quarta-feira, 24 de março de 2010

Mamãe passou açúcar nele.

Em meus périplos pelo Rio Vermelho, a ida ao supermercado é um dos meus lugares preferidos. Tenho gostos estranhos, ir ao supermercado é um deles. Gosto de passear entre as gôndolas e ver as novidades. Até já desenvolvi algumas técnicas de como comprar. A primeira delas é nunca ir às compras de estomago vazio, do contrário, corre-se o risco de comprar demais, principalmente bobagens. O mesmo acontece se estiver aborrecido. Comprar mais, não vai resolver o problema. A menos que você aí leitora, seja uma esposa querendo se vingar do marido na conta do cartão de crédito! Ao colocar no carrinho produtos de validade curta, como pão de fôrma e ovos, sempre pegue o pacote do fundo da prateleira ou na prateleira debaixo, são os mais recentes. Fique atento às promoções, principalmente aquelas cujos preços são irresistíveis. Estas generosidades geralmente estão com os prazos de validade quase vencidos! Ao escolher entre marcas diferentes numa mesma gôndola, tenha em mente o seguinte: as mais baratas e pouco conhecidas ficam nas prateleiras lá de baixo, um ardil para aqueles não agüentam se flexionar de gôndola em gôndola. Os produtos com preços mais caros ou as promoções que o mercado quer que você leve, ficam colocados confortavelmente à altura de seus olhos e de suas mãos. E boas compras!

Depois de encher o carrinho, fui procurar uma fila pequena, o que não é lá uma tarefa assim tão fácil, não num sábado de manhã. Geralmente vou ao mercado às sextas pela tarde, mas, naquela semana, preferi ir ao cinema, para variar. — Recentemente adquiri o mau hábito de ir ao cinema no meio da tarde, o que me dá uma agradável sensação de estar desocupado. — Escolhi ficar logo atrás de uma senhora carregando apenas, além de sua bengala, uma cesta com um pacote de pão de forma, uma lata de leite em pó e um saco de alguma coisa. Eu era o terceiro da vez. Aquela velha bem poderia estar na fila especial para idosos, que apesar de parecer mais comprida, tinha a vantagem de ter um banco com cadeiras sobrando onde ela poderia esperar confortavelmente sentada e dar um descanso à sua bengala. Na verdade, eu queria mesmo era me livrar dela, ou melhor, que ela saísse de minha frente para eu fosse logo atendido. A parte que eu não gosto do mercado é justamente a fila, com suas caixas de olhar enfadonho, pondo à prova a minha paciência.

"A senhora não gostaria de ir para a fila dos idosos que é mais rápida e tem um banco pra sentar?" Perguntei. "Não" Respondeu com um sorriso doce. Talvez ela não se achasse tão idosa assim. Eu, pelo contrário, não me incomodaria nem um pouco de ir para a fila dos deficientes, já que ainda não sou idoso. Descobri outro dia que tenho deficiência de vitamina A. Suficiente para ir para a tal fila? Enquanto aguardava, peguei um exemplar da "Veja", a única revista que não é lacrada. Deve ser alguma cortesia do mercado para a clientela, nada como aproveitar para por os assuntos em dia, enquanto aguardo de pé na fila. Depois, é só devolve-la à prateleira onde estava!

Em menos tempo previsto, chegou, finalmente, a vez da velha. Digo, para ser atendida no caixa. A cena seguinte surpreendeu-me. O caixa, um rapaz jovem com um corte de cabelo estiloso, levantou-se de sua cadeira e abraçou a idosa carinhosamente por cima do balcão. A velha beijou-lhe no rosto e ele retribuiu-lhe o beijo com outro e os dois continuaram assim abraçados por tempo o suficiente para eu ficar enjoado. Alguém ai quer um abraço? Nem o Lula beijou e abraçou o Fidel Castro tanto, na ultima vez que esteve em Cuba! Estava explicada a sua preferência por aquela fila, ela queria dar um abraço no netinho, concluí.

Aquela lambança não parou por ali. Outras quatro velhinhas apareceram do nada, tagarelando feito matracas. Queriam dar um beijo e um abraço no rapaz. Não podiam deixar de ir ao mercado sem passar para dar um beijo no caixa mais querido delas. E tome-lhe beijos e abraços apertados e elogios açucarados. A velha e o caixa nem eram parentes, então. Fiquei ali na fila assistindo aquela cena inusitada, na qual as avós de alguém beijavam um neto que não as pertenciam. Imaginando a solidão que é envelhecer sem o afeto dos filhos e dos netos, e de como é triste ter de ir buscá-lo com estranhos num supermercado. Aquelas velhinhas são como milhares de tantas outras que dedicaram suas vidas às famílias, e, no final, carecem do afeto que dispensaram a elas.

