segunda-feira, 30 de março de 2009

Diet, light ou orgânico?

Nunca vi tanta gente preocupada com o que enfia na boca. Refiro-me a alimentos, é claro. Querem estar saudáveis. Viver com saúde é fato inquestionável. Não dá para imaginar uma vida feliz ao contrário. Vivemos em épocas em que todos desejam esticar o próprio prazo de validade e com mais saúde. Ou queremos viver com mais saúde e por isso viveremos mais um pouco? Difícil saber o que realmente importa. Viver mais ou ter uma vida saudável. Mas a que custo?

    Tenho amigos que levam isto tão a sério que terminam exagerado na medida. Não comem esta ou aquela comida na mesma refeição. Não faz bem à saúde, dizem, embora sejam alimentos saudáveis. Nunca ouvi falar de ninguém que tenha morrido por misturar comidas no prato. Agem como se fossem membros de alguma nova religião. Não comem nada que não seja orgânico. Como era possível o mundo antes dos orgânicos? A palavra transgênico soa-lhes como uma blasfêmia, um verdadeiro pecado. Já baniram há muito tempo qualquer tipo de carne do cardápio. E como suas escolhas terminam sendo limitadas, passam a maior parte do tempo imaginando o que vão comer e como consegui-lo, uma vez que o seu saudável alimento não se encontra em qualquer mercado ali da esquina. Para obtê-lo, exige-se certo esforço extra. Ser saudável, dá trabalho, acreditem. Não comem isso, não comem aquilo. Com tantas restrições, impossível convidá-los para comer fora. Terminam cozinhando suas próprias refeições porque só eles é que sabem como aproveitar melhor o alimento. Hum... ensopadinho de abobora com chuchu, sem sal, acompanhado de arroz integral orgânico e caldo de repolho, uma delicia! Esta gororoba deve ser até saudável mesmo, mas duvido que seja esta coca-cola toda. Embora se alimentem bem, segundo seus conceitos, eles estão sempre se queixando de fome e de cansaços misteriosos. Mal humor. São magros como nordestinos fugindo da seca no sertão. E eu que ouse lhes dizer que tudo isso é o efeito da porra da dieta maluca em que se meteram. Já ouvi caso de um sujeito que não comia nada, queria se alimentar apenas da luz solar. Quase virou vegetal! Lembrei de um casal de amigos do papai que fazia macrobiótica. Pareciam duas almas penadas. Quando vinham almoçar em nossa casa de praia, quase todo fim de semana, faziam enormes pratos de feijoada com todas as carnes e ainda lambiam os beiços. Mas quanta fome!

    Existem aqueles que simplesmente não pensam no assunto. Não estão nem ai. Não se importam com o que comem. Pedem no Mcdonalds o tradicional sanduíche bombando em calorias e colesterol que faz coronárias tremerem de pavor. Em seguida, ouvem da balconista depois de pedirem o refrigerante. Diet ou normal? Como se isso fizesse alguma diferença! Fazem, então, as pazes com a consciência ao pedirem uma diet, pois afinal, a saúde vem em primeiro lugar! Cada um tem a sua própria dieta saudável e uma boa explicação para ela. Neste caso, o açúcar dos refrigerantes é que é o grande veneno.

    A indústria alimentícia aproveitou essa onda – minha intuição diz que foi ela quem a inventou – e encheu as prateleiras dos mercados com produtos industrializados com pinta de saudáveis, acondicionados em embalagens ecologicamente corretas. Olha como eles são preocupados com a saúde do planeta, até a embalagem é feita de material reciclado. Difícil saber qual a diferença. Diet, light ou orgânico. Todos garantem fazer bem à saúde, evitam que pessoas engordem e prometem vida longa. Ao contrário de elas simplesmente fecharem a boca, basta comer estas maravilhas.

    A verdade é que nunca saberemos quanto tempo a mais viveremos depois de ingerir tanta saúde, até porque ninguém sabe o dia que vai prestar contas com o criador. Ou se todo aquele esforço de só comer alimentos saudáveis e negação aos prazeres da carne terá realmente valido a pena. Cada um de nós tem uma conformação orgânica diferente. Uns são altos, outros são baixos. Alguns são magros, mesmo que comam um boi na hora do lanche. Outros engordam comendo apenas uma ervilha. Meu vizinho octogenário fuma feito uma chaminé desde os catorze, está vendendo saúde. Outro mais jovem, amigo da família, foi levado pelo câncer nos pulmões sem nunca ter posto um único cigarro na boca. Fico imaginando até onde tanto cuidado realmente faz alguma diferença. Não sugiro que as pessoas saiam por ai fazendo de tudo, mesmo sabendo que um dia terão de morrer mesmo. Aproveitem que a vida é curta, mesmo só comendo diets, lights e orgânicos!

