domingo, 30 de outubro de 2011

Você é tão lindo!

Quando pequeno, JR acreditava que ao crescer iria se tornar num belo cisne de penas negras que iria ser admirado por todos por causa de sua inigualável beleza. Mas ao alcançar a idade adulta, logo percebeu que ele não fazia parte de nenhum conto de fadas e que, se ele era feio quando criança, ao crescer, ficou mais feio ainda. Enfim, ele era feio como o pecado, mas estranhamente a sua feiura era mais de fascinar que de repelir. E além de ser destituído de predicativos de beleza física, ele era um duro, outro agravante que só tornava as coisas difíceis para o seu lado.

Fala-se muito da nobreza da beleza interior, principalmente quando a exterior deixa muito a desejar e, no caso de JR, as mulheres pareciam não ter os esperados olhos de raios-X que tanto enxergam o âmago do ser de uma pessoa, porque esta poderia ser uma dessas inspiradoras estórias de superação na qual o nosso herói passa por uma provação, no caso a sua falta de beleza, até ser reconhecido e admirado pelo seu conteúdo humano, mas, no caso de JR ele era um sujeito superficial e sem muitas qualidades pessoais que o distinguissem dos outros seres da espécie, então ele não apenas carecia de beleza exterior, mas de interior também, no entanto, ser má pessoa ou mau caráter, isso ele não era.

Mas apesar de seu percalço, ele era um ser humano como outro qualquer que se levantava todas as manhãs motivado por sonhos e desejos. E um desses desejos atendia pelo nome de Ritinha, uma deliciosa e mal afamada mocinha que era balconista da loja de ferragens do bairro que ficava no seu caminho diário para o trabalho, uma mulher muito bonita, mesmo. Os olhos do pobre rapaz brilhavam de desejo cada vez que ele punha os olhos sobre ela ao passar em frente da loja e provavelmente outras partes de seu corpo se manifestavam com igual grau de paixão. Mas a moça tinha horror a homem feio e o nosso pobre JR se encaixava exatamente naquela categoria. Vez por outra ele entrava na loja nem que fosse para só comprar um prego, ou dois, apenas pelo prazer de ser atendido por Ritinha, mas apesar de toda sua delicadeza e educação ao tratá-la, ela retribuía com um olhar duro de desprezo porque para ela, ele era mais um daqueles homens feios que enchiam a sua paciência com olhares e palavras melosas. Vez por outra JR a encontrava no mercado e tinha a petulância de se aproximar para conversar na intenção de convidá-la pra sair ao que ela lhe respondia gentilmente: “Você não se enxerga? Vai te catar!” O rapaz interpretava isto como um “talvez” e repetia o pedido em outras oportunidades, ouvindo sempre a mesma promessa encorajadora.

Mas a vida não foi totalmente injusta com JR, pois que, certo dia, teve o sofrimento de perder um tio querido e a compensação de herdar toda a sua pequena fortuna. A notícia logo se espalhou pelo bairro e virou assunto de conversa de esquina, balcão de farmácia, mesa de botequim até chegar à loja de ferragens na qual a indiferente Ritinha trabalhava e pôs-se ouvir aquela conversa toda com disfarçado desinteresse. A estória que corria era que ele queria achar uma boa moça para casar e que com todo aquele dinheiro que herdou, candidatas é o que não faltavam e quem quisesse tentar, melhor que se apressasse porque a fila estava começando a dobrar o quarteirão. Não demorou muito, Ritinha percebeu que subitamente estava perdidamente apaixonada pelo homem mais feio que já vira em toda a sua vida e dono de uma fortuna de encher os olhos de qualquer moça que sonhava encontrar seu príncipe encantado e ela encontrara o seu.