Quando chegou a minha vez, foi tudo muito rápido, como geralmente acontece quando não estamos lá na fila observando e esperando ansiosos. Me senti rejeitado pelo caixa não ter vindo me dar os meus beijos e abraços. Quebrei o gelo dizendo, "Já sei. Mamãe passou açúcar em você quando bebê." Ele pareceu não ter gostado da piadinha, pois não esboçou sorriso algum. Ao contrário, olhou-me seriamente e respondeu. "Não é nada disso. Acontece que eu tenho sorte de encontrar pessoas maravilhosas na minha vida." Não quis levar o assunto adiante, sei que este meu jeito de levar tudo na piada pode ser engraçado para os que possuem um senso de humor refinado, mas soa como uma ofensa aos que carecem dele. Minha amiga Yara diz que tenho um humor mordaz, mas acho que ele não morde tanto assim não.

Eu sou um daqueles que vão ao mercado levando aquelas sacolas de pano, temos um monte delas aqui em casa. Acho que esta é a minha única contribuição ao meio ambiente. Ensacolei eu mesmo minhas compras, surpreso de estar pagando tanto para levar tão pouco. Toda semana gasto o mesmo valor no mercado e volto com as sacolas mais vazias. Ainda bem que não temos inflação! Paguei e depois disse sorridente ao caixa. "Não vai me dar meu beijo e abraço?" Estendi-lhe os braços.

Rio Vermelho, 21 de março de 2010.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Like a Capra Film

While it is strange, though not impossible, to be surprised by acts of solidarity or generosity when we are struck with adverse situations—we are even more surprised when these acts of benevolence come from the people we least expect, or complete strangers. I can be moved to tears when I hear about such situations; it's like watching a Capra film or admiring a Rockwell painting. For those who have never heard of the American film director who made comedies from the 1920's through the 1960's, Capra's films offer a generally clear and optimistic message about the good side of human nature, and the value of altruism and hard work. Norman Rockwell was of the same vein—an American illustrator who drew portraits of innocent daily life in small town America.

Recently, my friend B.H. who lives in a small chilly town near New York City, was brave enough to leave her house after one of those long snowy nights. [It is snowing cats and dogs in the land of Uncle Sam; could it be the greenhouse effect?] She planned an outing to the grocery store to buy some staples and a hot soup to eat while she sat in front of her computer fooling around on Facebook. So, she slipped a long-sleeve plaid flannel shirt on top of her turtleneck. Over this she donned an orange fine merino wool sweater, covered by a green virgin wool coat from New Zealand. As a finishing touch, she got into a red nylon jacket, lined with fuchsia polyester fleece, accompanied by her lined purple leather gloves, wool-lined pants, black rubber boots with fake-wool lining, thick wool gloves, and a horrible green chlorophyll-colored wool hat from Siberia—something shocking enough to frighten a young child. She pretty much looked like a tie-dyed Pillsbury doughboy. So, off she went to the grocery store.

Staggering inside from the chill, she wandered past the many aisles of produce, putting things in her little cart, including a flat tin of guava jelly, her favorite from Pacajus, Ceara a northeastern Brazilian state, which was on sale. She moved on to the prepared foods section and asked for a hot chicken soup. Making sure she had everything in her cart, she headed over to the checkout contended that she had remembered all of her essentials. Then, much to her surprise, she realized that she had forgotten something—her wallet! She stood there imagining, quite deflated in fact, how sad her walk home would be with empty hands, that morning where the thermometers were at -1ºF outside. Where had her head been to forget her wallet? She was embarrassed with her situation, with the people in line witnessing her shame. She didn't have a cent in her purse, not even enough to take home her hot soup that was going to taste so good on that wintery day. All she could do to relieve her self-consciousness was to return everything to the shelves. At that point, the clerk calmed her down, told her she didn't have to bother, that they would do that for her.

As she skirted out through the automatic doors still embarrassed, a gentlemen appeared, unknown to her, offering to pay her grocery bill. At the same time, a woman on her other side waved her credit card also offering to take care of her financial drama. And to complete the festival of benevolence, another clerk ran out of the store offering her the hot soup on the house, telling B.H. she couldn't go home without her lunch. She accepted the good will and the loan from the stranger, seeing in him a chance to meet him again, since he looked like he had been in an ad for Marlboro, and that he had the type of genes that she had been looking for, for her future children.

She politely declined the woman's credit card. She accepted the soup, and paid her bill as the manager insisted on driving her home. Some might say that this was a true expression of goodwill, but others will insist that everyone was afraid of her big ridiculous get-up!


Salvador, February, 25th 2010


Versão original em portugues logo abaixo.