    Nunca tive gripe ou outro tipo de doença. Sou saudável, mesmo comendo de tudo. Não exagero em nada. Não sei quantos anos viverei, mas espero não quebrar nenhum recorde. Detesto comidas diets ou lights, e não sei o gosto de um alimento orgânico. Dizem que é gostoso, não duvido. Uma alface orgânica tem o sabor de alface mesmo, já me prometeram. O tomate, então, nem se fala. Mas como eu como tudo temperado, jamais saberei a diferença. Quando estou em lugar que me oferecem algo light ou diet, sempre recuso polidamente. Mas em seguida, me explico. Minha filha, não como nada muito saudável ou que prometa me fazer viver mais tempo. Tudo em excesso faz mal, mesmo comidas saudáveis, sabia? Tenho medo de ficar saudável demais, ter um piripaque e morrer antes da hora. De qualquer forma, espero morrer doente, e não saudável.

    Este assunto tem visitado meus pensamentos ultimamente. Mas não imaginem que estou querendo seguir algum tipo de dieta. Nada disso. Apenas penso no assunto, como penso em outras coisas, como em roubalheiras em Brasília, por exemplo. Outro dia me vi na seguinte situação bizarra. Fui até a loja comprar veneno para rato. Têm aparecido uns enormes e bem saudáveis aqui por casa. Eu gosto de animais e jamais faria mal a eles, mesmo no caso de ratos. Preocupado com o bem estar dos roedores, pedi um veneno orgânico, pois minha intenção era de exterminá-los, mas sem fazer mal à saúde deles!

Rio Vermelho, 26 de março de 2009.

quarta-feira, 18 de março de 2009

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Estórias para quem tem pouco tempo.

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Valeu!

Parabéns pra você!

Não sou fã de festa de aniversário de adulto. Não tem nem 'brigadeiro' e nem 'olho de sogra'! Considero-a uma das comemorações mais chatas, seguida da festa de Natal, é claro. Nunca comemorei o meu, embora não seja contra quem o faça. Até aplaudo a iniciativa! Festa de aniversário é uma daquelas tradições familiares cultivadas desde o berço e que se estende pela a idade adulta como parte de nossa formação. Não nos habituamos a cultivar tal costume aqui em nossa casa, talvez por uma questão de calendário. É que o meu aniversário - e o de outros três dos meus seis irmãos - cai no auge das férias de verão, quando os amigos estão longe. Não tinha quem convidar, portanto. Nem mesmo aqueles parentes mais próximos, pois somos imigrantes do Ceará. Os parentes mais próximos moravam longe! Por isto, cresci aleijado, sem nunca fazer festinha no dia do meu aniversário. Para falar a verdade, meus pais nunca foram apegados a tradições e, por isso, os sete filhos nunca tiveram festas de aniversários. Em resumo, não somos pessoas comemorativas.

    O aniversariante que é animado por fazer uma festinha, nunca deixa de reunir os amigos e a parentada para comer um bolinho. Deseja compartilhar o momento por mais um ano de vida com as pessoas queridas. Termina se empolgando e convidando todo mundo. E ai é que começa a chatice.

    Uma amiga que conhecera há pouco tempo, teve a delicadeza de me incluir em sua lista de convidados. Ligou-me pessoalmente e fez o solene convite. Minha presença era indispensável. Não tive como escapar. Um convite por telefone logo assim a queima roupa. Se viesse pelo correio, culparia o carteiro pela minha ausência, entregou o convite depois da data. Se fosse via e-mail, a culpa sobraria para o provedor. Mas um telefonema pessoal fica meio difícil de se esquivar. Primeiro, ela foi cautelosa, perguntando o que eu faria no sábado. Respondi que nada. Em seguida, veio o convite. Seria um almoço. E como eu teria mesmo de almoçar naquele dia, apareci na hora marcada.

    Tenho o mal habito de cumprir horários. Cheguei à casa da aniversariante em ponto, como para comparecer à consulta para exame de próstata. Era o único convidado. Casa ampla e confortável. Fiquei no jardim bebendo uma cervejinha oferecida pelo garçom Moacir e tomando uma fresquinha debaixo de um jambeiro, enquanto a anfitriã dava os últimos retoques na maquiagem. Hora e meia mais tarde, apareceram os outros convivas e depois mais outros até que chegou todo mundo. Não era muita gente. Um bando de desconhecidos. Isto não foi nenhuma surpresa para mim, pois o chato da festa de aniversário é justamente esta possibilidade de você não conhecer ninguém além do aniversariante. Mas não me senti desconfortável por isso. Embora eu não aparente, sou uma pessoa bastante sociável. Sou capaz de puxar conversa até com defunto em beira de cova, para me entrosar no ambiente.

