quinta-feira, 21 de agosto de 2014

É no Que Dá, Namorado Frequentar a Casa de Judith.

E já se ia um ano e meio de namoro. Era daqueles das antigas, tipo namoro de porta. Arnaldo vinha toda noite ver Judith. Sentavam-se na mureta do portão de entrada em frente à casa. E ficavam lá namorando ao luar. O pai ficava de longe, lia o jornal na sala ao lado da janela. Para não ser indiscreto, vez por outra dava uma olhada para ver se os dois estavam se comportando. Só quando ele bebia uma cerveja no jantar, que Arnaldo, muito espertamente, fazia questão de ir comprar, é que ele baixava a guarda. Mal sentava para ler e caía num sono deslavado. Aí os dois pombinhos aproveitavam a oportunidade indo para um canto escuro ao lado da garagem. E entre beijos e abraços lascivos, se entregavam no maior esfrega.
Judith teria preferido que eles fossem se encontrar em outro lugar. Não gostava de envolver a família em seus namoros. Daria aos pais uma desculpa para sair todas as noites, como fizera de outras vezes. Mas Arnaldo foi taxativo, fazia questão de conhecer os pais e de informá-los de suas intenções. Ela achou aquilo um exagero. Pra quê isso, parece até pedido de casamento, ela argumentou desconfiada. Não, meu amor, eu não me sinto à vontade de comer uma moça de família como você, sem a benção dos pais, entendeu? Não que ele fosse lhes pedir autorização explicita para arquivar a moça. Mas apenas o fato de ele ser apresentado formalmente a eles, já sacramentava o seu consentimento.
Judith achou aquilo muito antiquado, mas atendeu ao pedido do rapaz. Levou-o para conhecer os pais. Mal sabia ela em que estava se metendo.
Arnaldo não apenas era um tipo sedutor, mas, também, um grandessíssimo de um bajulador. Logo de cara, ele tomou a liberdade de chamar a mãe de “sogrinha” e o pai de “sogrão”. Isto foi o suficiente para roubar o coração dos velhos que sonhavam ver a filha casada para lhe dar netos. E ele era de uma atenção com aqueles dois como Judith nunca vira igual entre os ex-namorados. Os pais de Judith logo se apaixonaram por Arnaldo. Ele se tornara o filho homem que nunca tiveram.
Sempre que chegava para a sessão de namoro, ele ia cumprimentá-los. Mas que rapaz educado, comentavam satisfeitos. Às quartas-feiras, ele vinha para o jantar e no domingo para o almoço. Ao final da refeição, e durante toda ela, ele não deixava de elogiar a delícia que era a comida da “sogrinha” que se enchia de felicidade, pois era raro ouvir elogios. Em retribuição, ela tomou nota dos pratos prediletos do genro querido para lhe agradar quando ele viesse. Só de ouvir aquela lenga-lenga, Judith ficava enjoada. Ela nem um ovo cozinhava. Para agradar a velha, Arnaldo lhe trazia Pastéis de Belém que ela gostava muito. Aqueles mimos deixavam Judith enciumada. Arnaldo nunca lembrava de trazer nada para ela, apesar de sua generosidade com ele, ao deixa-lo fazer coisas com ela que nenhum outro namorado teve a chance.
Em dia de futebol, Arnaldo só cumpria meio expediente com Judith. Depois, ia sentar ao lado do “sogrão” em frente à tv. Até torciam pelo mesmo time, quanta coincidência! Houve domingos que os dois foram juntos ao estádio assistir o jogo, deixando Judith a ver navios. Aquelas coisinhas estavam fazendo ela perder o interesse por Arnaldo.
Como tudo na vida tem um começo, um meio e um fim. Um dia Judith chamou Arnaldo para uma conversa longe de sua casa. E terminou o namoro. Não queria mais. Tinha se enjoado dele. E Arnaldo não insistiu. Foi-se embora magoado, nunca mais deu as caras na casa de Judith.
Como era de se esperar, logo os pais de Judith sentiram falta do rapaz. E ao serem informados do fim do namoro, não deu outra: ficaram inconformados, mais até que o próprio interessado. Como podia ser, um rapaz tão bom, um excelente partido! Aonde é que essa menina está com a cabeça? A semana toda foi aquele clima de velório em casa. A mãe choramingava pelos cantos. Viu o que você foi fazer à sua mãe?, o pai chantageava também inconsolado. Não falou mais com a própria filha, desde então. A pressão do velho bateu nas alturas e ele foi parar na emergência. A mãe era um chororô só. A filha ia matar o pai de decepção! Judith se encheu de culpa e remorso. Foi procurar Arnaldo. Viu, é nisso que dá namorado frequentar a minha casa, ela se recriminou.
Dois dias depois, o pai teve alta e voltou para casa. E advinha quem apareceu para jantar como nos velhos tempos? Judith ia ter de pensar em outra forma de se livrar de Arnaldo.

Rio Vermelho, 20 de agosto de 2014.