terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Poupando para o cruzeiro marítimo

 Enquanto aguardam, de pé, na extensa fila para o bandeijão do Restaurante Popular, que fica em frente ao porto de Salvador e que serve almoço ao módico preço de um real apenas, os habitués do estabelecimento assistencial admiram um majestoso transatlântico aportado nas docas. É uma daquelas naves que só se vêm em folhetos de agência de viagem de turismo e que provocam sonhos acordados até no mais tarimbado viajante, de um dia pôr os pés naquela belezura.

— O cabra tem que ser um milionário para viajar num bicho desses – falou um idoso de barba rala e branca, suas roupas deveriam ter igualmente a sua idade.

— Milionário ou político ladrão – corrigiu outro, em uniforme de gari.

Os fregueses do Restaurante Popular variam do pedinte de rua ao bancário da agência do Banco do Brasil, que fica a uma quadra dali. Basta ter um real no bolso e disposição para enfrentar a extensa fila, para entrar e almoçar; que o lugar não faz distinção da situação econômica e social do comensal. Por um real apenas come-se um prato de comida, uma raridade em nossos dias, com direito a sobremesa e um copo de suco de fruta, a farinha é a vontade. Quem quiser um molho de pimenta de verdade, dona Mira improvisou uma cozinha em cima de um caixote velho de madeira, onde prepara e vende o tempero, ao lado da fila; custa cinquenta centavos o copinho e não falta quem não compre. Para repetir o prato, o comilão precisa entrar novamente no final da fila, do lado de fora do restaurante, e pagar novamente, claro.

— Pode-se dividir de doze vezes no cartão – disse uma velha, que ouvia a conversa, com interesse.

— Mesmo assim, deve ser uma fortuna – insistiu o velho.

— Eu já viajei num desses e, em março, já terei pago a viagem de oito dias que farei – disse a velha, falava com a convicção dos que não inventam.

— É? – disse o velho, desconfiado das palavras da velha.

 — Em março já é baixa estação, e os cruzeiros ficam mais baratos. É tão bom, a gente come de tudo, são cinco refeições por dia, e a gente fica nas baladas até as quatro da manhã! – disse a velha, toda animada com a expectativa do passeio.

Como podem ver, se vocês frequentarem o Restaurante Popular durante um ano, terão economizado o suficiente para fazerem um cruzeiro marítimo de oito dias e comer e dançar a vontade!

 

Rio Vermelho, 10 de janeiro de 2023.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma delícia de conto! Parabéns
Carmela Talento