     Aproximei-me de um casal de amigos da aniversariante. Duas figuras apáticas. Eles também mal a conheciam. Coincidência demais, né? Pensei em me queixar do tempo. Sempre funciona. Mas o tempo estava muito bonito e não renderia muito que falar. Lembrei-me do último escândalo do governo. Um ótimo assunto. Só se falava disso ultimamente. Mas os dois não sabiam de nada, tal qual o nosso presidente. Como eles pareciam que não tinham nem assunto para conversar entre si, desisti de perder o meu tempo com eles. Dei uma desculpa e me afastei. Sentei-me ao lado da única convidada bonita e desacompanhada. Tinha a expressão de uma galinha que ia botar um ovo e depois mudou de idéia. Mal comecei a puxar uma conversinha e percebi que alguém já tinha chegado antes de mim e lhe posto uma barriga de seis meses. Seria um menino. Era uma produção independente, mas ela já tinha mudado de idéia. Estava à procura de um pai para o filho a caminho de juntar-se a nós neste mundo. Fiquei mudo e, por falta de outro assunto, fui buscar um copo de refrigerante para ela e nunca mais voltei. Mas enviei um garçom para servi-la, claro. Ela, certamente, sabia como se livrar de chatos como eu.

    Conversei com outro. Estava meio abandonado num canto encostado junto a uma janela que dava para o jardim. Conversar com as plantas também uma boa idéia. Era um sujeito meio calado. Só conhecera a aniversariante há uma semana. Hum...Tomava um uísque e se queixava de dores na coluna. Adoro conversar sobre dores nas costas. Disso eu entendo e muito, pois padeço deste mal. Seu tratamento resumia-se a tomar analgésicos e pensar em algum dia talvez ir ao medico. Como a sua experiência não era tão rica no assunto como a minha, falei mais que ouvi. Dei os meus conselhos de expert.

    Finalmente a comida foi servida para alegria geral. Todos os convidados abriram um largo sorriso quando a mãe da aniversariante anunciou em voz alta. Uma paella supimpa. Fiz meu pratinho e fui sentar numa mesa onde haviam três outros convidados. Uma tia, a sobrinha e o namorado. Cheguei logo no início da conversa. O assunto era uma renite. Sei muito pouco desta moléstia, mas achei interessante ouvir a sobrinha falar sobre sua mazela. Ela era muito linda e fiquei encantado com a descrição detalhada de todo o seu sofrimento. A tia era uma senhora agradável e falastrona também. O rapaz só concordava com tudo, daria um perfeito marido, pensei. De renite, pulamos para reformas em casa. Tinha sido a poeira de uma construção em sua residência a causadora do nosso assunto à mesa. Resolvi ficar ali com aquele grupo ouvindo as duas tagarelas e dando um pitaco no assunto de vez em quando. Éramos a mesa mais animada da festa, vejam só.

    Depois do almoço seguiu-se o grande momento. Cantar os parabéns e apagar as velinhas. Minha amiga não economizou em velinhas. Cantamos todos juntos batendo efusivas palmas. Eu estava logo na frente puxando o coro a plenos pulmões de entusiasmo. Cantava que nem um Pavarotti 'parabéns pra você! parabéns pra você!'. Comi um pedaço do bolo e fui embora logo em seguida. Missão cumprida. Amigos, não é por achar festas de aniversário um saco que não deixarei de marcar presença na sua próxima primavera!

Rio Vermelho, 13 de março de 2009.

segunda-feira, 9 de março de 2009

A falta que ela faz.

Esta semana li que burocratas, cientistas e ambientalistas do mundo inteiro vão se reunir na Turquia para discutirem o problema da falta de água no planeta Terra. A coisa ta ficando séria, né? Isto mesmo, daqui a alguns anos, vai faltar água pra quem tiver sede. Como todo mundo, cuidarei de fazer meu estoque aqui em casa. Encherei com água garrafas, panelas, latinhas, sacos, sacolas plásticas, enfim qualquer coisa onde ela possa ser armazenada. Não apenas para o nosso consumo, venderei a dita cuja no mercado negro, na Sete Portas. Ao ler esta dramática notícia, fechei os olhos e tentei imaginar um cenário de como seria o mundo sem este líquido insípido e incolor. Não vi nada. Talvez porque não haverá nada para se ver além de pedras e poeira. A terra será um grande nada. Nem eu estarei por aqui para tirar uma foto e postá-la em meu blog. Na hipótese de haver um único sobrevivente, este poderá atravessar o Atlântico a pé. Provavelmente, ele morrerá de sede antes de chegar ao outro lado.

