satisfeita. Então, ele lhe disse que iria ali com a moça e voltavam em quinze minutos, a tempo de a sessão começar; dito isto, se afastaram. Mas, no meio do caminho, ele viu sobre uma estante algumas revistas de cinema, pegou uma e voltou até nós, colocando-a sobre a mesa diante da senhora e, feito isto, desapareceu. Como é atencioso aquele rapaz, até parece eu, pensei humildemente.

São em oportunidades como aquela que eu não contenho a minha língua inconveniente, dirigi-me à desconhecida distinta senhora e disse humorado: “Se a intenção do rapaz é a de conquistar o coração da sogra ou o da moça, ele está fazendo um esforço notável!” A velha deu uma risada satisfeita e disse: “Não é nada disso, ele é o meu médico.” E ao perceber a minha súbita expressão de aflição, pois que doença grave padeceria aquela boa velhinha para ter de andar com um médico a tiracolo, refleti apreensivo. Mas ela, percebendo a minha preocupação, acrescentou tranquilizadora: “Ele é o meu cardiologista, sabe. Descobrimos que temos em comum a paixão pelo cinema e. por isto, toda semana ele passa lá em casa e vamos juntos ver um filminho. Geralmente vamos somente eu e ele, mas hoje ele trouxe a namoradinha.” Imagino-me contando esta encantadora estória de amizade e solidariedade a amigas que, de emocionadas, soltariam suspiros de aprovação e exclamariam: “que lindo!”, ao que eu concordaria igualmente comovido. “Nós temos esta amizade especial, sabe, é como uma outra forma de amor, entende? Ele é um ser humano da melhor qualidade. É como se ele fosse meu neto e amigo ao mesmo tempo.”, acrescentou embevecida a velhinha. “Eu posso imaginar isto o que a senhora está me contando, é como no filme “Minhas Tardes com Margueritte”, disse-lhe lembrando da semelhança entre o que ela me dizia com a estória do filme. “Isso mesmo, meu filho! Aquele filme é tão belo...”, suspirou sonhadora.

E digo mais, a amizade é o mais progressista e aberto dos relacionamentos humanos, que ela não reconhece barreiras entre nações, culturas, crenças religiosas, convicções políticas, times de futebol, idades, sexos ou raças, e também não é monogâmica! E se você se lembrou de minha querida amiga G.D. e ficou curioso com o seu destino, ela é realmente uma mulher lutadora e de sucesso, foi aprovada no exame!

Rio Vermelho, 10 de abril de 2012.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Príncipe encantado de Indaiatuba

Juliana era uma mulher cuja beleza física parecia uma dádiva divina. Possuía um belo rosto, o corpo gracioso e elegante, a voz levemente rouca e adocicada e, acima de tudo, bom caráter. E ela só não seguira a promissora acarreia de modelo internacional porque tinha consciência de que havia em seu ser qualidades mais úteis que poderia oferecer ao mundo além de algo tão efêmero quanto a sua beleza física.

E como toda mulher bonita, era natural que também fosse muito cortejada e, por isso, não lhe faltavam pretendentes e convites para sair, sim porque aos homens, fazia-lhes bem ao ego serem vistos em sua companhia, além de que ela tinha a qualidade e fama de ser generosa em seus favores, embora só uns poucos tinham tal privilégio pois, para tanto, era necessário ter pelo menos 1,80cm de altura, porte atlético e beleza de galã de novela, que ela tinha lá a suas exigências e preferências.

No entanto, embora os passeios fossem sempre agradáveis e as noitadas terminassem nas camas mais largas que se tornavam as mais estreitas ardendo de prazer em cada canto, carecia Juliana de algo mais arrebatador que os prazeres físicos. Os rapazes eram boas companhias, dedicados amantes e os mais belos que uma garota pudesse sonhar. Mas nenhum deles tocava fundo o seu coração o suficiente para que ela se apaixonasse, que o seu príncipe encantado ainda não aparecera, sim porque ela acreditava em coisas como duendes e contos de fadas. A pequena e próspera Indaiatuba, onde ela residia no interior paulista, parecia que ficava menor a cada noitada.

