domingo, 21 de junho de 2015

O Velho Forte Como Uma Rocha

O velho patriarca era forte como uma rocha. E ele fazia questão de repetir isto com redobrado orgulho para quem quisesse ouvir. Sou forte como uma rocha, nunca tive um resfriado e ainda tenho todos os dentes. Vou fazer 84 anos. Em minha família, quando não se morre de câncer, se chega aos 100!

De fato, a longevidade e a boa saúde na família do patriarca era algo quase comprovado cientificamente, eles viviam muito mesmo. Um tio chegara aos 102 anos, outro acabara de fazer 99 e o irmão mais velho estava próximo da casa dos 90.

A receita para se viver tanto é não se preocupar com nada, ele ensinava. Quem pensa muito em morte, acaba morrendo antes da hora, dizia debochado.

O velho tinha muito dinheiro, mas era um mão de vaca. Guardava dinheiro como se fosse precisar dele no outro mundo. Ele só o gastava com o estritamente necessário, e não o dava para ninguém, nem para os filhos. Só quando eu morrer é que vocês vão ver a cor do meu dinheiro, ele dizia. Corria-se uma anedota na família que todo mês ele ia ao banco pedir ao gerente que lhe mostrasse o seu dinheiro. Este, então, punha tudo sobre a mesa à frente do velho que depois de admirá-lo maravilhado, mandava-o de volta ao cofre.

Além de sovina, o velho era um verdadeiro espírito de porco. Quero é dar muito trabalho pra a minha família antes de morrer. Vou dar muito trabalho antes de bater as botas, repetia com frequência. Os filhos e as noras ficavam horrorizados ante aquela promessa sombria. Se vocês acham que vão pôr fácil a mão no meu dinheiro, estão muito enganados.

Certa manhã, quis a divida Providência que ele fosse trabalhar no jardim. Enquanto revolvia a terra com uma pá, ele deu um espirro espalhafatoso que de tão forte, perdeu o equilíbrio e caiu de costas batendo a cabeça numa pedra. Morreu ali mesmo num piscar de olhos, não deu trabalho algum, graças a Deus!

Rio vermelho, 19 de junho de 2015.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sábias Escolhas de Cada Um

Na papelaria do bairro, onde costumo comprar envelopes – porque sou antiquado e gosto de enviar os meus e-mails dentro de envelopes! – sou sempre atendido por uma moça sorridente de formas roliças e olhar rápido que se veste com esmero como se fosse gerente de banco. Muitos dos que ali entram devem imaginar tratar-se da proprietária. Entretanto, ela é, de fato, apenas a balconista. A outra mulher mais jovem que fica sentada numa mesa atrás do balcão e que se veste como se fosse à feira, é que é a verdadeira dona do lugar.

Minhas conversas com a vendedora nunca avançaram para além do necessário entre o freguês e a balconista, até o dia de ontem, quando a encontrei casualmente na rua a caminho do trabalho – ela que ia para o trabalho e eu comprar bananas. Cumprimentei-a como sempre faço quando encontro conhecidos na rua ao sair de casa e como tudo indicava que estávamos indo para a mesma direção, fomos conversando. Perguntei-lhe se era moradora do bairro e ela me explicou que passava uns dias aqui no Rio Vermelho e outro em Cajazeiras, um bairro para lá de Marraqueche. Fiquei curioso sobre a razão daquela dupla moradia e ela se adiantou explicando que o marido morava em Cajazeiras.

Como o meu silêncio denunciasse a minha surpresa, ela também me explicou que aquele era um acerto do casamento: unidos por Deus, mas cada um eu seu canto. Achei aquela solução muito prática e avançada. Quantos casamentos se dissolvem por causa da convivência incompatível, dizem amigos que se divorciaram. Considerei aquela uma escolha sábia e madura daquela balconista, a solução perfeita para um matrimonio feliz e duradouro. Quando a saudade aperta, ela vai até Cajazeiras ou ele é quem vem ao Rio Vermelho, ela disse. Ideia de gênio!

Às vezes um dos dois sugere morar juntos, como forma de economizar nas despesas. Mas terminam deixando a coisa como está, já está dando tanto certo. Aquele arranjo só funcionava tão bem porque eles não têm filhos, ela disse. “Preferimos ter um carro ao invés de filhos.” Olha aí outra sábia escolha!

Rio Vermelho, 3 de junho de 2015.