terça-feira, 22 de outubro de 2013

Como Se Livrar de Chatos

Não me refiro aqui àquele tipo de chato que nós homens acidentalmente adquirimos ao conhecermos intimamente uma dama a qual recompensamos monetariamente pelos seus favores. Falo de gente insistente. Não há nada mais aborrecido que receber telefonema de serviço de telemarketing. Quase sempre tentam nos vender algo que não precisamos ou querem roubar nosso precioso tempo fazendo uma pesquisa cujo resultado dificilmente tomaremos conhecimento ou nos beneficiará de alguma forma. Este pessoal parece ter pós-graduação em escolher os momentos mais inoportunos e fazem isto de maneira insistente e de um modo polido e refratário. Pode-se dizer qualquer grosseria para eles e eles continuarão lhe tratando com a mesma frieza e educação, sem demonstrar qualquer emoção ou contrariedade, seguindo um roteiro de diálogo previamente ensaiado. Depois da classe política, esta talvez deva ser a profissão mais odiada. Há quem os defenda argumentando que eles estão apenas fazendo o seu trabalho, no que eu concordo, mas que trabalhinho chato este!
         Certa vez, eu almoçava na casa de um amigo quando fomos interrompidos por um destes telefonemas. Espirituoso, ele explicou à moça do outro lado da linha que estava na sua hora de almoço e antes que ela insistisse em realizar a sua tarefa, ele perguntou o número do telefone dela e em que horário ela almoçava, pois iria lhe retornar a ligação durante o almoço dela!
         Eu nunca tive a sua presença de espirito e sempre que eu recebia um telefonema perguntando por mim dizendo o meu nome completo num tom bastante formal, eu já sabia só poderia se tratar de uma ligação de telemarketing. O melhor que eu conseguia fazer para me livrar do aborrecimento era dizer que eu não estava. Ora, minha tática era pouco eficiente, pois se eu não estava, nada mais previsível que ligassem novamente até me encontrar em casa e era justamente isto o que acontecia. Mas eles são muito espertos, como Cristiano Teixeira nunca estava, eles passaram a me telefonar e perguntar de modo bem casual: “O Cristiano está ai?”
         Certa vez resolvi enfrentar o problema de frente e quando a moça do outro lado da linha perguntou por mim, não fiz como das outras vezes, respondi-lhe que era eu mesmo que estava falando. Deixei que ela tentasse me vender o seu peixe e depois de ouvi-la disse que não estava interessado. Entretanto, dizer a uma pessoa do telemarketing que eu não estava interessado era o mesmo que dizer-lhe que eu não estava em casa. Não estar interessado não faz nenhuma diferença para esta gente, pois eles voltarão a lhe ligar mesmo assim, infinitas vezes, mesmo que você os mande para o inferno. Eles foram treinados para ir sempre ao inferno, não reagir a abusos verbais ou qualquer outro tipo de provocação. Qualquer outra resposta que não soe como um “sim”, bate e volta.
         Se você quiser se livrar realmente de uma ligação de telemarketing e garantir que pelo menos aquela não se repita, use a última tática que inventei num dia de rara inspiração. Você precisará usar um pouco de talento teatral, no entanto. Quando a moça do telemarketing chamou pelo meu nome e sobrenome, fiz uma pausa dramática deixando-a no suspense (estas pausas funcionam muito, caso queira causar uma impressão no interlocutor). Em seguida, com a voz carregada de emoção informei-lhe que eu havia falecido, ao que ela educadamente desculpou-se. Então eu lhe disse docemente: “Não tem porque se desculpar, minha filha, você não sabia.” Depois acrescentei quase suplicando: “Por favor, não telefone novamente, pois eu fico muito emocionado quando ouço o nome desta pessoa.” E ela não ligou nunca mais, não falha nunca!

Salvador, 21 de outubro de 2013.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ele Está de Volta

Não que ele tivesse ido embora ou coisa assim. É só uma maneira de dizer que os dias chuvosos de outono se foram embora, assim como os ventos fortes e, por isso, sem as nuvens cinzas que o escondiam,  o sol voltou a brilhar forte e belo para alegria geral. Como uma decorrência da mudança de estação, o sol também passou a se pôr mais a leste e aqui do Rio Vermelho agora é possível contemplá-lo mergulhando no oceano e não mais por detrás do morro da favela e prédios da decadente Salvador.
         Eu também saí da toca e voltei a caminhar. Faço isto diariamente ao longo da Praia de Santana até a segunda escada da Praia da Paciência e repito este mesmo percurso meia dúzia de vezes no final da tarde, quando o sol já está se pondo e até a escuridão tomar conta das ruas com seus medos. E é neste momento do dia que observo como magnetismo mágico do astro rei atrai multidões até a praia para testemunhar os seus últimos raios de luz.
         Entretanto, algo tem mudado no modo como as pessoas apreciam o pôr do sol. Não encaram mais este momento sublime com o mesmo olhar contemplativo que tanto inspirou poetas, músicos e amantes.  Ao invés disso, utilizam um aparelho de celular com câmera fotográfica que antepõem entre si e o cenário magnífico que acontece à sua frente. Cada momento desta trajetória do sol precisa estar fixado no aparelho e o prazer de assistir o sol se pôr foi substituído por uma atitude de quem está anotando uma receita de bolo ao invés de degustá-lo. O prazer real se dará quando as fotos aparecerem no monitor do computador, na página de uma rede social qualquer para que a pessoa diga ao mundo como ela sabe curtir os bons momentos da vida, o que me parece ser uma espécie de contemplação de si mesma.
O prazer de se curtir os momentos bons da vida vão sendo substituídos pela prática de documentá-los ao invés de vivenciá-los. Os celulares em posição de ataque vão substituindo o olhar puro e simplesmente. Enquanto isto, o sol vai se pondo solitário oferecendo um espetáculo àqueles que gostam de ver o mundo com os próprios olhos. Mais adiante, dois amigos se encontraram e um perguntou ao outro: "E aí, é bonito o lugar que você conheceu na viagem?" O outro responde: "Não sei, ainda não postei as fotos".


Rio Vermelho, 11 de outubro de 2013.