Mas, felizmente, amigos era o que não lhe faltava nestas horas, pois estes são o melhor remédio para qualquer frustração amorosa, que Juliana era uma pessoa querida de todos e tinha a sorte de ter amigos de verdade. Quando ela estava triste e entediada, J.R., um amigo de longas datas, é que a alegrava com a sua prosa agradável e conversa interessante. Ele a fazia rir e se sentir uma mulher inteligente, ainda que ela o fosse de verdade. Sua companhia era agradável e ela se ficava à vontade em sua presença. E J.R. fazia por merecer, ele era um rapaz atencioso e carinhoso, e, acima de tudo, de bom caráter e trabalhador, desses que mamãe e papai sonham em ter como genro algum dia. Mas, nem uma fagulha de paixão tinha ela pelo bom rapaz que estava fadado a ficar naquela eterna condição de ser “uma boa pessoa” e apenas um bom amigo.

Certo feriado, ambos foram juntos para o litoral. Conversaram animadamente todo o percurso que o congestionamento habitual em véspera de feriado nem foi percebido, e o humor de ambos continuava suave como se já estivessem deitados na areia quente da praia desfrutando de um dia maravilhoso, apesar da fama do paulista de ter horror à areia. À noite, como não podia deixar de ser, saíram para beber e dançar. E entre goles de uma ordinária, terminaram deixando-se levar pelo ardor do desejo provocado pela bebida e se agarraram num longo e delicioso beijo na boca, embalados pela batida do rock desafinado e o jogo de luzes eletrizantes. E para a grata surpresa de Juliana, seu velho e querido amigo J.R. mostrou-se um exímio e insaciável amante, tão bom quanto sua proza interessante. Desta vez, ela trocou as rizadas da conversa fiada por ardentes gemidos e súplicas a Deus, colocando até as mãos na cabeça para não perder o juízo, tal era a sua arrebatadora sensação de prazer. Aquela estória toda se repetiu durante todo o feriado, sem que fosse preciso álcool, música, luz de boate ou qualquer outro aditivo. Vez por outra eles faziam uma pausa para beber água e nunca mais foram vistos perdendo tempo deitados nas cálidas areias da praia.

Depois daquele memorável feriado, J.R. caiu de paixão por sua amiga Juliana que chamou para namorar sério, mas esta se assustou com a tal proposta, mostrou-se arredia porque a dúvida lhe confundia os sentimentos, ao mesmo tempo em que ela também passou a desejá-lo secretamente depois daqueles dias de luxuria na praia, o repelia sofrendo de dolorosa culpa. Ela jamais experimentara assim tal sentimento por nenhum outro homem, e logo por quem, pelo seu amigo que era fisicamente a negação de seu tipo de homem, porquanto J.R. era um sujeito mais velho, baixinho, com os cabelos começando a rarear no alto da cabeça e feinho de dar dó. Era contra aquele sentimento tão rasteiro de valorizar a aparência física em detrimentos das qualidades interiores do nobre J.R. que lutava Juliana, consumindo a sua consciência, pois o seu defeito capital era estar avaliando o livro pela capa e não pelo seu conteúdo. A cegueira dominava Juliana que não conseguia perceber que o seu príncipe encantado de Indaiatuba viera finalmente para lhe fazer feliz eternamente, ou melhor, ele sempre estivera à sua frente e ela é que não o enxergava, porque meteu em sua cabeça que estes deveriam ser belos, esbeltos e vir montados num corcel branco.

Juliana, tais oportunidades só ocorrem uma vez na vida e a sua já está batendo à sua porta. E, afinal, você já está bem grandinha para acreditar em fantasias de menina moça e que só habitam as páginas dos livros de contos de fadas. Corre Juliana, te agarra ao teu príncipe, feioso mesmo assim, que melhor que ele tu não há de encontrar!

Como todos podem perceber, este não é nenhum conto de fadas.

Rio Vermelho, 1º. de abril de 2012.