A partir de então, ela passou a ir ao mercado diariamente com o intuito de esbarrar acidentalmente com JR, o que de fato aconteceu e daquela vez foi ela quem teve a iniciativa de puxar conversa. E como era de se esperar, JR insistiu mais uma vez no convite para saírem juntos ao que foi aceito de pronto e com demonstrações de alegria e entusiasmo que faria qualquer cego de bengala desconfiar, menos JR que estava cego de amor pela moça. Ao se despedirem reafirmando o encontro já para aquela noite – para que esperar tanto... – Ritinha deu um beijo melado no rosto de JR e disse-lhe languidamente ao pé de seu ouvido “Você é tão lindo!” Bem, o resto da estória é previsível de imaginar. Eles viveram felizes para sempre, ele por ter uma esposa que era muito bela e ela por ter se tornado proprietária de uma bela conta bancária.

Rio Vermelho, 30 de outubro de 2011.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Il sole é mio!

Se o luar é dos amantes então, o pôr do sol a quem pertence? Todos os fins de tarde, nas três últimas semanas, Bartolo, o meu amigo italiano, calça o seu sempre bem cuidado par de tênis de futebol de salão e, munido da câmera digital novíssima em folha, vai até a Praia de Santana registrar mais um crepúsculo. Outro dia ele não compareceu como esperado, preferiu ficar em casa fazendo espaguete, porém, imaginando que se tratava apenas de um mero atraso, o sol retardou o seu momento de sair de cena como se estivesse à sua espera para mais uma vez exibir-se para a fotografia, mas como o italiano não deu as caras, a noite, então, começou um pouco mais tarde aquele dia.

Todos os fins de tarde, eu saio para caminhar na orla do Rio Vermelho, naquele trecho entre o Teatro do SESI e a segunda escada da Praia da Paciência cujo comprimento deve ter pouco mais que mil metros, e repito o mesmo percurso cerca de oito vezes, considerando-se a ida e a volta. Tudo de caloria e gordura que eu perco neste exercício inútil, eu candidamente reponho, às sextas-feiras, comendo churrasco ou espetos de camarão pistola e sardinha na brasa, regados a fartas rodadas de cerveja estupidamente gelada no refrigerador de última geração da casa de meu amigo e vizinho Habib. O caminho do meu “Cooper” é sinuoso porque ele obedece ao movimento do mar, começando reto até a igreja e depois fazendo uma barriga acompanhando a enseada da Praia de Santana e depois segue reto novamente e mais adiante faz outra barriga na Praia da Paciência. É uma caminhada privilegiada por poder se admirar toda a beleza do mar quebrando nas pedras jogando espuma para o alto. Até bem recentemente, o pôr do sol só era visto acontecer por detrás de prédios e, por isso, não era um espetáculo lá muito interessante, mas como ele tem se movido no sentido leste como parte de seu ciclo natural, não faz muitos dias, ele já é visto desaparecer no oceano, onde pode ser melhor contemplado por quem quer que esteja andando ou passando de automóvel ao longo da avenida que corre lado a lado com o mar.

Um fato que tem merecido a minha atenção é o encantamento das pessoas pelo pôr do sol e o seu impulso de fotografá-lo como única forma de congelar para sempre aquele momento singular, porque o sol se põe diferentemente todos os dias para nunca repetir o mesmo espetáculo. Então eu vejo pessoas como o meu amigo Bartolo chegar até a orla trazendo suas câmeras com a vívida intenção de gravar aquele momento sublime. Ou outras que, de dentro de seus carros ou do ônibus ou encima da motocicleta, no congestionamento da avenida naquele final de tarde, não desperdiçam o momento e fazem uso até de câmeras embutidas em aparelhos celulares. Tudo está valendo, de máquinas baratinhas até as profissionais com suas teleobjetivas espetaculares, desde que ninguém deixe de compartilhar aquele efêmero instante. De onde vem tal magnetismo pelo pôr do sol? Como ele consegue esta façanha de se reinventar a cada dia e agregar tantos admiradores? Eu mesmo fico divido entre fazer o meu exercício ou apenas sair de casa levando a minha Canon para juntar-me aos outros para celebrá-lo. Talvez por preciosismo, no entanto, eu penso que o pôr do sol deveria ser livre e sempre único e guardado na memória, por isso me privo de fotografá-lo porque nada substitui a emoção de vê-lo ao vivo.

Rio Vermelho, 18 de outubro de 2011.