    Tudo isto é um exagero, é claro. Mas a nação que tiver água sobrando, será mais rica que aquelas que tiverem petróleo em seu subsolo. Isto me fez lembrar de um filme que assisti faz pouco tempo. Um engenheiro americano foi trabalhar na Arábia Saudita, e num passeio de carro por uma estrada através do deserto, encostou num posto para abastecer. Talvez pela falta de fregueses naquela região inóspita, o frentista ocupava seu tempo lavando o pátio do posto com a intenção de abaixar a poeira. Usava uma mangueira. Para a surpresa e terror do americano, o líquido utilizado era a gasolina! O mesmo saudita talvez tivesse reação semelhante, caso presenciasse cena inversa aqui no Brasil. Nosso frentista estaria usando água, é claro. Água já vale mais que petróleo naquela parte longínqua do mundo.

    Nunca demos a devida importância a esta coisa de economizar água, a não ser para não sermos pegos de surpresa com uma conta dolorosa da EMBASA, no final do mês. Lembrei de um vizinho, sempre os meus vizinhos. Um simpático senhor aposentado que gostava de aguar as plantas do jardim e lavar os quatro automóveis da família diariamente. Como se isso não bastasse, ele molhava sua calçada e o pedaço de rua em frente à sua casa demoradamente. Ficava ali na calçada, de pé, segurando a mangueira e se deliciando com o jato de água que saia abundante. Adorava ouvir o barulho da água batendo das pedras da calçada e sobre o paralelepípedo da rua e o cheiro de terra molhada. Saca como é, se aliviar no mato demoradamente enquanto assobia, coça a cabeça e admira a paisagem? Era assim mesmo. Sua conta de água era amarga, apesar de água ser uma coisa barata aqui por estas bandas. Felizmente foi morar num prédio de apartamento chique e o mundo se viu livre um predador aquático.

    Água é um troço tão simples e elementar, mas que é impossível passarmos um dia sem ela. Não há coisa mais gostosa do que tomar um copo de água gelada depois de comer um doce de leite. Ou tomar um banho frio e demorado num dia de calor. Sem água, não dá pra ficar.

    Eu sou um cara que gosta de inventar coisas. Os japoneses já roubaram muitas das minhas idéias, acredite. Eu tenho um invento que desta vez vou patentear, e vou ficar mais rico que xeique árabe. Água em pó. É simples. Ela será vendida em pacotinhos. Quando o cidadão tiver sede, é só despejar o conteúdo num copo e adicionar água e mexer. Tá pronta!

    Estou falando aqui de água apenas para o consumo doméstico e como isso mudará nosso comportamento. É claro que a industria e a lavoura vão penar também. Lembrei de um amigo que ao se formar na faculdade, comprou uma motocicleta e resolveu viajar pelo Nordeste. Seu espírito era jovem e idealista, queria conhecer a fundo o nosso país e suas mazelas. O Lula teve uma idéia semelhante antes de finalmente conseguir ser presidente, mas seu diploma é o de esperteza. Pois bem, Roberto saiu sem lenço e nem documento montado em sua Honda pelos grotões do sertão. Certa noite, apeou numa pequena fazenda e foi acolhido de forma hospitaleira pelo dono da casa e sua patroa. Era um lugar miserável de quente e seco. Os donos da casa eram meio calados. Provavelmente economizavam nas palavras para não sentirem sede. Poupavam a água de beber. Mas eram muito simpáticos. Sorriam sempre. Roberto puxou conversa durante o jantar que foi um guisado de teiú com arroz de pequi, iguaria muito apreciada no sertão em época das vacas magras. Não chovia há oito meses. Dona Francisca já tinha até feito uma promessa de acender 5 velas de um metro aos pés da estátua do padre Cícero em Juazeiro, caso chovesse em um mês. Seu Amâncio não tinha como trabalhar em sua roça, e por isso arranjara um emprego inusitado. Era jardineiro de uma mansão em pleno sertão! Além de aguar as plantas e o gramado diariamente, cuidava, também, da piscina da propriedade que pertencia a um deputado federal importante. Tinha, também, de lavar os carros da família todo santo dia. A seca só não atinge gente importante, disse ele amargurado. A vantagem de trabalhar lá naquela casa é que ele podia beber água à vontade todos os dias e até tomar banho, se quisesse.

    Ao final da janta, Roberto agradeceu muito aos anfitriões e recolheu-se em seu quarto, pois como não havia luz elétrica na casa, todos iam para cama cedo. A casa era de paredes de adobe e caiada. Não havia forro e as paredes não iam até o teto. Deitado em seu catre, Roberto pode ouvir o seguinte diálogo vindo do quarto ao lado. Algo que ilustra bem o que é viver em tempos de pouca água.

    - Bem? – chamou dona Francisca.

    - Eim?

    - Tu vai me querê hoje?

    - Na... – grunhiu seu Amâncio.

    - Ah! Então só vou lavar os pé!


 

Rio Vermelho, 4 de março de 2009.